Oeste conversou com especialistas que analisaram o caso
Da Revista Oeste
Nos próximos meses, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar o processo que trata da suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condenação do ex-presidente Lula no caso do tríplex no Guarujá (SP). Dois ministros já se posicionaram contra o habeas corpus apresentado pela defesa do petista: Edson Fachin e Cármen Lúcia. Faltam ainda Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. No entanto, Mello deixa a Corte em 1° de novembro em razão da aposentadoria compulsória. Para complicar, o decano está em licença médica. Não se divulgou o tempo de afastamento nem o motivo específico. Pode ser, inclusive, que ele não retorne até o julgamento.
Dessa forma, o desfecho do xadrez político entre Moro e Lula fica ainda mais incerto.
“Não vejo nenhum elemento que possa caracterizar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro”, afirmou a Oeste a deputada estadual Janaina Paschoal, jurista e uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT). “Moro sempre foi um juiz rígido e fez algo que não é comum na magistratura: aos advogados do ex-presidente, ele concedeu acesso à documentação do processo, permitiu que as audiências fossem filmadas, de modo a fortalecer a transparência, entre outros fatores. E isso favoreceu o direito de defesa de Lula”, observou, ao mencionar que Moro não se enquadra em nenhum inciso do artigo 254 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da suspeição de um juiz.
De acordo com o CPP, um magistrado será declarado suspeito, entre outras coisas, “se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer uma das partes; se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; se tiver aconselhado qualquer das partes; se for sócio ou acionista de sociedade interessada no processo”.
Dessa forma, o processo que será julgado no STF tem mais caráter político que técnico. Essa é a avaliação de Leopoldo Pagotto, advogado e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Para ele, as alegações apresentadas pela defesa do ex-presidente no habeas corpus são fracas. E Moro não foi parcial no proferimento da sentença porque há muitas evidências de crimes. “Os argumentos dos advogados de Lula são baseados em ilações que foram sendo levantadas ao longo do processo”, avaliou Pagotto. “Tornou-se mais uma questão de narrativa que fatos concretos”.
Entre os argumentos apresentados pela defesa de Lula, estão a nomeação de Moro para o governo Bolsonaro e a alegação de que o ex-juiz agia em conjunto com a acusação para condenar o petista. A defesa de Lula se baseia numa reportagem do site The Intercept Brasil em que são publicadas mensagens supostamente atribuídas ao ex-juiz da Lava Jato e ao procurador Deltan Dallagnol, para sustentar que Moro agiu parcialmente. O material, porém, não tem validade jurídica.
Outro ponto levantado pelos advogados foi a decisão do ex-juiz de divulgar a delação premiada de Antonio Palloci seis dias antes das eleições de 2018.
De acordo com Pagotto, como vários magistrados de tribunais superiores ratificaram a decisão de Moro de condenar Lula, a tese de imparcialidade se fortalece. Além disso, são fartas as provas coletadas contra o ex-presidente durante a operação. O então juiz da Lava Jato também não teria como prever durante o andamento da operação que Bolsonaro seria candidato, venceria as eleições em 2018 e ele seria convidado para um cargo no eventual governo, porque tirou Lula da disputa. “O ex-presidente foi condenado porque havia provas contra ele”, concluiu Pagotto.
Hipótese de suspeição
“Com a ausência de Celso de Mello, as chances de Moro ser declarado suspeito são maiores”, afirmou Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV. “Há um sinal claro de que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski vão declarar a parcialidade de Moro. Caso Celso de Mello não participe do julgamento, teremos um empate. E, do ponto de vista processual penal, isso favorece Lula porque, na dúvida, o réu é beneficiado”, esclareceu. “Agora, se Celso de Mello estiver na jogada, fica difícil prever, porque ele já deu decisões a favor e contra a Lava Jato.”
Na hipótese de suspeição, os atos de Sergio Moro no processo do apartamento atribuído ao ex-presidente podem ser anulados.
“Assim, o processo retorna para a primeira instância. Outro juiz, em tese ‘imparcial’, é escolhido por um tribunal para reanalisar o caso. E, assim, proferir uma nova sentença. Mas a ação contra Lula permanece existindo”, observou Alexis Couto, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ao mencionar que o caso não é arquivado, como se especula na opinião pública. “O arquivamento ocorre quando morre o réu ou há outras evidências bem mais fortes para prescrição.”
Direitos políticos
Mesmo que Sergio Moro sofra um revés no STF, Lula não se tornaria elegível, porque também foi condenado em segunda instância no caso do sítio em Atibaia (SP). O ex-presidente está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que suspende por oito anos os direitos políticos dos sentenciados em tribunais superiores. A defesa do petista, entretanto, já pediu a extensão da eventual decisão do tríplex para as outras ações penais de Moro contra o ex-presidente.
Na hipótese de o STF decidir que Moro foi parcial no caso do tríplex e estender esse entendimento para o processo do sítio, as duas sentenças da primeira instância poderiam ser anuladas — o que também cancelaria as condenações de segunda instância e permitiria uma eventual candidatura de Lula. Nesse caso, o petista poderia inclusive pedir uma indenização ao Estado e também ao ex-juiz Moro por causa da sentença proferida.
No entanto, essa possibilidade, embora factível do ponto de vista legal, é bastante improvável. Tanto que, na prática, nem mesmo o PT enxerga a viabilidade de que Lula venha a sair candidato em 2022. Caso a possibilidade fosse concreta, com certeza já seria intensa a movimentação do partido e de seus militantes nas redes sociais. Não é o que se vê.
Derrota para Sergio Moro
Em julgamento realizado na terça-feira 25 pela Segunda Turma da Corte, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski definiram que o ex-juiz federal Sergio Moro foi parcial em caso relacionado ao Banestado.
Os dois ministros acataram a argumentação da defesa do doleiro Paulo Roberto Krug. Os advogados dele acusaram o hoje ex-juiz de parcialidade ao ajudar na “produção de provas”. Cármen Lúcia e Edson Fachin votaram favoravelmente ao ex-juiz federal mas, como o empate beneficia o réu, a sentença contra o doleiro foi anulada.