Em editorial o jornal Folha de São Paulo opina sobre o papel do senado na escolha do novo Ministro do Supremo Tribunal Federal
Da Folha de São Paulo
No início deste mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, pediu a Jair Bolsonaro que, por cortesia com a Corte, aguarde a aposentadoria do ministro Marco Aurélio para indicar um novo nome para o cargo. O decano do STF vai se aposentar no dia 12 de julho.
O pedido de Luiz Fux não foi sem motivo. Em outubro de 2020, desrespeitando o protocolo, o presidente Jair Bolsonaro indicou o nome de Kassio Nunes Marques para a vaga do ministro Celso de Mello, quando este ainda estava no tribunal.
De toda forma, ainda que seja importante zelar pelos protocolos – o modo como cada autoridade respeita as normas de educação e cortesia costuma ser um bom indicativo da compreensão do seu papel institucional –, o essencial no processo de escolha de um novo ministro do STF é cumprir a Constituição. Aqui, o Senado tem um papel fundamental.
Ao longo de 30 meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro não manifestou especiais preocupações com as disposições constitucionais. Sua atuação foi em sentido contrário, o que pode ser constatado pelo próprio comportamento de André Mendonça e Augusto Aras – os dois nomes mais cotados para a próxima vaga do STF.
Em vez de buscarem manifestar, no exercício de suas funções públicas, um irreprochável conhecimento do Direito e um irredutível compromisso com a Constituição – afinal, são os elementos que devem integrar o currículo da pessoa indicada para a vaga no Supremo –, André Mendonça e Augusto Aras notabilizaram-se pelo descuido com os mandamentos constitucionais.
Por exemplo, enquanto esteve no Ministério da Justiça, André Mendonça pôs o aparato estatal para perseguir um professor que instalou, no Tocantins, dois outdoors críticos a Jair Bolsonaro. Por sua vez, Augusto Aras – apenas para ficar no campo de desrespeito às liberdades de expressão – acionou o Conselho de Ética da USP pedindo punição a um professor, que qualificou de omissa sua atuação à frente da Procuradoria-Geral da República.
Em tempos normais, condutas assim desqualificariam de imediato um eventual nome para o Supremo, cuja missão é defender a Constituição. Em tempos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, atos desse teor – moldados não pelo Direito, mas por uma adesão antirrepublicana aos interesses pessoais do presidente – podem fazer com que o seu autor seja o indicado para ocupar a mais alta Corte do País.
Diante desse cenário, vislumbra-se uma certeza. Não se sabe quem será o indicado para o lugar do ministro Marco Aurélio, mas já se sabe que o Senado terá um árduo trabalho na sabatina do nome escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro.
A sabatina não é uma tarefa burocrática. Recai sobre os senadores a grave responsabilidade de atestar o cumprimento dos requisitos para a vaga. A Constituição é expressa: “O STF compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Estas duas condições – notável saber jurídico e reputação ilibada – não são requisitos abstratos ou de difícil aferição. Por exemplo, o texto constitucional exige que o saber jurídico do indicado seja facilmente percebido por todos. Se há dúvida a respeito do grau de conhecimento jurídico do indicado, o requisito constitucional não está preenchido.
O mesmo se pode dizer a respeito da reputação. Ilibada é “límpida, intacta, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita”, como já se escreveu neste espaço.
Há hoje muitas críticas contra o Supremo, pelos mais variados motivos. Muitas vezes, acusa-se o Judiciário de ser insubmisso ao critério democrático. Ele estaria à margem do poder do eleitor. Ao menos na escolha do ministro do Supremo, isso não é verdade. Na sabatina do Senado, são os representantes eleitos pelo voto que decidem sobre a composição do Supremo.
Poucos atos da vida pública têm tantos e tão duradouros efeitos sobre a vida dos brasileiros e o funcionamento do Estado como a nomeação de um novo ministro do STF. Que o Senado atue à altura de sua responsabilidade.