O QUE SERÁ DE LULA?

Posted On Quarta, 31 Janeiro 2018 10:39
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Analistas políticos afirmam que incerteza dominará cenário eleitoral de curto prazo, reafirmam influência de Lula, mas apontam dilemas para petistas e partidos de esquerda

 

Com Revista Época

 

A confirmação em segunda instância da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva amplia a incerteza do cenário eleitoral, leva os partidos de esquerda a um dilema sobre o caminho a seguir e redefinirá o tamanho da liderança política do líder petista.

Oito dos mais destacados analistas políticos do quadro nacional comentam o cenário eleitoral pós-condenação de Lula. De formações e filiações diversas, concordam em dois pontos: há mais dúvidas do que certezas; e Lula, de um modo ou de outro, ainda está no jogo, mas com tamanho menor do que no passado.

Candidato ou não, esteja preso ou não, Lula seguirá ator relevante na sucessão presidencial. O grau de corrosão que sua imagem pública sofrer com a condenação determinará sua capacidade de atrair ou transferir votos. Não terá papel desprezível, mas está cada vez mais distante de liderança incontestável, mesmo entre os pares da esquerda.

 

As consequências da decisão judicial em segunda instância afetarão candidatos de todos os estilos e tendências. “Vai sobrar para todo mundo”, resumiu o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política da Universidade Estadual Paulista.

 

A crise que atinge a esquerda brasileira pode ser a oportunidade de exercício de autoanálise renovadora. “Se o PT começar a fazer a autocrítica que alguns de seus membros, como Olívio Dutra, já começaram, podemos pensar que a Lava Jato realmente teve sucesso na higienização do sistema político brasileiro”, afirmou o filósofo José Arthur Giannotti, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

 

Em lado ideológico oposto, mas vizinho de cátedra de Giannotti, o filósofo Vladimir Safatle, também professor da FFLCH-USP, disse que nunca antes na história do Brasil houve tanta incerteza quanto ao cenário político nacional. “Estão estendendo um tapete vermelho para Lula se colocar na posição de vítima. O horizonte gerencial do país não se renovou. Tanto que hoje você procura desesperadamente figuras que pudessem renovar a política, até o limite de pegar astros de televisão.”

 

A ausência de novos líderes atinge todos os campos. “A esquerda nunca conseguiu fazer prosperar outra liderança à sombra de Lula”, apontou o sociólogo Sérgio Abranches, autor do conceito “presidencialismo de coalizão”, o que melhor define a relação do Executivo brasileiro com a mixórdia partidária no Poder Legislativo.

 

Rubens Figueiredo, cientista político e diretor-geral do CEPAC – Pesquisa e Comunicação, que faz pesquisas qualitativas e quantitativas para viabilização de estratégias de marketing político, acredita que o quadro se definirá conforme os próximos movimentos dos petistas. “O problema é saber se Lula vai atuar para construir uma proposta coletiva sem ele na disputa ou se o PT vai insistir na estratégia de manter a própria candidatura.” Arrisca que ao longo do ano a influência política de Lula diminuirá.

 

Na mesma linha segue Carlos Pereira, pós-doutorado em ciência política pela Universidade de Oxford e professor da Fundação Getulio Vargas. “A condenação dá chance de o eleitor se livrar do feitiço do ex-presidente Lula e ao mesmo tempo liberar os partidos de esquerda que o PT nucleava. O PT, desde 1989, funciona como protagonista da esquerda; os outros partidos funcionam como satélite. A condenação cria incentivos para esses partidos se libertarem e seguirem caminho próprio, tentando ocupar o espaço que outrora era do PT. E o PT está numa enrascada sem tamanho.” Pereira alerta: “Uma estratégia irresponsável do Lula pode levar ao suicídio da esquerda em 2018”.

 

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, aposta em sentido contrário. “Na medida em que o discurso de perseguição política tenha efeito, pode ajudar ou resultar num certo recrudescimento de apoio a Lula ou a alguém indicado por ele. Vivemos um período de singulares incertezas.”

 

Matias Spektor, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas, é mais comedido. “Há um enfraquecimento grande no campo da esquerda, de modo geral. E as chances de Lula ser candidato em 2018 ficaram reduzidas em relação ao cenário da semana passada. Isso não exclui a possibilidade, mas a reduz.”

 

O Instituto Datafolha combinou três vetores (intenção de voto no primeiro e no segundo turno, rejeição a Lula e força de Lula como cabo eleitoral) para dividir os eleitores em três grandes grupos: 38% são definidos como pró-Lula (maior participação de mulheres, negros, nordestinos e com renda e escolaridade mais baixas); 31% são anti-Lula (maior participação de eleitores do Sul-Sudeste, branco, homem, idade, renda e escolaridade maior do que a média) e 31% são eleitores pêndulos, que oscilam entre os dois lados (moradores de capitais da Região Norte e mulheres de baixa escolaridade do Sul-Sudeste).

 

São esses eleitores pêndulos que devem decidir a eleição. Sem Lula, um terço dos eleitores fica sem candidato e engrossa o caldo da indefinição.

 

Marco Aurélio Nogueira acredita que os desdobramentos da condenação de Lula serão conhecidos em médio e longo prazo. “Supondo que a candidatura seja impugnada e eventualmente Lula seja preso, terá um efeito muito grande sobretudo na vida política eleitoral, mas também na vida política como um todo. Estamos perdendo um personagem que ocupou o palco principal do nosso drama nos últimos 20 e poucos anos. Não é pouco importante.”

 

Ele duvida de que Jair Bolsonaro, que identifica como a direita personificada, possa se beneficiar da ausência do petista. “Ele já é um candidato problemático, de poucas possibilidades de progressão. Ele é ruim de fala, tem pavio curto, não tem um currículo político que se possa aplaudir. Provavelmente, perderá força ao longo da própria campanha. Sem o Lula como seu contraponto ideal, ele fica com as mãos abanando. Ele vai bater em quem?”

 

Prognostica que Lula se enfraquece, mas não perece. “Essa última etapa na trajetória do Lula, que culmina com a condenação, inevitavelmente produzirá um certo tipo de esmaecimento do mito. O mito Lula perde um pouco de brilho, ainda que continue sendo um ativo eleitoral. Ele tem mídia, interlocução com várias camadas da população, um partido que bem ou mal continua importante e conta com um grupo de seguidores que não tem dificuldade em fanatizar a situação, que são passionais, dispostos a dar o sangue. Isso faz com que ele continue a ter peso. Agora, ele foi condenado e exposto na vitrine de uma maneira muito incômoda. Isso tem de ter um efeito de prejudicar seu prestígio, sua imagem. Continuará sendo um ativo, mas mais fraco do que antes.”

 

Sérgio Abranches afirma que o problema de manter a candidatura de Lula é que a inelegibilidade, a seu ver, pode ser adiada, mas dificilmente será derrubada nas Cortes superiores. “Pode-se protelar, mas é fato consumado, praticamente. A estratégia de levar até o limite a possibilidade da candidatura de Lula desorganiza as alternativas da esquerda e do próprio PT. Isso vai ter um custo eleitoral que eles vão ter de decidir se querem pagar ou não.”

 

Fábio Wanderley Reis disse que o “viés político” dos tribunais superiores estará exposto. “É possível falar neste momento que há uma crise institucional. Atinge com muita clareza o Judiciário. Por um lado o PT não pode deixar de insistir nessa tecla política: apontando um viés político e se valendo da ideia da perseguição. Coloca uma grande indagação à frente.”

 

Vladimir Safatle ressalta o ineditismo da situação de Lula. “Pela primeira vez na história da República, o candidato mais bem colocado numa eleição presidencial é impedido de concorrer por uma decisão jurídica. Isso tem consequências enormes.”

A grande popularidade do Lula até hoje, afirma Safatle, decorre de causa simples: “O governo atual é catastrófico em todos os sentidos. Somos governados por um presidente que tem 3% de aprovação popular. De nada adianta falar que há recuperação econômica se isso não é traduzido em hipótese alguma na sensação das pessoas, que se sentem mais pobres.”

 

Para Safatle, Lula capitaliza, de modo explícito e forte, a redução do bem-estar social. “Lula terá força eleitoral dentro ou fora da prisão. Acho que a elite brasileira já foi mais inteligente, pois fez uma operação muito arriscada do ponto de vista político ao caminhar para colocar um ex-presidente na cadeia.”

 

Carlos Pereira afirmou que a condenação judicial a partir de um colegiado tenderá a diluir o discurso de vitimização de Lula. “Ao tempo que for se diluindo, os outros partidos de esquerda vão começar a perceber que apoiar o Lula não é tão interessante dessa forma. Quanto mais tarde o PT se decidir por uma alternativa a Lula, mais refém vai se tornar dessa estratégia de sobrevivência judicial do Lula e mais o PT vai perder o protagonismo na esfera da esquerda.” Aposta que a tendência maior é que os partidos de esquerda lancem candidatos próprios. “E, como são candidatos desconhecidos, de partidos pequenos, a tendência é que não vinguem.”

 

Sem a polarização com a esquerda, a probabilidade maior é que haja uma candidatura do PSDB e outra que represente o governo atual. “Essas duas candidaturas podem aproveitar a fragmentação, fruto da implosão dos partidos de esquerda, que terão candidaturas não competitivas, deixando um flanco para a centro-direita.”

 

O eleitor ideológico, analisa Pereira, dá menor importância à corrupção na escolha do voto. “Esse eleitor tende a minimizar a corrupção. Mas as minhas pesquisas indicam que, diante de uma condição judicial, o eleitor ideológico abandona o político corrupto. Creio que, no momento em que Lula for preso, o feitiço sobre o eleitor e aliados tenderá a se dissipar. Mesmo a militância com afinidade ideológica tende a abandoná-lo.”

 

José Arthur Giannotti disse que o julgamento de Lula foi “um espetáculo importante e técnico” e que o líder petista está em processo de desmanche. “Todo o tesouro que Lula tinha nas mãos foi feito na base de um desvirtuamento da esquerda em populismo. A primeira coisa que temos de lembrar é que um governo de esquerda leva em conta o tipo de capitalismo que ele combate. Nos 13 anos de governo petista, nós tivemos, como na Venezuela e em outros lugares da América Latina, benefícios importantes para as classes populares, mas, em compensação, levando a economia para as cucuias. Sem dúvida, o capitalismo cria riqueza e enorme desigualdade. A política contrária a isso simplesmente precisa saber como lidar com o capitalismo real. O PT, como outros partidos populares, se imbricou numa luta que não tem nada a ver com o capitalismo moderno. E, com isso, facilitou a abertura do Estado a sindicatos e outros movimentos que foram, simplesmente, se incrustando no Estado e se transformando em aproveitadores do Estado.”

 

Para Giannotti, é fundamental que a esquerda volte a ser esquerda. “O primeiro dever da esquerda é saber que tipo de capitalismo temos hoje. É um capitalismo de conhecimento, que cria riqueza a partir do nada e é muito mais perverso do que o capitalismo do século XIX. É com esse capitalismo que temos de lidar. Ao contrário do que pensava a doutora Dilma [Rousseff], esse capitalismo não pode ser racional, parceiro bonitinho e bem-comportado do Estado.”

 

Em vez de tentar transformar o modelo de governabilidade, a esquerda adaptou-se a ele, disse Giannotti. “Acreditava ser uma manobra segura. Ou seja: 'Como todos fazem, não vai acontecer nada comigo'." E foi o contrário. Não só o primeiro ex-presidente será preso, mastodos os seus operadores também. Chega a ser uma piada um país onde Lula vai para a cadeia, mas Temer é presidente e Aécio é senador. Tem algo errado aí.”

 

Rubens Figueiredo afirma que, com a melhora gradual da economia, o eleitor apostará em quem lhe der segurança. A inflação e os juros caíram. “O governo Temer é o melhor pior governo que nós já tivemos. É um governo mal avaliado com bons resultados. O eleitor fugirá de aventuras, de uma nostalgia de um tempo em que comprava celular, televisão… O Lula preso é um balde de água fria nesse eleitorado que ele cativa. Estimulará outsiders, como Luciano Huck, com forte penetração nesse eleitorado.”

 

Matias Spektor analisa que tanto a esquerda como a direita, para conseguirem chegar ao Palácio do Planalto, precisam de uma coalizão ampla, que consiga atrair o eleitor de centro. “O problema de Lula preso, na cadeia ou em prisão domiciliar, é que o campo de esquerda, mesmo que volte à imagem do Lula para tentar ganhar votos, vai ter grande dificuldade para conseguir o eleitor do centro. As chances eleitorais da esquerda ficam muito diminuídas com Lula preso.”

Da Redação, com informações da Revista Época