A Associação dos Magistrados Brasileiros relata 'perplexidade' e contesta artigos que, segundo a entidade, "criminalizam a atividade de julgar"
Por revista Veja
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) informou, neste domingo 29, que ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar artigos da Lei de Abuso de Autoridade, aprovada pelo Congresso Nacional. No último dia 24, deputados derrubaram 18 dos 33 vetos do presidente Jair Bolsonaro ao texto.
Na ADI, a associação questiona artigos que preveem a criminalização – com penas de 1 a 4 anos de prisão – de condutas de juízes em casos como: decretar prisão “em desconformidade com as hipóteses legais”; impedir “sem justa causa” a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado; abrir investigação contra um acusado “sem indícios de crime” e violar prerrogativas de advogados “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho” e ter “a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia”; entre outros.
A entidade afirma que a lei atinge frontalmente a liberdade de julgar e rompe o pacto federativo, reduzindo sobremodo a atuação do Poder Judiciário, em especial no combate à corrupção, pois criminaliza a própria atividade de julgar, núcleo intocável em Estado Democrático de Direito”.
De acordo com nota divulgada pela AMB à imprensa, é “nítido o propósito de amordaçar a magistratura brasileira, impedindo-a de julgar livremente, de acordo com as leis e a Constituição do País”.
A ADI alegra que a lei “está causando perplexidade no mundo jurídico e principalmente nos agentes públicos que por ela serão alcançados” e diz que “já há notícia de decisões deixando de impor bloqueio judicial de valores ou
revogando prisões cautelares, sob o fundamento de que há incerteza jurídica sobre o fato de estarem ou não praticando crime de abuso de autoridade. Há, também, pedidos de advogados contemplando ameaças a magistrados com base na nova lei”.
No total, a lei, que tem por objetivo punir excessos de policiais, promotores, procuradores e juízes, entre outros, tinha 108 artigos. Em relação aos vetos protocolados pelo presidente Jair Bolsonaro à lei, o Congresso Nacional votou pela seguinte configuração do texto final:
Vetos derrubados
(ou seja, estarão na nova Lei de Abuso de Autoridade)
– Não se identificar como policial durante uma captura
– Não se identificar como policial durante um interrogatório
– Impedir encontro do preso com seu advogado
– Impedir que preso/réu/investigado sente-se e consulte seu advogado antes e durante audiência
– Negar ao investigado acesso a documentos relativos a etapas vencidas da investigação
– Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma acusação
– Decretar prisão fora das hipóteses legais
– Não relaxar prisão ilegal
– Não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber
– Não conceder liberdade provisória, quando couber
– Não deferir habeas corpus cabível
– Constranger o preso a produzir prova contra si ou contra outros
– Insistir no interrogatório de quem optou por se manter calado
– Insistir no interrogatório de quem exigiu a presença de advogado enquanto não houver advogado presente
– Iniciar investigação contra pessoa sabidamente inocente
Vetos mantidos
(ou seja, não estarão na nova Lei de Abuso de Autoridade)
– Executar prisão ou busca e apreensão sem flagrante ou mandado
– Fotografar ou filmar preso sem consentimento (exceção: produção de provas, documentação de condições carcerárias)
– Usar algemas sem necessidade (a pena é dobrada se o(a) detido(a) for menor ou grávida ou se o ato acontecer dentro de unidade prisional)
– Executar mandado de busca e apreensão com mobilização desproporcional de aparato de segurança
– Instigar prática de crime para obter um flagrante (exceções: flagrante esperado ou prorrogado) (a pena é maior se o ato resulta em captura)
– Omitir dados ou informações sobre fato judicialmente relevante e não sigiloso pertinente a uma investigação, para prejudicar o investigado
– Deixar de corrigir erro conhecido em processo
– Proibir ou dificultar a reunião pacífica de pessoas para fins legítimos