Barroso critica voto impresso e diz que “pensamento conservador foi capturado pela grosseria”
No WhatsApp, Bolsonaro critica Barroso por fala sobre voto impresso
O presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou o ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso neste sábado (25.jun.2022), em grupos de WhatsApp, por causa de uma declaração de Barroso durante o Forum Brazil UK, no Reino Unido.
Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso foi contestado por membros da plateia durante uma palestra para brasileiros na Universidade de Oxford, na Inglaterra, neste sábado (25). O bate-boca envolveu uma declaração de Barroso sobre a adoção do comprovante impresso do voto, o que ele chamou de “abominável retrocesso”. O ministro do STF participou da abertura do Brazil Forum UK, evento realizado por estudantes brasileiros no Reino Unido desde 2016.
Como costuma fazer em suas palestras, Barroso iniciou afirmando que não é um ativista, e sim um representante do Judiciário: “Não sou um ator político, eu sou um ator institucional”, disse ele. Entretanto, em sua fala de meia hora, ele distribuiu suas opiniões sobre temas que fogem à responsabilidade do STF.
Dentre outros assuntos, Barroso criticou a proposta que criaria um comprovante impresso para o voto eletrônico. “Durante a minha gestão na presidência no TSE, eu precisei lidar com a pandemia, precisei oferecer resistência aos ataques à democracia e impedir esse abominável retrocesso que seria a volta do voto impresso com contagem pública manual, que sempre foi o caminho da fraude no Brasil", disse ele.
Neste momento, o ministro foi interrompido por uma mulher que, da plateia, respondeu: “Isso é mentira”. Ela disse que “ninguém falou na contagem manual”. Também foi possível ouvir um homem afirmando: “Como a gente vai confiar nas urnas se o cara que vai presidir foi o cara que liberou o maior ladrão (inaudível)?”. Barroso insistiu que tanto o presidente Bolsonaro quanto a autora do projeto (a deputada Bia Kicis) falaram em “voto impresso com contagem pública manual”. Ele também demonstrou incômodo com a manifestação vinda da plateia. "Esse é um dos problemas que nós estamos enfrentando no Brasil: um déficit imenso de civilidade", queixou-se o ministro.
Barroso deixou de mencionar que a proposta do voto impresso não abolia as urnas eletrônicas: apenas adicionava o comprovante impresso como uma segurança adicional que permitisse uma recontagem dos votos físicos caso necessário.
Após o fim da palestra, Barroso continuou a trocar palavras com a mulher sobre o tema, mas a transmissão foi interrompida em seguida.
O voto impresso não foi o único tema abordado por Barroso. Em sua fala no evento, o ministro do STF afirmou que “o grande papel do Estado e da sociedade é gerar riquezas e distribuí-las de uma forma justa”. Disse que, ao redor do mundo, a democracia está sob “ataque cerrado” do “populismo autoritário”. Lamentou a perda do “espaço público compartilhado” criado pela imprensa tradicional e desfeito, segundo ele, com a emergência das redes sociais.
O ministro também defendeu a adoção de cotas para mulheres em cargos eletivos. Declarou apoio à adoção do voto distrital misto para o Legislativo. Atacou o modelo de combate às drogas do país, que segundo ele “não serve para nada” e gera um “imenso encarceramento inútil de jovens primários, com bons antecedentes”.
Além disso, afirmou que o “pensamento conservador” foi “capturado pela grosseria, pela ofensa, pelo ataque, pela falta de respeito.”
Críticas ao governo
Na abertura do evento, um dos responsáveis pelo fórum, o estudante de mestrado João Arthur Reis fez pouca questão de esconder o perfil anti-governo do evento. Para ele, as “instituições democráticas sob ameaça e sob ataque” por causa de “uma agenda fascista de desmanche sistemático de políticas consolidadas”. Também segundo ele, a lógica de segurança pública no Brasil é “estruturalmente racista”.
Sem se referir explicitamente ao governo federal, Reis disse ainda que a organização do evento não convidou “pessoas que não possuem compromisso com o estado democrático de governo e com o processo democrático”. Nenhum membro do Executivo federal participa do evento, que tem dentre os palestrantes o ex-governador João Doria e o pré-candidato à Presidência Ciro Gomes. Os painéis do Brazil Forum UK incluem um debate sobre a desmilitarização da polícia.
Pouco sutil em sua postura contrária ao governo atual, o fórum tem como tema “Amanhã vai ser outro dia”. O vídeo de apresentação traz um trecho da canção “Apesar de Você”, de Chico Buarque — um símbolo da oposição ao regime militar — e inclui os versos “Hoje você é quem manda falou tá falado não tem discussão / A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão”.
Os ingressos para um dia do evento (que vai até este domingo) custam pouco menos de R$ 200. Dentre os patrocinadores e apoiadores do evento, estão a Natura, a Fundação Lemann e a Haddad Foundation, uma organização sediada no Reino Unido que tem um histórico de colaboração com entidades de esquerda.
O STF informou à Gazeta do Povo que a viagem de Barroso não gerou custos para a Corte.