Está chegando a temporada de julho em Araguacema. Ir para as ilhas Bendivas é ser feliz

Posted On Quinta, 23 Mai 2024 06:39
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Sabe, naquele tempo que eu era menino, minha rua terminava no azul do Rio Araguaia.

 

Da minha calçada, eu avistava o cume amarelo da areia da praia da Gaivota e a revoada das belas garças brancas.

 

Na minha cidade, tudo tinha simetria com o compasso do rio e das estações.

 

Perto do rio, ao lado da olaria, havia um pequeno campinho de futebol, com a grama seca típica do mês de julho e um pé de oiti verde que dava frutos fora da época.

 

 

Julho, na minha doce e amada Araguacema, é a época dos ventos alísios e mistral.

 

É época de poeira de terra em (re)voada... Poeira vermelha, de roupa branca quarando no varal do quintal.

 

Nosso campinho era vivo, sempre cheio de crianças e gritos.

 

Todas as tardes eram iguais... Bola rolando, menino gritando, galo cantando, mãe chamando... Eram sempre assim nossas tardes.

 

Pela manhã, íamos à praia da gaivota , era um ir e vir de voadeiras, de canoas de landi, de caronas e pagantes de poitas indo de graça, de cumprimentos e conversas, de tudo mais que faz parte do vai e vem de julho no cais do porto.

 

 

O curioso é que, durante a travessia, os pingos de água fresca sempre batiam na face quente.

 

Que sensação incrível...

 

Eu fechava os olhos e sentia no rosto a água gelada pelo vento fresco no deslizar das voadeiras só as ondas .

 

E eu seguia minha travessia.

 

 O rio, esse descia impávido no seu silêncio majestoso, ia descendo, ia banzeirando rumo a Conceição do Araguaia.

 

Nessa descida incrível, cada gota de água, suponho, queria inverter o curso no vento alísio da manhã que trazia o banzo.

 

 Eu pensava...

 

 Era uma revolta do rio? Não! É uma espécie de ritual de despedida e encantamento das águas do Araguaia com a minha bela e doce Araguacema.

 

O mais interessante é que esse espetáculo sempre ocorre em frente à cidade, ali pelas dez horas do mês de julho de qualquer ano.

 

O ritual deixa brilhosa e mais linda a minha doce e amada Araguacema.

 

Com as ondas escamadas do meu Araguaia, Araguacema sempre será mais bela e colorida.

 

Sobre esse encanto do rio, dizem os mais velhos, que o Araguaia faz essa pausa no cais para não morrer de saudades de Araguacema na sua jornada rio abaixo em direção ao mar.

 

 

E, eu, durante a travessia, ficava olhando para a copa das árvores balançando com o vento...

 

Lá no fundo, um homem pescando.

 

Eu, olhando para o milho do chama da pesca que era jogado, esses caíam entre seus dedos magros na água clara...

 

Nesse instante, meu coração transbordava de felicidade, meu momento completamente feliz por viver mais uma vez essa travessia rumo à praia da Gaivota.

 

O engraçado é que muitas vezes fico parado sozinho na curva do rio, ali mesmo na linha do riacho Ponte Grossa, perto das raízes expostas das árvores que nunca caem...

 

Eu fico ali a sentir o vento que me beija, nas manhãs de sol suave e colorido do verão da minha Araguacema...

 

Nesse instante, e naquele momento, minha alma encontra Deus na sua plenitude e essência...

 

Ficar naquela beira de rio é só para quem conhece Araguacema em julho que sabe como é essa sensação.

 

Chego do outro lado e encontro uma praia em harmonia com o universo.

 

 Sento sozinho às vezes e olho as nuvens brancas a desenhar mosaicos...

 

 E fico horas nesse passar de tempo a decifrar os desenhos das nuvens...

 

Lá longe, ouço os gritos das crianças na alegria da inocência, todas elas na proteção de Deus.

 

 Do outro lado do rio, a azáfama das crianças que correm dentro d'água atrás da bola, crianças que pegam pequenos peixes em copos plásticos, que veem a natureza viva em suas mãos, pulsando mesmo que por um momento.

 

 

Sassaricos correm pela praia...

 

Tracajás abrem e fecham os olhos sob o sol em cima de uma madeira qualquer...

 

Mergulhões com peixes pescados...

 

 Borboletas amarela dando cor à orla.

 

Cheiro de praia com protetor solar, mulheres perfeitas refletidas no espelho do Rio Araguaia na tarde amarela de pôr do sol.

 

Amigos distantes que sempre aparecem como miragens, pessoas descendo de canoas, cumprimentos e apertos de mão infinitos como políticos em campanha, frases prontas, personagens queridos daquele lugar que a memória tenta encontrar em algum lugar do passado.

 

E eu sigo meu destino de todos os anos, voltar como os canários belgas amarelos em migração.

 

Às vezes, um canta bem-te-vi... Às vezes, um canta salta-chão. Às vezes, um avião passa rasante...

 

 Tudo está certo em Araguacema, no seu lugar, cumprindo o seu destino.

 

E eu também estou no meu lugar seguindo o curso da vida , me sinto parte e completamente feliz aqui sentado na raiz da árvore do riacho Ponte Grossa que, tímido, entra Araguaia adentro para cumprir o seu destino de se tornar grande.

 

Quando escrevo sobre essas pequenas felicidades certas do mês de julho, que estão diante de cada pessoa que vê, uns dizem que essas coisas não existem em Araguacema.

 

 Outros dizem que só existem na minha imaginação, nas minhas lembranças e, outros, finalmente, dizem que é preciso aprender a olhar Araguacema para poder vê-la assim como ela é.

 

Não basta olhar para Araguacema é preciso ver o que se olha em Araguacema.

 

Tom Lyra 22/05/2024