Embora ministro negue a indicação, documentos oficiais mostram o remédio propagandeado por Bolsonaro para tratamento da Covid-19
Por LUCIANA LIMA
Apesar de o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, dizer que nunca recomendou o “tratamento precoce”, inclusive com a indicação da “hidroxicloroqiuna” para pacientes com Covid-19, tanto a medicação, propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início da pandemia, quanto a profilaxia constam em documentos oficiais do governo, distribuídos na gestão do próprio ministro.
O medicamento, que não tem comprovação científica de sua eficácia contra o novo coronavírus, foi, inclusive, um dos insumos enviados para Manaus, em meio ao caos pela falta de oxigênio para atender os doentes, conforme as explicações dadas pela Advocacia-Geral da União ao Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta ao ministro Ricardo Lewandowski (Confira a íntegra do documento abaixo).
O documento é o mesmo no qual o governo admite que teve conhecimento no início de janeiro que o sistema de saúde de Manaus sofria a “possibilidade iminente de colapso em 10 dias”, que poderia provocar “aumento da pressão sobre o sistema entre o período de 11 a 15 de janeiro”, como efetivamente ocorreu, com dezenas de pacientes morrendo por falta de estoque de oxigênio nos hospitais da capital amazonense.
A medicação está entre as providências tomadas pelo governo, que agora foi obrigado a prestar contas ao STF.
Ao falar das ações do Plano de Contingência de Apoio ao Enfrentamento da Crise do Covid-19 no Estado do Amazonas, a AGU listou o envio, por parte do Ministério da Saúde, de 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina, no rol de medicamentos destinados ao tratamento da Covid-19.
Diagnóstico
No diagnóstico feito por técnicos do Ministério da Saúde enviados à capital amazonense, o tratamento precoce aparece como recomendação da pasta não seguida pelas autoridades locais.
“Diante dessa súbita elevação, o Ministério da Saúde providenciou reuniões de seu secretariado e deliberou pelo envio de uma comitiva à cidade de Manaus, logo após o início do ano de 2021, para que pudesse haver análise pormenorizada das providências a serem tomadas juntamente com os gestores estaduais e municipais recém-empossados. As reuniões foram realizadas entre 3 e 4 de janeiro de 2021, quando foram sumarizadas as seguintes conclusões”, apontou a AGU.
“Há deficiência na resolutividade da atenção primária, por não estarem utilizando as orientações de intervenção precoce para Covid-19, conforme orientações do MS”, diagnosticou a equipe, sem explicitar quais seriam essas intervenções.
O documento é assinado pelo advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior.
“Nunca receitei”
Nos pareceres e votos que embasaram a aprovação do uso emergencial das vacinas Coronavac e Oxford/AstraZeneca, técnicos e diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) defenderam a ciência e a segurança dos imunizantes e refutaram a existência de tratamento precoce contra a doença, defendida pelo Ministério da Saúde e por Bolsonaro com base em medicamentos comprovadamente ineficazes, como a hidroxicloroquina.
Em entrevista coletiva na segunda-feira (18/1), o ministro disse que a pasta nunca indicou nenhum medicamento para o tratamento da Covid-19.
No entanto, além do informe dado ao STF pela AGU e em protocolo assinado por ele e distribuído em 20 de maio, logo após sua posse como ministro, a pasta sugeria a prescrição de hidroxicloroquina e cloroquina aos infectados, ainda que não houvesse nenhuma comprovação da eficácia desses remédios contra o coronavírus.
“A senhora nunca me viu receitar, dizer, colocar para as pessoas tomarem este ou aquele remédio. Nunca. Não aceito a sua posição. Eu nunca indiquei medicamentos a ninguém, nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos”, disse o ministro a uma jornalista.
O protocolo divulgado em maio orienta o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos, mas as dosagens aparecem rasuradas.