Empresa propôs delatar 15 políticos que receberam dinheiro para campanha via caixa 2 e pagar R$ 81 milhões, sendo parte do valor empregado diretamente em reforma de biblioteca da USP. Governo quer dissolver acordo nesses moldes
Com Agências
A CCR, uma das maiores empresas de concessão de infraestrutura da América do Sul, administradora de diversas rodovias no estado de São Paulo, pagará R$ 81,5 milhões em um acordo de leniência assinado hoje (29) com o Ministério Público de São Paulo em razão de doações irregulares em forma de caixa dois a campanhas de diversos partidos políticos, no período de 2009 a agosto de 2013.
Segundo o MP, o acordo foi baseado nas declarações de dirigentes e ex-dirigentes da CCR em delações premiadas firmadas em Curitiba nas investigações da Operação Lava Jato. De acordo com o promotor de Justiça José Carlos Blat, até o momento, não foram obtidas provas em relação ao crime de corrupção. No entanto, ele considerou que as investigações só estão começando.
“O caixa dois da CCR demonstra que não ocorreu nenhuma contrapartida nas concessões das rodovias e a assinatura deste termo não obsta outras investigações que venham a determinar a existência de superfaturamento, atos de corrupção, cartel, etc. Podemos dizer que este não é o fim, é o início de uma investigação contra vários agentes públicos”, disse.
Segundo o Ministério Público, os nomes dos políticos envolvidos não serão divulgados por conta das investigações em curso na esfera da improbidade administrativa e criminal. “Basicamente, a empresa está sofrendo sanção por ter feito algo errado, que não deu prejuízo ao estado, mas que deu prejuízo social, em termos eleitorais, em termos de desigualdade eleitoral”, disse o promotor Valter Santin.
O “termo de autocomposição”, como o MP denomina o acordo de leniência, prevê o pagamento em duas parcelas, nos meses de março de 2019 e 2020. O destino dos recursos será o estado de São Paulo, o Fundo de Direitos Difusos, o Fundo de Perícias, em fase de criação, e a Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), para a construção de uma nova biblioteca.
De acordo com o MP, na primeira parcela o estado receberá R$ 33,06 milhões, e os fundos, R$ 1,11 milhão cada; a segunda parcela repetirá esses valores, corrigidos. A Faculdade de Direito receberá integralmente o valor de R$ 17 milhões em março de 2019.
Em nota, a CCR disse que contribui com as autoridades públicas a fim de esclarecer fatos que envolvam a empresa e suas controladas. "A CCR reafirma o compromisso em seguir modernizando a infraestrutura brasileira, oferecendo serviços de qualidade para os usuários no Brasil e no exterior".
Entenda
Representantes do Grupo CCR dizem que fizeram pagamentos em um esquema eleitoral a 15 políticos, entre eles dois ex-governadores e dois ex-prefeitos. De acordo com os depoimentos:
José Serra (PSDB) recebeu R$ 3 milhões em 2010;
Geraldo Alckmin (PSDB) recebeu R$ 4,5 milhões em 2010 e R$ 4,3 milhões em 2012;
Marta Suplicy recebeu R$ 1 milhão em 2010, quando era do PT;
Gilberto Kassab (PSD) recebeu R$ 2,8 milhões em 2012.
No acordo firmado com o MP-SP, a CCR disse que vai devolver R$ 81,5 milhões da seguinte forma:
R$ 60 milhões aos cofres do Estado de São Paulo;
R$ 4 milhõs para o fundos do governo;
R$ 17 milhões para a Faculdade de Direito da USP.
Em troca, a CCR fica livre de ações civis relacionadas ao caso.
Na sentença, o juiz da 1ª instância defendeu que o acordo possibilita maior eficiência na reposição do erário público e na obtenção de provas, além de aprofundamento das investigações. Para ele, a CCR pode fazer doações a quem quiser.
A gestão joão Doria (PSDB), entretanto, não concordou com parte dessa negociação. Alega que o problema é a parte do dinheiro empregada diretamente em uma reforma e entrou com apelação no Tribunal de Justiça, que é a 2ª instância.
Os procuradores do estado dizem:
que o acordo é inviável porque se tem um cenário de insegurança jurídica;
que o juiz se pautou de forma rasa ao autorizar a CCR a fazer doações a quem desejar;
que quase 20% do calor está deixando de ir para o Governo, que é o maior afetado.
O que dizem os políticos citados
Em nota à reportagem, José Serra disse que jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus 40 anos de vida pública, e que todas as suas contas de campanha foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.
O ex-governador Geraldo Alckmin disse que desconhece o conteúdo do acordo e nega qualquer contribuição ilícita para suas campanhas.
O ex-prefeito Gilberto Kassab disse que desconhece as informações citadas e afirma que as doações que recebeu seguiram a legislação vigente à época.
A ex-prefeita Marta Suplicy disse que lamenta ver o nome dela envolvida neste caso, pois desconhece os supostos fatos e as pessoas que alegam ter feito tais doações.