O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, nesta quarta-feira (31), que a escalada golpista no país, que culminou com os ataques à sede dos três poderes em 8 de janeiro, é resultado da descrença na política.
POR MARIANNA HOLANDAM JOSÉ MARQUES E CONSTANÇA REZENDE
A declaração foi dada durante a cerimônia de abertura do ano judiciário no STF (Supremo Tribunal Federal). Em seu discurso, o petista também elogiou os ministros da corte, falou em decisões corajosas e no restabelecimento da harmonia entre os poderes, em uma referência velada ao seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).
"Nunca mais alguém deve ousar duvidar da política desse país ou desacreditar na política. O que aconteceu nesse país foi resultado da descrença da política pelo povo brasileiro", disse Lula, ao final do seu discurso.
"Em todos os lugares, o que temos que ter consciência é que pode-se não gostar do Congresso Nacional, mas ele é resultado da quantidade de informações e do humor no dia da votação. Portanto temos que respeitar e só mudar 4 anos depois, quando tiver uma próxima eleição, assim que a gente vai sustentar definitivamente a democracia mais longínqua que conseguimos conquistar na republica federativa do Brasil", completou.
A corte retoma suas atividades após a destruição do seu prédio principal por golpistas que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 8 de janeiro, as sedes dos três Poderes foram invadidas e depredadas, o que gerou uma forte reação das instituições em defesa da democracia.
Pouco antes de seu discurso, a presidente da corte, ministra Rosa Weber, fez uma fala com críticas aos ataques golpistas, disse que os responsáveis pela violência serão responsabilizados e reforçou que a democracia continua inabalável.
"Os que a conceberam [a violência do dia 8 de janeiro], praticaram, a insuflaram e os que as financiaram serão responsabilizados com o rigor da lei", disse a ministra.
O gesto de Lula ao Judiciário também ocorre após quatro anos de relações estremecidas entre os Poderes, em especial o Executivo e o STF. Durante sua gestão, Bolsonaro incentivou golpismo, xingou ministros e ameaçou descumprir decisões judiciais.
O antecessor do petista compareceu apenas à abertura do ano judiciário, na Corte, em 2021. No seu primeiro ano de mandato, estava em recuperação de uma cirurgia. Nos demais, optou por não ir.
No ano passado, o então presidente da corte, Luiz Fux, fez um discurso com recados ao chefe do Executivo e disse que, em ano eleitoral, "não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas".
Como de praxe, Bolsonaro foi convidado para a cerimônia, que aconteceu por videoconferência, mas não participou.
O presidente, seus familiares e aliados também foram alvo de inquéritos abertos na corte, em sua maioria, relatados pelo ministro Alexandre de Moraes — alvo preferencial de ataques do bolsonaristas.
A escalada de quatro anos de golpismo levou ao desrespeito do resultado das eleições, anunciado por diversas vezes pelo próprio presidente, e culminou nos ataques às instituições no dia 8 de janeiro.
A reação dos Poderes, contudo, foi incisiva. No dia seguinte aos ataques, o presidente convidou governadores e os ministros do Supremo para uma reunião em que fizeram defesas enfáticas do Estado democrático de Direito.
Os discursos foram transmitidos pela TV Brasil. Lula disse que os manifestantes não tinham uma pauta de reivindicações e que apenas queriam um "golpe e golpe não vai ter". Depois da reunião, Lula e as autoridades caminharam pela praça dos Três Poderes até as instalações destruídas do STF.
"O que vimos ontem foi coisa que já estava prevista. Isso tinha sido anunciado há algum tempo atrás porque pessoas que estavam nas ruas na frente de quartéis não tinham pauta de reivindicação", afirmou o presidente, na abertura de uma reunião com governadores estaduais e chefes de Poderes.
Ele acrescentou: "Eles querem é golpe, e golpe não vai ter. Eles têm que aprender que democracia é a coisa mais complicada para a gente fazer, porque exige da gente suportar os outros, exige conviver com quem a gente não gosta".
No encontro, a presidente do STF, Rosa Weber, disse que a corte foi "duramente atacada" e agradeceu pela união "em torno do Brasil que todos queremos, que é um Brasil de paz, um Brasil fraterno".
"Na verdade eu estou aqui em nome do STF agradecendo a iniciativa dos governadores e das governadoras de testemunharem a unidade nacional de um Brasil que todos nós queremos no sentido da defesa da nossa democracia e do Estado democrático de Direito", disse.
A magistrada também relatou a situação da sede do tribunal.
"O nosso prédio histórico no seu interior foi praticamente destruído, em especial o nosso plenário. Esta simbologia a mim entristeceu de uma maneira enorme, mas eu quero assegurar a todos que vamos reconstruí-lo e que no dia 1º de fevereiro daremos início ao ano Judiciário como se impõe: Poder Judiciário independente e o STF como guardião da nossa Constituição."
O STF volta aos seus trabalhos nesta quarta ainda com o prédio principal em reforma. O plenário, onde acontecem os julgamentos, foi restaurado. Porém outros setores do prédio principal, que foi destruído, ainda ficarão em reforma durante todo o semestre.
Após a invasão do prédio principal, a segurança se concentrou em proteger o subsolo do Supremo e os prédios anexos, onde ficam os gabinetes dos ministros e outros setores administrativos. Oito pessoas foram presas em flagrante na ocasião — uma delas vestida com uma das togas dos ministros.