No Brasil profissionais se sentiam pressionados pelo governo a receitar o medicamento
Com Agências
Correção: o estudo publicado na revista The Lancet foi feito com 96 mil pacientes, e não 15 mil pacientes, como estava neste texto entre as 15h13min e as 17h46min. O texto já foi corrigido.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou nesta segunda-feira (25) que suspendeu "temporariamente" os ensaios clínicos com cloroquina que realiza com parceiros em vários países, como precaução.
A decisão ocorre após a publicação de um estudo, na última sexta-feira, na revista médica The Lancet que considerou ineficaz ou até prejudicial o uso de cloroquina e seus derivados como a hidroxicloroquina no combate à covid-19, informou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, detalhando que a suspensão dos ensaios foi feita no sábado.
A OMS iniciou há mais de dois meses ensaios clínicos sobre os efeitos da cloroquina a fim de encontrar um tratamento eficaz contra a covid-19. Atualmente, "mais de 400 hospitais em 35 países recrutam ativamente pacientes – e cerca de 3.500 pacientes já foram recrutados em 17 países", explicou a autoridade máxima da OMS.
Entretanto, de acordo com o grande estudo publicado no The Lancet, realizado com quase 96 mil pacientes, nem a cloroquina nem o derivado, a hidroxicloroquina, são eficazes contra a doença em pacientes hospitalizados, e essas moléculas aumentam o risco de morte e arritmia cardíaca.
Os testes foram suspensos até que os "dados" coletados pelos testes da OMS sejam "analisados", disse Tedros.
– Esta é uma medida temporária – informou Soumya Swaminathan, chefe do departamento de ciências da OMS, antes de enfatizar a "incerteza" em torno do uso da cloroquina.
A hidroxicloroquina é um derivado da cloroquina e tem sido usada há décadas contra a malária e também é prescrita em doenças de origem autoimune, como lúpus e artrite reumatóide. O chefe da OMS lembra que esses medicamentos "são geralmente reconhecidos como seguros para pacientes afetados" por essas doenças.
Após um pequeno estudo chinês pouco detalhado que alegou a eficácia do fosfato de cloroquina no tratamento de pacientes com o Sars-CoV2, a cloroquina ganhou destaque. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confessou consumir a medicação para prevenir a covid-19.
No Brasil, na semana passada, o Ministério da Saúde incluiu cloroquina e hidroxicloroquina no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas leves de covid-19. Agora, cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância, sendo necessária também a vontade declarada do paciente, com a assinatura do Termo de Ciência e Consentimento.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta revelou na quarta-feira (20), em entrevista ao programa Edição das 16h, da GloboNews, que o governo federal planejava alterar a bula da cloroquina, por meio de um decreto a ser assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, para inclusão do tratamento contra a covid-19. Mandetta ainda afirmou que havia pressão para que o uso do medicamento fosse liberado — mesmo sem confirmações médicas em relação à eficácia contra o coronavírus.
A comunidade médica já estava se sentindo pressionada pelo governo federal a receitar o medicamento.
A pressão pelo uso do medicamento teria aumentado após a demissão de Nelson Teich do Ministério da Saúde. O ex-ministro deixou a pasta por discordar do presidente Jair Bolsonaro sobre a prescrição do remédio.
Na última segunda-feira (18) a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia já haviam recomendado que a cloroquina não fosse mais utilizada no tratamento da covid-19.
No estudo, o efeito de outros medicamentos também foram analisados.
— Nenhuma das medicações conseguiu mostrar benefícios. Há algumas que precisam ainda de mais estudo que outras — explica Alexandre Zavascki, coautor do trabalho, integrante do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— No caso da cloroquina, o que vemos é que não há nenhum benefício comprovado sobre o seu uso em paciente com covid-19, e que ela pode trazer riscos à saúde.