Pacote anticrime ‘desidratado’ passa no Senado e segue para sanção presidencial

Posted On Quinta, 12 Dezembro 2019 09:07
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Parlamentares esperam vetos em alguns pontos do texto enviado ao presidente Jair Bolsonaro

 

Com Agências

 

Por acordo, senadores não fizeram alterações no texto aprovado pela Câmara. Projeto reúne propostas de Moro e do grupo de juristas coordenado por Alexandre de Moraes, do STF.

 

"O Senado aprovou na noite desta quarta-feira (11), em votação simbólica, o pacote anticrime. O projeto contém uma série de mudanças na legislação penal propostas pelos ministros da Justiça, Sergio Moro, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que foram unificadas por um grupo de trabalho na Câmara.

 

O texto foi aprovado na semana passada pelos deputados. Enquanto a Câmara levou 10 meses para votar as propostas, o Senado concluiu a votação em menos de uma semana. O projeto foi lido e aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na terça-feira (10) e votado em plenário no dia seguinte, depois de um acordo entre líderes partidários.

 

Os senadores optaram por não fazer nenhuma mudança significativa no texto que veio da Câmara para não precisar devolver o projeto para deliberação dos deputados. Propostas que Moro esperava recuperar, como o plea bargain e o excludente de ilicitude, por exemplo, ficaram de fora do pacote final.

 

O Senado também manteve no pacote a criação do juiz de garantias. Pela regra aprovada pelo Congresso, o juiz que fiscaliza a produção de provas não é o mesmo que julga os denunciados pelo Ministério Público. Moro foi contra a inclusão deste ponto no projeto.

 

Agora, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro. O presidente pode vetar trechos do pacote aprovado pelo Congresso, mas os deputados e senadores podem derrubar os vetos se houver votos necessários.

 

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) rebateu as críticas de que o pacote de Moro foi desidratado no Congresso. “O projeto não está desidratado. Tem 80% do projeto inicial do ministro da Justiça”, disse Tebet. A senadora, que é presidente da CCJ do Senado, destacou a agilidade do Senado em aprovar o pacote. “Conseguimos aprovar em tempo recorde”, disse a senadora. Ela ainda destacou que o projeto foi à votação no plenário com o aval de Moro.  “O que reinou aqui foi o consenso”, afirmou.

 

O senador Major Olímpio (PSL-SP) defendeu a aprovação do texto que veio da Câmara, mas disse que não vai desistir de pontos importantes que foram retirados do projeto, como o plea bargain e o excludente de ilicitude. “O ótimo é inimigo do bom”, disse o senador na tribuna do Senado. “Se tentássemos resgatar pontos que são fundamentais ainda nesse projeto, poderíamos comprometer a necessária agilidade para ter em execução a grande maioria do conteúdo do pacote”, afirmou. "O momento não é de embate, é de construção", completou.

 

Olímpio disse, ainda, que o excludente de ilicitude foi mal compreendido. “Eu entendo que devemos avançar na explicação lógica do conteúdo dele, que não se trata de licença para matar, para dar salvo conduto a agentes públicos para extrapolar a lei, nada disso”, defendeu. O senador afirma que vai trabalhar para retomar a proposta no ano que vem.

 

Como foi a tramitação do projeto no Congresso

O projeto original do ministro Sergio Moro foi apresentado em fevereiro, logo após a nova legislatura do Congresso tomar posse. A proposta chegava com a chancela do ex-juiz da Lava Jato, que condenou políticos e empresários investigados por corrupção.

 

Mas o pacote enfrentou resistências logo de início, pela inclusão da criminalização do caixa 2 eleitoral. Após um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, esse trecho foi excluído do pacote e apresentado de forma avulsa – e ainda está tramitando em comissões da Câmara.

 

A concorrência com a reforma da Previdência, prioridade número 1 do governo Jair Bolsonaro, deixou o pacote anticrime em segundo plano. Maia decidiu criar um grupo de trabalho com vários deputados para debater a proposta e unificá-la com outro projeto, do ministro do STF Alexandre de Moraes, que já tramitava na Casa desde o ano passado. O colegiado tinha 90 dias para estudar o texto e propor modificações.

 

Moro chegou a demonstrar desconforto com isso e se queixou para Rodrigo Maia, o que causou atrito entre os dois. Em coletiva à imprensa, o presidente da Câmara disse que Moro era "apenas um funcionário do governo" e que o projeto dele era um "copia-e-cola" do projeto de Alexandre de Moraes.

 

Moro respondeu que, para alguns, “o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente”, mas não para o povo brasileiro, que deseja “viver em um país menos corrupto e mais seguro”. Aliados atuaram para apagar o incêndio e o ministro da Justiça recuou, entendendo que o pacote não poderia rivalizar com a Previdência e que a Câmara tinha o seu tempo.

 

O grupo de trabalho presidido pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) e relatado pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP) então realizou uma série de audiências e encontros para debater as duas propostas. No fim dos trabalhos, em outubro passado, o texto original de Moro foi desidratado e a maior parte do pacote encampou propostas apresentadas por Alexandre de Moraes.

 

Das 88 propostas de alteração na legislação, a maior parte (54 itens) foi aprovada pelo grupo, uma parte com alterações. Mais da metade das 53 propostas de Moro foi retirada do relatório final. O grupo rejeitou 28 itens propostos pelo ministro da Justiça.

 

Principais pontos

 

Legítima Defesa
Altera o Código Penal e passa a considerar a legítima defesa de agentes de segurança pública quando se "repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes". O código entende como legítima defesa, inclusive para civis, se uma pessoa usa com moderação meios necessários para se defender ou proteger uma vítima, repelindo "injusta agressão, atual ou iminente".

 

Tempo máximo de cumprimento da pena
Amplia o limite de tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade (prisão, impedimento do direito de ir e vir) de 30 para 40 anos. As penas privativas de liberdade são reclusão (crimes graves), detenção (crimes menos graves) e prisão simples (contravenções penais).

 

Homicídio com arma de uso restrito
Aumenta a pena do crime de homicídio quando o criminoso usa, na ação, arma de fogo de uso restrito ou proibido. A pena atual é de 6 a 20 anos. Pela proposta, passará para 12 a 30 anos. Atualmente, quem possui arma sem autorização, ilegalmente, está sujeito à pena de reclusão de três a seis anos e multa. O projeto também aumenta a penalidade para reclusão de quatro a 12 anos se a arma for de uso proibido.

 

 

Comércio ilegal de arma de fogo
O projeto também endurece a pena nos casos de venda ilegal de arma. A punição atual é reclusão de quatro a oito anos e multa. A proposta aumenta para seis a 12 anos e multa. De acordo com o texto, esta pena valerá também para quem entregar arma, acessório ou munição, sem autorização, para policial disfarçado.

 

Banco Nacional de Perfis Balísticos

Prevê a criação do Banco Nacional de Perfis Balísticos, para cadastrar armas de fogo e armazenar dados relacionados a projéteis a estojos de munição deflagrados por arma de fogo.

 

Cadeia de custódia
Cria um conjunto de regras da chamada cadeia de custódia (ações para manter e documentar vestígios coletados em locais onde ocorreram crimes). As regras vão disciplinar a atuação das autoridades desde a coleta de material no local do crime até o descarte.

"Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte", estabelece o texto.

 

Presos perigosos em presídios federais
Amplia o período de permanência de presos perigosos em presídios federais. A lei atual prevê prazo máximo de 360 dias. A proposta amplia o período para três anos, renováveis por mais três.

 

Presídios de segurança máxima
Estados e Distrito Federal poderão construir presídios de segurança máxima ou adaptar as instalações já existentes ao regime de segurança máxima.

 

Banco de Dados Multibiométrico e de Impressões Digitais
Cria o Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais para armazenar dados de registros biométricos, de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais federais, estaduais ou distritais.

 

'Informante do bem'
Determina que a administração pública, direta ou indireta, manterá ouvidorias para garantir que "qualquer pessoa tenha o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público".

 

Confisco alargado de bens
Nos casos com pena máxima superior a 6 anos de prisão, a Justiça poderá decretar a perda dos bens obtidos a partir do crime. O bens recolhidos serão equivalentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e o valor da sua renda.

 

Acordo de não persecução penal antes da denúncia
Pelo texto, o Ministério Público pode propor o acordo, antes da denúncia, se o investigado tiver confessado a prática do crime, desde que cometido sem violência ou grave ameaça. A infração penal deve ter pena menor que quatro anos.

 

Decisões colegiadas em casos de organização criminosa
Amplia os crimes que podem ser julgados por varas criminais colegiadas. A possibilidade de decisão colegiada já existe em lei, para o caso de crimes de organização criminosa. A nova redação prevê o uso desse recurso também no caso do crime de associação criminosa armada.

 

Prescrição da pena
Inclui uma nova hipótese em que pode ser suspensa a contagem da prescrição de penas: quando houver recursos pendentes de julgamento em tribunais superiores. A prescrição ocorre quando termina o prazo para que a Justiça promova a punição contra um acusado de crime. A prescrição varia de acordo com o delito e a pena aplicada no caso concreto.

 

Juiz das Garantias
Cria a figura do Juiz das Garantias, que passará a ser o "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais". Caberá a ele atuar na fase da investigação, decidir, por exemplo, sobre a autorização de quebra dos dados resguardados por sigilo constitucional. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determinará a sentença.

 

Defesa de agentes de segurança
O Estado deverá disponibilizar defensores aos agentes de segurança investigados por fatos relacionados à atuação em serviço.

 

Progressão de pena
A progressão do regime será feita de acordo com os percentuais de pena já cumpridos pelos condenados e com o tipo de crime cometido – os percentuais vão variar de 16% (para o condenado por crime sem violência ou grave ameaça) até 70% da pena (para o condenado reincidente por crime hediondo ou equiparado com resultado morte).

 

Crimes contra a honra
Aumenta a penas dos crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria) cometidos na internet. Nesse caso, a pena pode ser aplicada até o triplo.

Saída temporária em caso de crime hediondo com morte
O texto proíbe a saída temporária da prisão aos condenados por crime hediondo que resultaram em morte. A saída temporária é um benefício concedido a quem cumpre pena em regime semiaberto, em datas específicas.

 

Delação premiada
Muda regras sobre delação premiada. Pelo texto, há a obrigação de o colaborador narrar apenas os atos ilícitos relacionados diretamente com os fatos investigados.

O texto prevê que nenhuma medida cautelar ou recebimento de denúncia poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator.

Determina também que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração tiver sido apresentada sem que as autoridades responsáveis pela investigação criminal tivessem conhecimento prévio da infração.

Estabelece ainda que o acordo e os depoimentos do delator serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime. E estabelece que, se o acordo de colaboração não for confirmado, o celebrante (o MP ou polícia) não poderá utilizar as informações ou provas apresentadas para qualquer outra finalidade.

 

Tribunal do Júri
Recurso apresentado contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

 

Como foi a sessão
Durante a votação, vários senadores se manifestaram sobre a proposta. Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), disse que a proposta aprovada preserva 80% do projeto anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro.