Por Flávia Said - Congresso em foco
Como já apontado após a parcial do primeiro turno, o resultado das urnas este ano indica o fortalecimento dos partidos do chamado Centrão, além de uma derrota expressiva da extrema-direita, liderada pelo PSL, e uma esquerda ainda dividida. Como consequência, vislumbra-se terreno fértil para a centro-direita nas eleições gerais de 2022, na avaliação de cientistas políticos do Farol Político, unidade de inteligência do Congresso em Foco.
Para o analista Ricardo de João Braga, esses partidos mostraram em 2020 que sobreviveram ao “chacoalhão” de 2018 e voltaram a assumir um papel de importância. “Mas isso não quer dizer que eles vão ter protagonismo”, pondera. “Eles se reposicionam para serem um grande aliado, um grande apoiador de campanhas.”
Na mesma linha, o cientista político André Rehbein Sathler avalia que há um viés favorável para a centro-direita, que soube se planejar e se posicionar. Ele também observa que essas siglas têm dificuldade de encontrar um nome viável, que seja carismático e forte o suficiente para disputar a presidência da República. “Falta a eles um nome”, sintetiza.
Vencedores e perdedores
Três siglas saíram vencedoras do pleito municipal – PP, PSD e DEM. O crescimento expressivo observado pelas três em relação a 2016 as coloca no top cinco das legendas que alcançaram os maiores números de prefeituras. Para o cientista político André Sathler, o resultado positivo desses partidos mostra movimentos estratégicos de longo prazo.
“O sucesso não é por acaso. Eles tiveram estratégia e se reposicionaram e, lógico, o momento contribuiu, mas eles estavam prontos para aproveitá-lo”, avalia o cientista político. Ele vislumbra que as lideranças partidárias das três siglas agiram de modo estratégico.
No caso do DEM, destaque entre os vencedores, a estratégia vem desde 2007, quando a sigla mudou o nome de PFL para Democratas. Na atual legislatura, o partido alcançou maior projeção ao conquistar as presidências da Câmara e do Senado com Rodrigo Maia (RJ) e Davi Alcolumbre (AP), respectivamente.
Também tiveram crescimentos, em proporções menores, o PL, que irá contar com 345 prefeitos, ante 294 do pleito anterior; e o Republicanos, que dobrou de tamanho em relação ao pleito anterior (de 103 para 211 prefeitos eleitos).
“O maior vencedor é também um dos grandes perdedores”, avalia André citando o MDB, que continua sendo líder em número de prefeituras, mas que perdeu espaço significativo. O partido passou de 1.035 prefeituras conquistadas em 2016 para 784 em 2020. Pela primeira vez desde a redemocratização, a sigla passará a comandar menos de mil prefeituras.
Para André, o resultado indica que o partido está perdendo capilaridade, o que pode afetar sua força nas eleições nacionais. Ele lembra que em 2018 a bancada do MDB no Congresso já teve redução expressiva. “Há uma relação entre as bancadas municipais e as bancadas de parlamentares, porque no local se articula muita mobilização. Então, essa relação acontece”, esclarece.
Também no campo da centro-direita, o PSDB perdeu prefeituras e reduziu de 785 prefeitos eleitos para 520. No outro espectro, o PT, que já vinha encolhendo desde a eleição anterior, viu a quantidade de eleitos passar de 254 para 183. Na avaliação de André, o resultado das duas siglas representa duas faces da mesma moeda.
“É o esgotamento da polarização, porque a polarização entre os dois, durante muito tempo, cansou. Nesse sentido, o eleitor ainda está ressentido”, explica. Para Ricardo de João Braga, os resultados do PT e PSDB indicam que protagonistas da polarização vão estar mais fracos em 2022, o que reforça a tese de surgimento de um nome mais moderado da centro-direita.
Com boa parte dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro derrotados, os analistas avaliam que houve uma derrota do bolsonarismo, mas consideram que parte do fenômeno que elegeu Bolsonaro presidente em 2018 ainda está presente e se reflete exatamente na derrocada do PSDB e do PT. “O antipetismo está forte ainda”, pondera André.
Esquerda fragmentada
Outro caminho apontado pelo pleito municipal é de que a esquerda continua fragmentada. Em alguns estados, houve tentativa de composição entre PSB e PDT, mas que não rendeu os resultados esperados. As duas legendas elegeram menos candidatos este ano do que em 2016.
“Eles fizeram um ensaio que pode significar alguma coisa para as próximas eleições”, avalia André. “Apesar de os números não serem expressivos em termos de resultados, eles conseguiram mandar um sinal”, afirma ele, citando o caso do Recife. Na capital pernambucana, o PDT apoiou João Campos, do PSB, que acabou derrotando Marília Arraes, do PT.
Em um exercício de antecipação, é possível vislumbrar duas frentes pela esquerda emergindo para 2022: uma formada por PSB, PDT, Rede e outra com PT, Psol e PCdoB. Os analistas lembram que a cláusula de barreira incentiva os partidos a lançarem candidatos próprios em primeiro turno, a fim de fortalecer as chapas para a Câmara dos Deputados. A dispersão pode acabar por fortalecer o campo da centro-direita e a esquerda tem chances de ficar alijada do segundo turno.
André Sathler avalia que as disputas entre partidos de esquerda em 2020 deixaram cicatrizes que dificultam ainda mais uma composição ampla em 2022. Além disso, Ricardo de João Braga observa que a estratégia do PT de caminhar sozinho no pleito municipal e defender a inocência do ex-presidente Lula tanto o enfraqueceu quanto o isolou.
A manutenção da fragmentação da esquerda pode deixá-la de fora da rodada final em 2022, a colocando na posição de fiel da balança. Um movimento semelhante ocorre na disputa pela presidência da Câmara para os próximos dois anos. Com uma bancada de cerca de 130 deputados, a esquerda não é forte o suficiente para assumir o protagonismo da disputa, mas também não é fraca a ponto de ficar de fora do processo. Antagonizando com o grupo bolsonarista, Rodrigo Maia busca atrair os partidos de esquerda para garantir a vitória de seu sucessor.
Caminhos para 2022
Apesar da dificuldade em se encontrar interfaces entre a eleição municipal e a nacional, Ricardo de João Braga pontua que 2022 tende a não repetir a discussão ideológica que ocorreu em 2018. “Esse elemento ideológico se esvaziou”, avalia. Ele cita a dificuldade de se avançar com a agenda de costumes no Congresso e o esgotamento da pauta anticorrupção, este último influenciado pela saída de Sergio Moro do governo e pelas acusações de corrupção que pairam sobre a família do presidente.
Ricardo também pontua que o próximo pleito deve ser marcado pela retomada de elementos tradicionais das eleições gerais, como discussões sobre economia, emprego e renda, diferentemente de 2018, uma eleição fora da curva. Ele também avalia que a TV pode voltar a ter um peso preponderante, bem como os palanques estaduais.
Por sua vez, André Sathler avalia que é preciso aguardar como a economia vai reagir em 2021, após um ano pandêmico em que o governo pôde fazer gastos extras fora do orçamento para enfrentar a pandemia. Vai ser o maior desafio de Bolsonaro, que dá sinais de que pode furar o teto de gastos para alavancar a economia, estima.