Da redação
Veja
…E não era bolha
Na primeira vez em que Jair Bolsonaro bateu nos 8% de intenções de voto, ombreando com veteranos como o tucano Geraldo Alckmin e o pedetista Ciro Gomes, a maioria dos analistas disse que sua candidatura à Presidência da República não passava de uma bolha que o vento se encarregaria de levar. Quando o ex- capitão do Exército chegou aos dois dígitos, os mesmos analistas armaram que ele havia batido no teto e, daí em diante, a gravidade se encarregaria de colocá-lo em seu devido lugar. Na última semana, no entanto, Bolsonaro — que oficializou sua candidatura pelo PSL sem vice, sem coligação e sem dinheiro — mostrou que, contrariando vaticínios, desejos e esconjuros, continua de pé, e crescendo. A pesquisa realizada pela Ideia Big Data, encomendada por VEJA, revela que
Bolsonaro está se consolidando como líder no primeiro turno — na hipótese eleitoral mais provável, em que o ex-presidente Lula não concorre — e é, nesse mesmo cenário, o candidato com mais chances de chegar ao segundo turno.
EUA x China
O Império do Meio X o Império do Norte
China disputa a hegemonia em todos os campos, mas Trump não quer lições históricas, muito menos entregar a taça do mundo de mão beijada ao adversário.
Em toda a Terra, e até fora dela, China e Estados Unidos competem para decidir se a primeira tomará da segunda o título, além dos louros e os ouros, de superpotência hegemônica. É uma disputa em que, como nos campeonatos esportivos, o segundo lugar equivale a perda total, sem valor algum. O motivo é que a potência única tem uma constelação de vantagens incomparáveis: a primazia econômica; a projeção de poder em terra, mar, ar e espaço; as tecnologias mais avançadas e inovadoras, sem distinção de uso bélico ou civil; o domínio sobre o fluxo das matrizes energéticas que movem tudo isso; e a moeda-padrão do mundo que paga a conta. Sem contar o conjunto de conceitos criativos, artísticos, comportamentais e ideológicos que constituem o coração do soft power, o poder cultural tão importante quanto o representado por todos os elementos anteriores, que faz com que milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo chineses, ambicionem morar em Nova York, e não em Xangai.
Golpe nas mentiras
O Facebook tira do ar centenas de páginas ligadas ao MBL, grupo de direita que espalha fake news, mas os critérios seguem pouco transparentes.
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Época
O homem de Xiririca
Por volta das 11 horas de uma manhã de junho, a estrada esburacada que leva a Eldorado, no Vale do Ribeira, em São Paulo, estava vazia. Com 15 mil habitantes, a 245 quilômetros de São Paulo, a cidade se resume a uma montanha a beira-rio, cujo topo é preenchido pela típica igreja em frente à praça com nome de santa. Fundada na segunda metade do século XVIII, foi chamada primeiramente de Xiririca — uma onomatopeia guarani que imita o barulho de água corrente. O nome de batismo foi alterado para Eldorado em 1948, em referência ao ciclo do ouro, que também inspirou os municípios vizinhos de Sete Barras, onde sete barras de ouro foram retiradas da terra, e Registro, onde o ouro era registrado. Não há quem não conheça Bolsonaro por ali.
Quarto maior município paulista em extensão territorial, segundo maior índice de mortalidade infantil no estado e com 40% de seus moradores com renda abaixo de dois salários mínimos, Eldorado parece ter parado no tempo, com indicadores que contradizem o próprio nome. Os homens trabalham fora, as mulheres cuidam da casa, e a diversão se limita a comer, beber, pescar e dar voltas em torno da praça. Não fosse a Caverna do Diabo, que, com 6,5 quilômetros de extensão, é a maior do estado, nenhum turista teria motivo para aparecer na cidade.
As construções antigas em ruas largas e empoeiradas são as mesmas do tempo em que o dentista prático Percy Geraldo Bolsonaro chegou de Glicério, município do noroeste paulista, com a mulher e seis filhos — o sétimo morrera pouco depois de nascer prematuro. Terceiro dos seis irmãos (Angelo, Maria Denise, Jair, Solange, Renato e Vânia), Bolsonaro, nascido em Campinas, viveu em Eldorado até os 18 anos. Saiu de lá para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Só costuma voltar à cidade em que foi criado em datas festivas, para ver a família e alguns colegas com quem passou a infância e a adolescência nas escolas estaduais Professora Maria Aparecida Viana Muniz e Doutor Jayme Almeida Paiva.
Estão em Eldorado-Xiririca os anos de formação do político que assombra grande parte do país, enquanto arrola número significativo de simpatizantes. Candidato a presidente pelo nanico PSL, Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, atinge 20% das intenções de voto, postando-se como nome forte na sucessão. Com 30 anos de atuação político-parlamentar e passagem por sete partidos, Bolsonaro cultivou a polêmica para destacar-se. Entrou na política depois de ser acusado de liderar um plano para colocar bombas em quartéis como forma de pressionar a União por aumentos salariais para a tropa. Usou a fama repentina para tornar-se a voz dos militares, primeiro como vereador e depois como deputado federal.
Em 1993, mesmo no Parlamento defendia a ditadura e o fechamento temporário do Congresso Nacional. Alegava o deputado que a existência de muitas leis atrapalhava o exercício do poder e que, “num regime de exceção, o chefe, que não precisa ser um militar, pega uma caneta e risca a lei que está atrapalhando”. No ano seguinte, disse preferir “sobreviver no regime militar a morrer na democracia”. Afirmou que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente”, incluindo na lista o então presidente Fernando Henrique Cardoso.
No início de 2000, Bolsonaro defendeu a pena de morte para qualquer crime premeditado e a tortura em casos de tráfico de drogas, afirmando que “um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem de ser colocado no pau de arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso”. Para sequestradores, indicava: “O cara tem de ser arrebentado para abrir o bico”. Atacou homossexuais, dizendo não admitir “abrir a porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com beijo na boca, e meu filho assistindo a isso”. Reclamou dos que têm pouco dinheiro: “Pobre não sabe fazer nada”.
Deputado federal em sétimo mandato, fez discursos no plenário em que qualificava adversários como “canalha”, “patife”, “imoral”, “terrorista” e “delator”. Cunhou cartazes debochados quando da discussão legislativa sobre desarmamento — “Entregue suas armas: os vagabundos agradecem” — e desaparecidos políticos — “Araguaia: quem procura osso é cachorro”.
Ria com prazer ao ver seu nome associado à violação dos direitos humanos. Abertamente já defendeu a pena de morte, a prisão perpétua, o regime de trabalhos forçados para condenados, a redução da maioridade para 16 anos e um rígido controle da natalidade como maneira eficaz de combate à miséria e à violência.
Debochou das acusações de nepotismo quando empregou parentes em seu gabinete e procura transferir prestígio para os filhos na política — Flávio, de 37 anos, é deputado estadual fluminense e candidato ao Senado; Eduardo, de 34, é deputado federal por São Paulo; Carlos, de 32, é vereador no Rio de Janeiro. Bolsonaro se refere aos filhos como 01, 02 e 03, na ordem crescente de idade.
Seu passado antes da carreira política estridente segue nebuloso. Em busca dele, ÉPOCA investigou por dois meses as origens dos Bolsonaros, flor emergente de Eldorado-Xiririca.
No fim da estrada de acesso à cidade, num posto de combustíveis, o frentista estudou com Jair Bolsonaro. “Ele era goleiro”, contou Tirço. “Ruim de bola.” Da turma, só o presidenciável ficou famoso. Os outros tornaram-se frentistas, secretárias, agricultores e donas de casa. Narcisa dos Santos, de 63 anos, mesma idade de Bolsonaro, rememorou o tempo em que o presidenciável, ainda menino, corria nu pela praça da cidade, irritado com as irmãs. “De mim ele apanhava”, disse ela. Já naquele tempo, Bolsonaro tinha uma metralhadora na língua. “Batia nele quando me chamava de gorda, baleia, saco de areia”, contou Narcisa. “Ele saía louco correndo sem calça na praça.”
O negócio do hoje presidenciável era estudar e pescar, lembrou outro colega de escola, Celso Leite. “Era quietão”, disse. “Mas já falava que ia ser presidente do Brasil, porque naquele tempo os presidentes eram militares.” Quando soldados baixaram em Eldorado à procura do guerrilheiro Carlos Lamarca, no início dos anos 1970, Bolsonaro passou a admirar o Exército — até hoje se orgulha de ter ajudado a guiar os militares pelas matas que conhecia desde criança na caça ao comunista Lamarca.
O Rio Ribeira do Iguape continua limpo, e a pacata Eldorado um deserto no horário de almoço. No cemitério, um mausoléu simples em granito, sem qualquer imagem de santo, nem cruz, nem flor, constitui a homenagem feita pela família Bolsonaro ao patriarca, Percy, morto em 1995. Antes de perder o pai, lembrou Gilmar Alves, Bolsonaro também quis aproveitar o ouro de Eldorado. Durante a juventude, o deputado chegou a investir em equipamentos para explorar o garimpo de ouro no Vale do Ribeira — ele já declarou ter garimpado ouro na Bahia. O tesouro que encontrou, no entanto, parece ter sido outro.
Atualmente, a família Bolsonaro controla um pequeno império no comércio de eletrodomésticos, sapatos e materiais para construção em parte do Vale do Ribeira. Um levantamento feito por ÉPOCA na Junta Comercial de São Paulo mostra ao menos 19 empresas registradas em oito municípios: Eldorado, Miracatu, Jacupiranga, Apiaí, Juquiá, Iguape, Pariquera-Açu e Barra do Turvo. As empresas estão registradas em nome dos irmãos Renato Antonio Bolsonaro e Angelo Guido Bonturi Bolsonaro, da mãe, Olinda Bonturi Bolsonaro, e dos sobrinhos Vitória Leite Bolsonaro, Angelo Guido Bolsonaro, Orestes Campos Bolsonaro e Osvaldo Campos Bolsonaro.
Somando-se o número de filiais espalhadas por um total de 13 municípios, a família Bolsonaro tem pelo menos 30 lojas no Vale do Ribeira.
Bolsonaro deixou Eldorado na metade dos anos 1970, ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, depois na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e chegou a Brasília, como deputado federal, em 1991. Foi lá, na Quadra 103 Norte, que conheceu a segunda ex-mulher, Ana Cristina Valle. Ambos se apaixonaram enquanto eram casados — ele com Rogéria Nantes Nunes Braga, a mãe de seus três filhos; ela com um coronel da reserva do Exército.
O relacionamento começou a desmoronar quando Ana Cristina comprou um apartamento em um hotel na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, supostamente com o dinheiro de Bolsonaro sem que ele soubesse, segundo contou um assessor próximo da família. “É claro que ele sabia”, disse ela. “Comprei com o dinheiro de uma conta conjunta.” Ela se comprometeu a mostrar a matrícula do imóvel, mas nunca o fez. Uma busca em cartórios de registro de imóveis revela que, nos últimos 35 anos, nenhum apartamento no endereço mencionado foi inscrito no nome de Jair Bolsonaro.
Quando o casal se separou, em 2008 — algo que “foi muito doído e ainda é”, segundo ela —, Ana Cristina levou o filho, Jair Renan, para a Noruega, onde viveu por cinco anos. Bolsonaro entrou na Justiça para reaver a guarda do menino. “Ele não permitiu a ida do meu filho para a Noruega, seria bom para ele”, contou a ex-mulher. De volta ao Brasil, ela se prepara para concorrer, a convite do senador Romário, a uma vaga de deputada federal em outubro, pelo Podemos. O nome nas urnas será Cris Bolsonaro.
O assessor também contou que, ao contrário dos três irmãos e da mãe, Jair Renan ainda não mostrou disposição para a política. Isso, de certa maneira, intriga o pai. Mais ainda depois que percebeu que o filho, enquanto morava com o presidenciável na Barra da Tijuca, vinha frequentando a Pedra do Arpoador. “Fazer o que no Arpoador?”, questionou o assessor, logo acrescentando: “Fumar”. Por esse motivo, Bolsonaro teria mandado o filho para morar com a mãe em Resende.
Bolsonaro também não quis que o nome do filho fosse escolhido pela mãe. “Eu queria só Renan”, conta Ana Cristina. “Fui lá e botei Renan. Ele voltou e modificou”. Típico mandachuva de Xiririca.
ISTOÉ
A vez de Alckmin
O candidato tucano ao Planalto promoveu uma virada no tabuleiro eleitoral ao unir dez partidos em torno da sua candidatura, criando as condições políticas para, finalmente, decolar. Se, de fato, essa portentosa aliança resultará em votos, só o tempo dirá.
Caciques do PSDB, Geraldo Alkimin, Aécio Neves e João Dória
Depois de passar meses estacionado nas pesquisas, sendo ferozmente criticado até por seus aliados por “jogar parado”, ou seja, não se mover no sentido de firmar alianças para compor um palanque robusto, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), enfim, saiu da inércia e fez o movimento mais arrojado até agora na conturbada e imprevisível eleição presidencial de 2018. Celebrou, na quinta-feira 26, um amplo e avassalador arco de apoios partidários, a partir da união de dez legendas, incluindo as quatro do chamado “Centrão” (DEM, PP, PR e Solidariedade), que se somarão ao PSD, PTB, PRB, PPS e PV, siglas com as quais o PSDB já estava coligado. Com esse verdadeiro exército marchando a seu favor, o tucano passará a dispor de quase 6 minutos de tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV (os principais adversários terão menos de 30 segundos cada) e terá ao seu lado quase 300 deputados e a metade dos prefeitos brasileiros. Mais: a colossal aliança vai render ao candidato R$ 852,8 milhões de fundo partidário. Para quem até bem pouco tempo era dado como natimorto, pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que Alckmin vive o mais alvissareiro momento desde que oficializou seu nome na corrida presidencial.