O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), derrubou autuações da Receita Federal que miraram contratos firmados entre a TV Globo e artistas no regime PJ (pessoa jurídica).
POR MARCELO ROCHA
Na avaliação de Moraes, os débitos tributários lançados pelo Fisco após auditores concluírem pela irregularidade nessa relação contratual ferem precedentes do tribunal, que admite a possibilidade da "constituição de vínculos [com prestadores de serviço] distintos da relação de emprego".
"Deve prevalecer o entendimento reiterado desta corte no tocante à possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos", afirmou o ministro. O processo tramita sob segredo de Justiça.
A Globo afirmou que não se manifestaria sobre casos "sub judice". Nos autos, a empresa argumentou que as autuações fiscais alvos da controvérsia "desafiam a autoridade de decisões" do Supremo.
A ação sob a relatoria de Moraes aborda situações como a dos artistas Tony Ramos, Marcos Palmeira e Mateus Solano, dos diretores Denise Saraceni e Mauro Mendonça Filho, além da jornalista e apresentadora Renata Lo Prete.
A Receita questiona a opção da Globo pela "pejotização" no lugar do vínculo sob a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Na modalidade pessoa jurídica, a empresa que tem o artista como sócio é contratada para a efetivação dos pagamentos devidos a ele, que não os recebe em seu nome.
As autoridades fiscais entendem que os contratos PJ para a prestação de serviços na área artística (atores, diretores de programas, apresentadores etc.) são atos simulados para esconder suposto vínculo de emprego e, portanto, fica configurada a prática de sonegação de tributos.
"Verificado que a relação com os sócios pessoas físicas se reveste dos elementos caracterizadores de uma relação empregatícia, é possível à autoridade fiscal exercer o seu poder/dever de desconsiderar atos dissimulados com a finalidade de exigir as contribuições devidas", afirmam.
Uma pessoa com renda mais alta recolhe 27,5% de Imposto de Renda se tiver carteira assinada. Como pessoa jurídica, paga entre 4% e 15%, segundo regimes de tributação usados por micro, pequenas e médias empresas.
Os advogados da Globo argumentaram nos autos que as autuações do Fisco desconsideram que o STF decidiu pela "licitude de diferentes formas de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente de seu objeto social, como consectário da liberdade na definição de estratégias produtivas", à luz de princípios como a da livre iniciativa e a da liberdade contratual.
"No presente caso, tal liberdade de contratação se avulta pelo fato de as autuações do Fisco dizerem respeito a contratos firmados com pessoas jurídicas constituídas por profissionais de renome, hipersuficientes e sem qualquer vulnerabilidade", argumentam.
No final de 2023, os ministros da 1ª Turma do STF acompanharam voto do ministro Cristiano Zanin e já haviam derrubado autuações da Receita relacionadas a contratos da Globo com artistas formalizados na modalidade pessoa jurídica.
Ainda no ano passado, a ministra Cármen Lúcia cassou uma decisão da Justiça do Trabalho que havia reconhecido o vínculo de emprego entre um diretor de programas e o SBT.
O diretor acionou a Justiça pelo reconhecimento de sua condição de empregado. O contrato entre ele e a empresa foi assinado por meio de uma pessoa jurídica da qual era sócio. A pretensão foi acolhida nas primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho em São Paulo.
No STF, o SBT argumentou que o reconhecimento do vínculo violou o entendimento da corte, que validou formas alternativas de trabalho diversas da relação de emprego.
Cármen Lúcia observou que o entendimento da Justiça do Trabalho contrariou vários precedentes do STF, incluindo o que considerou regular a contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços na atividade-fim da contratante.