Agentes falam em desmonte dos serviços públicos e tratamento desigual quando comparado ao dos militares
Delegados da PF do Rio pressionam governo após PEC Emergencial e ameaçam entregar cargos de chefia
Por João Paulo Saconi e Aguirre Talento
O congelamento de reajustes salariais de servidores públicos pela promulgação da chamada “PEC Emergencial”, na última segunda-feira, provocou um clima de revolta dentro da Polícia Federal (PF) e gerou movimentação intensa de protestos nos bastidores da corporação. Delegados da PF que ocupam cargos de chefia já articulam pedidos de demissão coletiva até a próxima semana, caso não haja mobilização do governo federal e do Congresso Nacional para atenuar os efeitos da proposta de emenda à Constituição para a categoria.
A medida pode impedir aumentos por até 15 anos, caso as despesas obrigatórias da União cheguem ao patamar estipulado no texto promulgado, que também permite o retorno do auxílio emergencial por mais quatro meses.
O movimento de entrega de cargos está em discussão avançada na Superintendência da PF do Rio, mas também pode ser replicado em outros estados. Há ainda protestos marcados pelo país por entidades policiais, que devem ter a participação de integrantes da PF. O primeiro aconteceu nesta quarta-feira, com uma carreata pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Os atos surgiram a partir da indiginação dos delegados da base da categoria, mas a possibilidade de entrega dos cargos ainda não possui aval das entidades de classe. Procurada pelo GLOBO, a representação fluminense da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) informou que eventuais desdobramentos a partir da insatisfação com a “PEC Emergencial” ainda estão sendo estudados por seus diretores.
Da mesma maneira que a ADPF, outras organizações, como a União dos Policias do Brasil (UPB), estão se articulando contra a PEC. O ato de hoje em Brasília foi organizado pela UPB, junto da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ); Há outro protesto marcado para a semana que vem, desta vez em unidades policiais de diferentes localidades.
Assim como outros servidores da área de Segurança Pública, os delegados têm se mobilizado desde o início do mês para que um eventual congelamento de reajustes, previsto na PEC, não os inclua. A versão original da “PEC Emergencial” incluía, além da suspensão de ajustes, uma proibição da progressão de carreira dos servidores. O trecho foi suprimido após a votação de um destaque na Câmara, após pressão das forças de segurança e militares.
De acordo com os delegados, a iniciativa é “desrespeitosa” e não considera o trabalho das polícias durante a crise sanitária e econômica da Covid-19. Esses argumentos constam em nota divulgada pela representação nacional da ADPF na semana passada.
“A segurança pública não parou e está na linha de frente contra a pandemia, portanto, não pode ser tratada dessa forma desrespeitosa pelo governo federal”, diz o ofício enviado pela ADPF a superintendentes da corporação, que receberam pedidos de delegados para que sejam “porta-vozes” da indignação junto ao diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza.
O presidente da ADPF, Edvandir Paiva, já afirmou publicamente que o presidente Jair Bolsonaro teria prometido, em uma reunião no dia 7, que as forças de segurança não estariam incluídas na PEC. No entanto, o texto votado na Câmara, no dia 10, repetiu o teor do aprovado no Senado, no dia 3, no que tange a suspensão de ajustes. A relatoria do projeto, apoiado pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, foi do senador Marcio Bittar (MDB-AC) e do deputado Daniel Freitas (PSL-SC).
Defendida também por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, a proposta de emenda à Constituição cria “gatilhos” para obrigar a União, os estados e municípios a ajustarem suas despesas. Na esfera federal, a intenção é proibir novos débitos, incluindo reajustes, quando a despesa obrigatória ultrapassar 95% do total gerenciado através da formulação da Lei Orçamentária Anual (LOA).
Na prática, servidores podem permanecer sem aumento de salário até 2036, quando se encerra a emenda constitucional do teto de gastos, promulgada em 2016, durante a gestão do então Michel Temer (MDB).