O diretor-geral da Polícia Federal Márcio Nunes De Oliveira encaminhou ofício ao Supremo Tribunal Federal afirmando que recentes trocas em diretorias sensíveis da corporação e em superintendências regionais caráter intrinsecamente administrativo e gerencial, sem interferir nas atividades de Polícia Judiciária da União.
Com Estadão Conteúdo
O amigo do ministro da Justiça Anderson Torres alega que as substituições são legítimas e desejadas, em razão de as funções possuírem caráter de planejamento, coordenação e avaliação da execução das atividades.
O quinto delegado nomeado para a chefia da PF durante o governo Jair Bolsonaro diz que as mudanças por ele realizadas resultam de processo natural de composição da gestão da Direção-Geral da corporação. Márcio Nunes sustentou que não há qualquer irregularidade nas trocas de comando e alegou que as substituições não causam qualquer prejuízo à continuidade das atividades da corporação.
As informações foram prestadas à corte máxima em resposta a um despacho dado no início do mês pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura suposta tentativa de interferência política de Bolsonaro na PF. O ministro havia determinado que o chefe da corporação se manifestasse sobre as trocas promovidas em diretorias estratégicas desde que ele assumiu o cargo em fevereiro.
Márcio Nunes foi alçado à chefia da PF em uma decisão que foi considerada inesperada pela classe, pois não havia rumores de mudança no cargo. Na época, entidades que representam diferentes categorias dentro da corporação chegaram a reconhecer o currículo do diretor-geral, mas frisaram como as trocas no comando da instituição geram consequências administrativas e de gestão, que podem prejudicar a celeridade e a continuidade do trabalho dos policiais.
A ordem para Márcio Nunes explicar as trocas por ele promovidas na corporação foi expedida por Alexandre de Moraes após o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), entrar com uma representação para proibir o diretor-geral de mudar delegados responsáveis por áreas estratégicas até a conclusão dos inquéritos já iniciados contra autoridades com foro privilegiado. Algumas destas apurações são sensíveis ao Palácio do Planalto, chegando a atingir inclusive o presidente Jair Bolsonaro.
Randolfe queria blindar a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), que abriga sobre o seu guarda-chuva dois setores sensíveis da corporação: o que cuida de inquéritos contra políticos e autoridades e o que investiga casos de corrupção. No ofício endereçado a Alexandre de Moraes nesta sexta-feira, 22, Márcio Nunes rebateu as alegações de Randolfe, dizendo que as acusações não se sustentam e são baseadas em meras ilações sem qualquer fundamento ou comprovação.
Para defender as mudanças que realizou ao assumir a chefia da PF, Márcio Nunes numerou trocas promovidas por seus antecessores, alegando que as substituições que ele fez - três em diretorias e três em superintendências regionais, por hora - estão dentro da margem de mudanças das gestões anteriores.
Segundo quadro elaborado pelo DG, o delegado Paulo Maiurino, seu antecessor direto, promoveu sete trocas de diretores e onze de superintendentes regionais. á Rolando Alexandre, segundo chefe da PF no governo Bolsonaro, mudou sete diretores e cinco superintendentes. Por fim, o delegado Maurício Valeixo, pivô de crises entre o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e o presidente, efetuou cinco trocas em diretorias e cinco em superintendências regionais.
Além disso, Márcio Nunes citou mudanças específicas, defendendo-as individualmente, como a nomeação do delegado Caio Pellim, que chefiava a Superintendência da Polícia Federal no Ceará desde junho de 2021, para a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor), então titularizada por Luis Flavio Zampronha de Oliveira, delegado conhecido por liderar as investigações do Mensalão do PT. O argumento apresentado pelo DG foi o de que Pellim atendeu aos requisitos uma vez que conta com mais de 18 anos de experiência como delegado, além de ser integrante há mais de uma década da classe especial e ter assumido cargos de chefia.
O Diretor-Geral da PF sustenta ainda que os atos de nomeação e exoneração de Diretores e Superintendentes Regionais são discricionários, reagindo ao pedido de Randolfe para blindar a DICOR e a DIP. Márcio Nunes sustenta que titulares de cargos comissionados são pessoas de absoluta confiança das autoridades superiores, constituindo os canais de transmissão das diretrizes para a execução administrativa.
"É absolutamente natural, e por que não dizer desejável, ante o princípio republicano da temporariedade, que sejam trocados os titulares de cargos em comissão, permitindo que o dirigente máximo possa contar com pessoas de sua confiança durante sua gestão, comprometidas com o seu projeto de gestão. Historicamente, sempre houve alternância no comando de unidades centrais e descentralizadas, o que é legítimo e benéfico à administração do Órgão", diz o DG em trecho do documento.
O decreto é inconstitucional, mas, enquanto a sociedade discute os aspectos jurídicos, o presidente ganha espaço
Por Ricardo Rangel
Mais uma vez Jair Bolsonaro aponta para a lua, e mais uma vez a sociedade se perde discutindo o dedo.
Estamos engajados em uma discussão jurídica que pouco interessa. É claro que o decreto representa desvio de finalidade, claro que é inconstitucional, e claro que, mesmo que não fosse, não suspenderia a inelegibilidade do deputado criminoso. E é claro que é crime de responsabilidade — em um país verdadeiramente democrático, o pedido de impeachment de Bolsonaro já estaria tramitando.
Mas nada disso é especialmente importante — ainda que o absurdo da vez seja mais absurdo do que os anteriores, o crescendo é mais do mesmo, e o próximo absurdo deve ser ainda mais absurdo.
O que é importante é que, mais uma vez, o capitão conseguiu ditar a pauta: estamos todos discutindo Jair Bolsonaro e seu decreto — impressionante, por sinal, a quantidade de supostos democratas fazendo ressalvas à condenação de quem incitou a destruição da democracia — e multiplicando o volume de notícias, verdadeiras ou fake, sobre o presidente.
Mais uma vez, seja qual for o resultado da briga com o STF, Bolsonaro já venceu essa batalha.
Se o Supremo derrubar seu decreto absurdo, Bolsonaro posará de coitadinho, de vítima de uma suposta “ditadura do Judiciário”, de paladino solitário na luta pela liberdade de expressão blá-blá-blá. E incendiará as redes com isso.
A resposta do STF deverá ser nos autos do processo de Daniel Silveira ou nos das ações que foram apresentadas ao Supremo
Por Guilherme Amado
Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, presidente e vice-presidente do STF, conversaram e decidiram que não falarão publicamente sobre o indulto concedido por Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira. O pacto de silêncio também deve ser seguido pelos demais ministros.
A resposta do STF, agora, avaliaram os ministros, deverá ser nos autos do processo de Silveira ou nos das ações que foram apresentadas ao Supremo, como a ação de descumprimento de preceito fundamental que Randolfe Rodrigues propôs na manhã desta sexta-feira.
Qualquer um dos 11 ministros poderá ser sorteado relator desta ação, e a expectativa é que o designado não tome nenhuma decisão agora, e leve a plenário o tema.
Na avaliação dos ministros, Bolsonaro gostaria que o decreto fosse suspenso e sua guerra contra o Supremo ficasse ainda mais quente. Os ministros não estão dispostos a fazer esse jogo.
A ministra Rosa Weber, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, foi sorteada relatora das ações da oposição que visam derrubar o perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado aliado Daniel Silveira (PTB-RJ) - condenado a oito anos e nove meses de prisão por atacar ministros da Corte, as instituições e a democracia. A magistrada vai analisar processos movidos pela Rede, PDT e Cidadania, além de uma reclamação movida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Com Yahoo Noticias
Rosa Weber será responsável pelas primeiras providências aos pedidos da oposição, podendo decidir sozinha sobre o caso, ou levá-lo diretamente para julgamento em plenário. Antes disso, porém, é esperado que ela cobre pareceres da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU), como é de praxe em casos que tratam de atos do governo.
Há ainda pedidos da oposição que foram protocolados no âmbito da ação penal em que Silveira é réu. Além de ingressarem com processos à parte para questionar a graça concedida por Bolsonaro, o partido Rede e o senador Renan Calheiros impugnaram o ato do presidente da República dentro dos autos que estão sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
No julgamento de Silveira nesta quarta-feira, 20, a ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator, Alexandre de Moraes, ponderando que, no caso, não havia de se falar em 'perseguição por delito de opinião'. Segundo a vice-presidente do Supremo, quando o deputado atacou a própria existência da corte máxima, enquanto instituição, ele se expôs, 'como efeito imediato dos mecanismos de autodefesa da democracia', à censura penal do Estado.
"Não está em jogo aqui, em absoluto, a simples proteção dos juízes desta Casa, enquanto integrantes transitórios da Corte, mas sim a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, cuja existência é posta em risco quando se busca, mediante o uso da palavra, minar a independência do Poder Judiciário e mais do que isso, a própria independência de instituição", frisou.
A ofensiva da oposição contra a graça de Bolsonaro foi aberta na manhã desta sexta-feira, 22, em ação protocolada pela Rede. O partido alega que o direito do presidente de conceder o perdão não pode ser desvirtuado para fins pessoais. Nessa linha, o pedido é para que o decreto de Bolsonaro seja derrubado, ou pelo menos, que seja mantida a inelegibilidade imposta a Silveira.
Em seguida, o PDT e o Cidadania engrossaram, perante ao Supremo, as alegações de ilegalidade do decreto de Bolsonaro. Os trabalhistas chamaram o perdão presidencial de ato 'eminentemente autoritário', alegando 'nítido desvio de finalidade' e 'desrespeito ao princípio da separação dos poderes e à respeitabilidade que se deve conferir aos pronunciamentos do Supremo'.
O Cidadania chegou a pedir que a corte fixe a tese de que 'incorre em desvio de finalidade e abuso de poder Presidente da República que concede indulto individual para perdoar pena de alguém apenas por ser aliado político, especialmente quando condenado por ato atentatório a instituições democráticas, como o Supremo Tribunal Federal'.
Em outra frente, parlamentares questionam o decreto do chefe do Executivo via Congresso, com a proposição de projetos de decreto legislativo (PDL). No Senado, a iniciativa partiu de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (PT-ES) e Renan Calheiros (MDB-AL) - este último também autor de uma representação protocolada no Supremo que será analisada por Rosa Weber. Além deles, o deputado Rogério Correia (PT-MG) e a bancada do PSOL na Câmara também buscam sustar o decreto de Bolsonaro.
Como mostrou o Estadão, os demais ministros do Supremo aguardavam a definição do relator das ações de oposição para afinar a resposta institucional que será dada ao desafio de Bolsonaro. Um dos ministros afirmou em conversa reservada que é o momento de todos no tribunal "observarem a cena" e evitarem, por ora, manifestações individuais. Rosa Weber é conhecida por não se manifestar publicamente, mesmo investida do cargo de vice-presidente da Corte.
Com a definição de Weber como relatora, os ministros devem começar a discutir as medidas cabíveis para se contrapor à ofensiva do presidente. A ministra tem um histórico de disponibilizar imediatamente ao plenário suas decisões individuais. Ela foi relatora das ações contra orçamento secreto no Supremo e agiu dessa forma no curso do processo.
Durante o julgamento que condenou Daniel Silveira, o tribunal se uniu em torno de um placar de 10 votos a 1 contra o deputado bolsonarista. Apenas o ministro Kassio Nunes Marques votou pela absolvição do parlamentar. O ministro André Mendonça, segundo indicado de Bolsonaro ao Supremo, votou pela condenação por coação no curso do processo, mas o absolveu do crime de ataque contra a separação dos Poderes.
Presidente diz que decisão "é de extrema importância para a nossa liberdade e a democracia"
O presidente Jair Bolsonaro vai conceder perdão de pena ao deputado federal Daniel Silveira, condenado a oito anos de prisão pelo STF
O presidente Jair Bolsonaro anunciou, nesta quinta-feira (21), a concessão de indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e ameaçar integrantes da Corte.
O anúncio foi feito em uma transmissão, pelas redes sociais. Bolsonaro diz que “não vai comentar” a decisão do STF, mas classifica o indulto como algo “de extrema importância para a nossa liberdade e a democracia”.
O documento, de quatro artigos, foi publicado no Diário Oficial da União e estava sendo preparado desde quarta-feira (20), dia do julgamento, pelo Palácio do Planalto.
Entre as justificativas, Bolsonaro afirma, no vídeo, que “liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações”.
Ainda de acordo com o presidente, a “sociedade encontra-se em legítima comoção em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião definida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.
O chefe do Executivo também menciona que entre suas missões, está a de “zelar pelo interesse público”.
Bolsonaro ainda afirma que as considerações do indulto estão fundamentadas em decisões do próprio ministro Alexandre de Moraes, do STF, que foi o relator da ação que condenou Daniel Silveira.
O deputado bolsonarista havia sido condenado a 8 anos e 9 meses de prisão em regime inicial fechado. Assim que o indulto entrar em vigor, portanto, ele ficará livre do cumprimento da pena e será considerado inocente.
"A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos", diz o decreto.
Também de acordo com Jair Bolsonaro, o perdão presidencial será cumprido independentemente do trânsito em julgado do processo. A defesa de Silveira ainda tem direito a um recurso no STF, que não deve reverter a condenação do parlamentar.
STF pode revisar indulto
O indulto concedido por Bolsonaro pode não ser o último capitulo na quedra de braço entre Daniel Silveira e o Supremo Tribunal Federal.
O advogado Fernando Augusto Fernandes avalia que o STF pode avaliar se houve um "desvio de finalidade" por parte do presidente ao conceder o perdão imediatamente após o julgamento, e sem completado o trânsito em julgado.
"O STF pode examinar desvio em relação a uma decisão de indulto ocorrida imediatamente a uma decisão do STF sequer publicada cuja a motivação é desconstituir pelo executivo a decisão recém tomada", diz Fernandes.
"O precedente que examina a matéria não trata de uma decisão imediatamente após a decisão, que afronta a autoridade da corte e a separação dos poderes.", complementa.
Íntegra
Leia a íntegra do decreto publicado pelo governo federal:
DECRETO DE 21 DE ABRIL DE 2022
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,caput, inciso XII, da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 734 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e
Considerando que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável;
Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações;
Considerando que a concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes;
Considerando que a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis;
Considerando que ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público; e
Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão;
D E C R E T A:
Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos:
I - no inciso IV docaputdo art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e
II - no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.
Brasília, 21 de abril de 2022; 201º da Independência e 134º da República.