Joe Biden publicou um artigo em uma das revistas mais populares sobre assuntos militares nos EUA, a Foreign Affairs. O nome do texto é Why America Must Lead Again Rescuing U.S. Foreign Policy After Trump (Por que a América deve liderar novamente. Resgatando a política externa dos EUA após Trump).
Por André Galindo da Costa
O conteúdo do texto serviu como base para as políticas externas aprovadas em agosto de 2020 pelo Partido Democrata para a campanha eleitoral de Biden, o que permite extrair um conjunto de elementos que deve pautar as ações dos EUA no mundo para os próximos quatro anos.
Críticas a Trump
Em seu artigo, Joe Biden deixa claro que irá romper com a doutrina de política externa praticada por Donald Trump. O novo presidente considera que Trump teria afastado-se de aliados históricos dos EUA e, com isso, enfraquecido a liderança dos EUA no mundo. Biden garante que na sua presidência irá renovar tais alianças e fazer com que os EUA tornem-se novamente o grande líder mundial.
OTAN
Para Biden, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é parte intrínseca da segurança nacional dos EUA. Trump realizou críticas constantes e ameaçou tirar os EUA e reduzir investimentos na OTAN. Joe Biden, por sua vez, anuncia que irá aumentar os investimentos na aliança militar e criar estímulos para que os países europeus façam o mesmo. Os aumentos com despesas em defesa buscarão reforçar a condição da OTAN de mais poderosa força militar do mundo, segundo o presidente eleito.
Cúpula pela “democracia”
Em seu artigo, ele também se compromete a realizar uma cúpula global em defesa da democracia, durante seu primeiro ano de governo. O novo Presidente dos EUA afirma que só farão parte desse evento as nações do “mundo livre” e as organizações da sociedade civil que praticam a defesa da democracia.
Segundo ele, esse evento servirá como fórum de decisão coletiva sobre os regimes que representam uma “ameaça global”. Sendo bastante tendencioso, ao tentar definir o que são nações do “mundo livre” e “ameaças globais”, a intenção evidencia que farão parte da cúpula apenas países que possuem alinhamento histórico com os EUA: Reino Unido, França, Alemanha, Israel, Canadá, Japão, Colômbia, Chile, etc.
Como “ameaças globais” devem ser enquadradas nações que se contrapõem às investidas imperialistas dos EUA e que possuem projetos mais autônomos de desenvolvimento, como Cuba, Venezuela, Nicarágua, China, Síria, Irã, Iêmen, Bielorrússia e Rússia. Assim, como o governo de Barack Obama, os EUA devem promover revoluções coloridas, troca de regimes, golpes de Estado, guerras híbridas e até mesmo guerras quentes com invasões e bombardeios nas nações que consideram ameaças globais.
China e Rússia
Biden afirmou que o aumento da capacidade militar da OTAN objetiva conter “violações de normas internacionais” e “agressões russas”. Também propõe a criação de uma frente única de nações com o propósito de conter possíveis violações dos direitos humanos e “ofensivas chinesas”. Isso faz crer na possibilidade de intensificação da ingerência dos EUA em conflitos na periferia da Rússia: Azerbaijão, Armênia, Ucrânia, Geórgia, Quirguistão, Moldávia e Chechênia. Há também expectativa de acentuação de tensões militares no mar do Sul da China. Podem retomar a agenda de protestos em Hong Kong e promover ações que inviabilizem as novas rotas da seda.
Liderança mundial dos EUA
Biden considerou a possibilidade de os EUA servir como um grande guia do mundo, algo que, segundo ele, aconteceu nos últimos 70 anos. Para o novo presidente, os EUA teria exercido liderança no estabelecimento de regras internacionais, algo que sempre se deu tanto em governos democratas, como em republicanos, mas que foi interrompido por Donald Trump. Joe Biden afirma que em seu governo a liderança mundial dos EUA será revivida.
O que esperar do governo Biden?
A diretriz da política externa de Biden contou com a participação de mais de dois mil conselheiros militares e de política externa. No total, 130 membros do Partido Republicano conhecidos em âmbito nacional declararam apoio a Biden. Dentre esses republicanos está John Negroponte, diretor de inteligência nacional (2005-2007) e secretário de Estado adjunto (2007 – 2009) no governo de George W. Bush. Negroponte exerceu um importante papel nas guerras contra Afeganistão e Iraque, sendo o primeiro embaixador dos EUA no Iraque após a consolidação da invasão estadunidense em 2004.
Essa aliança entre membros do partido republicano, em sua maioria neocons, e democrata, em sua maioria imperialistas humanitários, no apoio a Biden e em oposição a Trump evidencia as entranhas do estado profundo (deep state). As divergências entre republicanos e democratas que na política interna estão relacionadas a temas como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e igualdade racial e de gênero, não se manifestam na política externa. Esses dois partidos parecem estar alinhados na pauta imperialista de expropriação estrangeira e, portanto, formam um único partido, que é o partido da guerra.
Antecedentes de Biden
Como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, em três ocasiões, entre 2001 e 2009, Joe Biden prestou importantes contribuições para as guerras do Afeganistão e Iraque no governo de Georg W. Bush. Em 2001, Biden apoiou abertamente a invasão proposta pelo Presidente George W. Bush ao Afeganistão em 2001. Em 2002, foi o responsável pela resolução do Senado que autorizou a invasão de Bush ao Iraque sob a acusação de Saddam Hussein manter armas de destruição em massa. As provas apresentadas pelos EUA sobre as armas iraquianas resultaram falsas.
Em 2007, Biden aprovou, no Senado, um plano que dividiu o Iraque em três regiões autônomas por grupos étnicos ou religiosos: curdos, xiitas e sunitas. O desmembramento do Iraque acirrou conflitos regionais internos, enfraquecendo a unidade e gerando um processo de balcanização. Como vice-presidente de Barack Obama (2009 – 2016), Biden foi um fervoroso apoiador das guerras na Líbia e Síria e incitou um confronto com a Rússia. As decisões sobre guerras tomadas pelo governo democrata de Obama sempre tiveram amplo apoio dos congressistas republicanos.
Referências
BIDEN, Robinette Joseph. Why America Must Lead Again. Rescuing U.S. Foreign Policy After Trump”. Foreign Affairs, março/abril, 2020.
BIDEN, Robinette Joseph. Biden Harris: a presidency for all americans. The power of America’s example: the Biden plan for leading the democratic world to meet the challenges of the 21st century. Disponível em: < https://joebiden.com/americanleadership/> Acesso em: 21/12/2020.
DINUCCI, Manlio. Voltaire Network. La politica estera di Joe Biden. Disponível em: < https://www.voltairenet.org/article211595.html> Acesso em: 21/12/2020
Fonte: Texto publicado originalmente no site Diálogos do Sul.
Link direto: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/biden-para-a-america-latina/67969/senhor-da-guerra-em-artigo-joe-biden-define-politica-externa-para-proximos-4-anos
André Galindo da Costa
Doutor em Ciências pelo Programa de Integração da América Latina PROLAM, da Universidade de São Paulo (USP)
Nizan Guanaes
Eu fiz uma cirurgia bariátrica há muitos anos, de maneira estabanada, para me livrar dos meus antigos 150 quilos. Meu pai morreu do coração aos 45 anos, e eu não podia continuar com aquele peso. O médico diz que você vai poder comer de tudo. O problema é que você passa a beber de tudo também.
Eu quase virei alcoólatra. Como, aliás, acontece com muitas pessoas que fazem bariátrica sem se preparar antes e sem supervisão depois. E foi para cuidar dos meus excessos — de cigarros, bebidas, cafés, refrigerantes e remédios para dormir - que eu, graças a Deus, conheci o médico psiquiatra Arthur Guerra. Ele transformou a minha vida não me entupindo de mais remédios, mas tirando esses remédios e me entupindo de esportes.
Guerra me botou para fazer triatlos e maratonas e me fez descobrir um mundo que acorda às 5 da manhã e dorme exausto e feliz às 10 da noite.
Mas, de tudo o que Arthur Guerra me ensinou, nada é mais brilhante do que a pergunta dele que eu coloquei em cima da minha mesa de trabalho e a que tento responder todos os dias: “Nizan, você aguenta ser feliz?”. Esta, querido leitor e querida leitora, é a pergunta que dou de presente de Ano Novo depois de um ano de tantas tristezas, mas também superações. Você aguenta ser feliz?
A pessoa luta para alcançar determinados objetivos na vida e, se e quando consegue atingi-los, quer mais e mais. A gente sonha com uma meta e, quando chega lá, começa a sofrer atrás de outra mais distante. Pedimos aos céus o que não temos, em vez de agradecermos o que já temos. E, quando atingimos o que tanto queríamos, aí queremos neuroticamente um novo objetivo. Ou seja, estamos sempre deixando para ser feliz na próxima conquista. Isso pode ser (e é) motivador, mas muitas vezes é enlouquecedor também.
Então meu ponto aqui é que a felicidade, como tanta coisa nessa vida, é uma questão de disciplina.
O dalai-lama diz que a felicidade é genética ou treinada. E de fato tem gente que é feliz por natureza. Para nós, a grande maioria, ela é uma conquista. É como se fosse uma outra carreira, interna: administrador de si mesmo.
E essa pessoa insaciável retratada nesta coluna está, em maior ou menor grau, dentro de todos nós. Os felizes não a escutam muito. Os infelizes são dominados por ela.
Esse comportamento nos leva a fazer duas coisas que são absolutamente inúteis: tentar corrigir erros de coisas que ficaram no passado e postergar a felicidade para conquistas que enxergamos no futuro. Como passar 2021 tentando corrigir os fracassos de 2020 ou adiando a felicidade para 2022.
Por isso, a pergunta é necessária. Será que você aguenta ser feliz? Até porque as melhores coisas da vida não têm preço: amor, família, amigos, fé, respiração.
Ser feliz é quase uma dieta, uma alimentação balanceada da alma. Que mistura bens materiais e, principalmente, imateriais.
Essa é uma reflexão para você, pessoa física, mas que pode ajudar muito a pessoa jurídica. Por isso Harvard tem tratado tanto da administração da pessoa ao tratar da administração da empresa.
O que desejo a você, leitor, é o que eu me desejo em 2021 e será o meu desafio diário: que você lute para ser as coisas que queira ser, mas não despreze o que é conquistado, o que já é. E que viva 2021, e não 2020 ou 2022.
Até porque o ano que começa será, tem que ser, um ano de cura, de vacina, de virada e de vida. 2020 foi um ano de grande tristeza. De muitas perdas. De muitas e duras lições.
Ficamos desesperados e muito tristes, e essa tristeza era inevitável. Mas a vida precisa da felicidade, e a felicidade precisa da vida.
Feliz ano novo!
Por Andréa Luiza Collet*
No Cerrado brasileiro, um dos fenômenos mais marcantes é a floração dos ipês, que ocorre entre os meses de julho e setembro. Na região, costuma-se dizer que existem apenas duas “estações”: o inverno, quando chove (mas, na realidade é o verão do calendário), e o verão – período de seca extrema, quando as águas dos rios baixam e as praias surgem em suas margens. E é em pleno ‘verão amazônico’, com o tempo seco, altas temperaturas, vegetação aparentemente sem vida e muitas queimadas (infelizmente!) que os ipês colorem o cenário triste e cinzento com suas delicadas flores.
As árvores perdem suas folhas e a paleta de cores da natureza pinta as copas das árvores de amarelo, roxo, branco e rosa... em uma explosão de cores que, emoldurada por um azul celestial infinito, sem uma nuvem de chuva sequer, anuncia que a vida se faz presente – em breve, novas sementes surgirão, garantindo a continuidade das espécies. Além da exuberante beleza das flores, que acalenta o olhar cansado, o renascimento anual dos ipês é um prenúncio da primavera ao mesmo tempo em que nos ensina preciosas lições:
- Às vezes é necessário abrir mão de algo que consome a energia (folhas) para que novas possibilidades surjam (flores) e a renovação (sementes) se torne possível;
- Independente das circunstâncias, é possível perseverar e florescer;
- A beleza das flores sempre fará diferença num cenário árido, aparentemente sem vida, contribuindo para o renascer da esperança;
- Pode haver harmonia entre a dureza (oriundo do Tupi, o nome ipê faz referência à arvore de casca dura) e a fragilidade (as flores duram de 5 a 10 dias), numa simbiose de beleza e leveza.
E, com essas lições de coragem e esperança dos ipês brasileiros, desejamos a você e sua família um 2021 renovado, mais resistente, vivo e florido!
*Andréa Luiza Collet
Jornalista (formada na primeira turma da Unitins) e mestre em Administração. Morou no Tocantins de 1990 a 2010.
A vida em sociedade nos dias que correm apresenta algumas peculiaridades marcantes e uma delas diz respeito ao fantástico volume de novas informações e conhecimentos que emergem diariamente, os quais tendem a pôr em xeque e até superar certos saberes antecedentes. Nesse cenário revela-se imprescindível que todas as pessoas acompanhem essa dinâmica para serem capazes de tomar as decisões mais adequadas e agir de maneira consoante tanto na esfera privada quanto na esfera pública, que é o espaço reservado ao exercício da cidadania.
Por Antonio Carlos Will
Tal espaço é propício ao cidadão ativo, que se revela essencialmente díspar do alcunhado cidadão passivo, isto é, daquela pessoa que prefere realizar a sua existência no âmbito da esfera privada e ser governado pelos outros. O cidadão ativo, ao contrário, é um personagem que se considera governante e opta pelas ações conjuntas, muitas vezes destinadas a influenciar as decisões políticas.
Essas características substanciais exigem que ele se mostre como uma pessoa bem informada e que acompanha os acontecimentos nacionais e internacionais, principalmente pela leitura de jornais, que já entrou nas instituições escolares, uma vez que grande parte dos educadores a consideram um recurso pedagógico imprescindível.
De fato, a História registra que o uso do jornal nos estabelecimentos educativos começou no século 19. Janusz Korczak, um médico polonês, utilizou-o no trabalho com crianças pobres que viviam na periferia de Varsóvia. Por sua vez, o pedagogo francês Célestin Freinet fez uso dele para aproximar os alunos da comunidade e prepará-los para a vida democrática. E na terceira década do século 20, professores norte-americanos passaram a utilizar o jornal The New York Times nas salas de aula.
Em nosso país, Paulo Freire, nos anos 60 do século passado, tomou a iniciativa de empregá-lo, pois acreditava em seu poder de reduzir a evasão escolar e formar educandos críticos. O pioneirismo empresarial teve origem no jornal Zero Hora, duas décadas após a iniciativa de Freire. Na sequência vieram O Globo e a Folha de S.Paulo. Passados mais dez anos, o Correio Popular e o Diário do Povo, de Campinas, também foram para as escolas, assim como o Estado de S. Paulo, que instituiu o Estadão na Escola, com vista a formar novos leitores e promover a análise crítica da informação. Atualmente algumas dezenas de jornais da maioria dos Estados brasileiros estão seguindo esse mesmo caminho.
Vale lembrar que alguns dos jornais brasileiros mais importantes tomaram a decisão de criar versões voltadas para o público de pouca idade, tais como a Folhinha e o Estadinho, que teve seu término no ano de 2013. Com a mesma intenção foi lançado o Joca, semelhante aos publicados na Europa, dentre os quais podem ser citados o Le Petit Quotidien e o Mon Quotidien. O Joca é um jornal escrito especialmente para os mais jovens, usa uma linguagem apropriada para eles e contém notícias, reportagens, entrevistas, curiosidades e assuntos interessantes e atuais sobre o Brasil, o mundo e o universo juvenil.
Cabe destacar também que o programa Jornal na Educação se encontra presente, com maior ou menor intensidade, em todas as regiões do Brasil. Note-se ainda que, segundo o Observatório Nacional da Imprensa, o uso de jornais nas escolas melhora os hábitos de leitura, inclusive de jornal, as notas dos alunos e a assimilação dos conteúdos escolares; amplia o vocabulário e a expressão verbal/escrita, a imaginação, a interpretação e a criatividade; favorece o trabalho em grupo e o acesso ao jornal para os alunos e seus familiares, a concentração e a disciplina na sala de aula, a aproximação com a família; motiva o aluno a ir para a aula; causa impacto positivo em avaliações nacionais e internacionais, como Saeb e Pisa; serve de apoio ao livro didático; promove a interdisciplinaridade e a socialização entre os alunos e os professores e uma integração dos discentes com necessidades especiais.
Observe-se que a leitura de jornais proporciona outras vantagens aos mais jovens. O domínio de informações atuais é imprescindível para quem vai prestar vestibulares e para quem está à procura de emprego, haja vista que os recrutadores costumam fazer perguntas relacionadas à vida empresarial do momento e do futuro.
Não pairam dúvidas de que os aspectos positivos mencionados contribuem bastante para qualificar um cidadão, porém a leitura de jornais pode auxiliar decisivamente no preparo do aluno para o exercício da cidadania ativa, porquanto um sujeito bem informado pode fazer cobranças a políticos, participar de campanhas e movimentos sociais, apresentar denúncias nos meios de comunicação e propor soluções para diversos problemas comunitários. Para tanto é necessário existir um sólido e explícito compromisso dos jornais, tal como fez o Estado, e dos educadores com o objetivo de formar cidadãos ativos.
PROFESSOR APOSENTADO DA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA, É AUTOR DE ‘DEMOCRACIA E ENSINO MILITAR’ (CORTEZ) E ‘A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA’ (PONTES)
Por Denis Lerrer Rosenfield*
O alarido das eleições, antes e depois dos resultados, terminou por produzir um barulho inusitado, o de que as esquerdas estariam avançando, recuperando antigas posições. Se antes as evidências já indicavam o contrário, apesar do esforço de institutos de pesquisas de apresentar “retratos” distantes da realidade, depois ficou ainda mais difícil, dada a sua perda de posições, com o PT desaparecendo das capitais do País. A esquerda perdeu. E fragorosamente.
Isso não significa que a extrema direita tenha ganho. O segundo turno apenas confirmou o que o primeiro já havia sinalizado. Candidatos bolsonaristas, como Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, e Capitão Wagner, em Fortaleza, não tiveram sucesso. O primeiro perdeu por 30 pontos porcentuais, não deixando nenhuma margem a dúvidas; o segundo, embora tenha sido mais competitivo, perdeu para o candidato da família Gomes. A estrondosa vitória de 2018 minguou em pouco tempo, deixando um acre sabor de insucesso.
Insucesso revelador da incapacidade de governar, de oferecer soluções para os urgentes problemas nacionais, para além da grave crise da pandemia, em que o único espetáculo apresentado é uma pantomima sem fim. Chegamos às raias do absurdo. O presidente e o ministro da Saúde advogam tratamentos preventivos, que inexistem para a comunidade científica do Brasil e de todo o planeta. Procuram somente mascarar decisões equivocadas, como a de dar vazão à distribuição de hidroxicloroquina indevidamente financiada e produzida. Discute-se também a obrigatoriedade ou não da vacina, quando não há vacina a ser distribuída. Discute-se sobre o modo de aplicação de algo no momento inexistente. É surreal!
O eleitorado demonstrou-se cansado dos ataques incessantes e das mentiras repetitivas, sem que as questões principais do País sejam enfrentadas. Figuras de inimigos imaginários expõem o seu descolamento da realidade quando as questões reais batem à porta, como a doença, a morte, a fome, a queda de renda, o desemprego e a ausência de expectativas. A dita “nova política” envelheceu em apenas dois anos. Haja senilidade precoce!
Daí não se segue, porém, que a esquerda tenha avançado nem que suas bandeiras, se é que existem, tenham sido adotadas. O PT, o mais importante partido de oposição, continua velho, não tem sabido se renovar. Manchado pela corrupção em seu exercício do poder e pela incompetência do último governo Dilma, continuou apegado à figura de Lula. Ou o partido se repensa ou permanece atrelado aos julgamentos inúmeros do ex-presidente e ao impeachment da ex-presidente. O partido devia deixar a posição de advogado de defesa de seus líderes e partir para uma agenda propositiva nacional. Não se olha para o futuro observando somente o retrovisor de um passado que, hoje, só a ele interessa, e nem sequer à totalidade de seus membros.
Os candidatos Boulos, em São Paulo, e Manuela, em Porto Alegre, só foram viáveis como alternativas de poder para os institutos de pesquisa. Realmente, jamais ostentaram tal posição. O primeiro perdeu por 20 pontos porcentuais e a segunda, por 10, tendo sido mesmo “avaliada” como estando na primeira posição no primeiro turno. Erros grosseiros. Curioso, aliás, que os institutos não mais consigam exercer influência na opinião pública, que já não segue tais pesquisas, por terem perdido credibilidade.
Note-se que um e outra são crias de Lula e com ele se identificam. Pertencem a partidos que eram satélites do PT e não conseguem, senão a muito custo, desvencilhar-se dessa identificação. Boulos quase chegou a ser ungido sucessor do ex-presidente quando de sua prisão, naquele espetáculo deprimente de resistência a uma ordem judicial. São caras novas do ponto de vista etário, porém velhas em sua trajetória e em suas propostas. Para quem tiver alguma dúvida basta ler os programas partidários do PSOL e do PCdoB. Falar de “moderação” dos candidatos beira a insensatez.
No que diz respeito a este último partido, o governador Flávio Dino, que despontava como liderança nacional, não conseguiu eleger seu sucessor. Ciro Gomes, por sua vez, teve uma vitória expressiva em Fortaleza, conseguindo bater o candidato bolsonarista, mas não demonstrou presença nacional. O quadro geral é o PT perdido em questiúnculas internas, brigando com sua imagem, e os outros partidos com imensas dificuldades de apresentar uma verdadeira alternativa política.
Os extremos como que caíram de suas extremidades, não puderam se equilibrar. Tontos, giraram em torno de si mesmos, sem a menor abertura para o outro, o País e seus problemas. A direita avançou com força em suas vertentes liberais, conservadoras e fisiológico-patrimoniais, com tinturas, às vezes, social-democratas. Por outro lado, os candidatos social-democratas igualmente se aproximaram dessas posições, voltadas para a ponderação, o bom senso e as urgências dos municípios. Quando questões nacionais afloraram, foram na mesma direção, como se os cidadãos estivessem a exigir uma nova postura para 2022.
*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS