Moro entra na disputa mais fraco do que nos seus melhores momentos e deixa Lula mais forte

 

Por Rubens Figueiredo*

 

O Sérgio Moro que discursou na cerimônia de filiação ao Podemos é bem diferente do Sérgio Moro do auge da Operação Lava Jato. Entre um momento e outro, alguns acontecimentos marcantes. As divulgações do site The Intecept, mostrando o ex-juiz combinando com procuradores as estratégias do processo, a passagem pouco edificante pelo governo Bolsonaro e a decisão do Supremo que anulou as decisões que condenaram Lula.

 

Moro entra na disputa mais fraco do que nos seus melhores momentos, mas ainda a ponto de ter um nível de intenção de voto que o coloca na disputa pelo terceiro lugar, ao lado de Ciro Gomes, veterano em eleições presidenciais. Resta saber o que o espera daqui para a frente.

 

O quadro sucessório aponta dois candidatos fortíssimos. O ex-presidente Lula, em liberdade por consequência das lambanças jurídicas que aconteceram em Curitiba. E Bolsonaro que, apesar de seu péssimo momento de governo, pode capitalizar-se com o dinheiro na veia dos mais pobres que deve vir através do Auxílio Brasil. Moro prendeu Lula e foi demitido de forma espalhafatosa por Bolsonaro, com direito à gravação de reunião empresarial e tudo.

 

A candidatura Moro deixa Lula, seu prisioneiro preferido, ainda mais forte. Além de não agregar os candidatos da chamada terceira via caso vá para o segundo turno, o ex-juiz pode dividir votos com Bolsonaro no segmento mais escolarizado e de mais renda, que tem uma preocupação mais acentuada com a corrupção. Mas o discurso contra a impunidade fica longe de empolgar os mais pobres, muito mais preocupados com o preço do feijão do que com as práticas ilícitas de políticos mal intencionados.

 

*Cientista político

Posted On Quinta, 11 Novembro 2021 05:50 Escrito por

Ives Gandra da Silva Martins*

 

Na área jurídica, não poucas pessoas têm a impressão de que a função do Poder Judiciário é fazer justiça. Aos meus alunos da Universidade Mackenzie e do Centro de Extensão Universitária sempre ensinei ser essa uma falsa visão da função judicante. Fazer justiça, não poucas vezes, é uma forma de fazer injustiça. Quando se demora o julgamento de um réu preso e inocente, quando se deixa um cidadão encarcerado além do tempo de condenação, quando se criam infrações penais por preferências ideológicas ou inimizades pessoais, quando se interfere em competências que são de outros Poderes, usando a força incontestável da caneta, por mais culta ou erudita que seja a decisão, a justiça dos justos é injusta.

 

Bastiat, na primeira metade do século 19, escreveu um pequeno e antológico livro intitulado A lei. Nele, após analisar os arcabouços do processo legislativo e a forma como a maior parte das leis era feita à época, concluiu que a verdadeira função da lei seria não fazer injustiça, mais do que fazer justiça.

 

Com exceção dos ministros da Suprema Corte, cuja escolha é política e dependente de um homem só, todo o processo seletivo para a magistratura é extremamente complexo, durando, para ser um juiz substituto de primeiro grau, em torno de um ano as sucessivas provas eliminatórias, em que aproximadamente 2% dos candidatos são aprovados.

 

Eu mesmo, tendo participado de três bancas examinadoras para magistratura (2 federais e 1 estadual), sei quão rigorosos e difíceis são os exames a que são submetidos os postulantes, pois terão de ser julgadores da sociedade em suas divergências levadas a juízo.

 

São, portanto, superiormente preparados, quando passam pelas 3, 4 ou 5 provas eliminatórias, até o exame oral.

 

A própria escolha para os tribunais de 2.ª instância ou superiores segue uma linha em que o merecimento ou antiguidade, para os primeiros, e o merecimento do trabalho, para os tribunais brasilienses, são aferidos.

 

O denominado Quinto Constitucional de preenchimento de vagas para os colegiados, por advogados e membros do Ministério Público, tem um tríplice processo seletivo, ou seja, dos órgãos de classe em lista sêxtupla, em lista tríplice do tribunal e do Poder Executivo. Não se discutem, portanto, nem a competência nem a idoneidade, que, nos concursos públicos para a magistratura, é também o candidato investigado, meticulosamente.

 

O que há de perguntar no momento é se a justiça que se tem feito no País tem implicado em não se fazer injustiça.

 

Causou-me má impressão pesquisa realizada por jornal da Capital em que a rejeição ao Poder Judiciário tem crescido, praticamente 1/3 considerando boa sua atuação, 1/3 regular e quase 1/3 ruim ou péssima – levantamento em que os próprios analistas declararam que a rejeição ao Poder Judiciário tem crescido.

 

Por outro lado, em outro levantamento do mesmo veículo 63% da população entendia que o Poder Judiciário, no seu ativismo judicial, coloca em risco a democracia.

 

Por fim, numa terceira aferição, também da mesma agência de pesquisa, as Forças Armadas, a Igreja Católica e o próprio Ministério Público eram instituições mais respeitadas que o Poder Judiciário no País.

 

Ora, quando se tem um Poder Judiciário que, segundo levantamento de outro veículo, meses atrás, declarou que custava ao povo 1,34% do PIB – ante 0,14%, nos EUA, e uma média entre 0,2% e 0,4%, na maioria das nações –, é de perguntar se, não obstante a qualidade dos magistrados, a justiça praticada pelo nosso Poder Judiciário tem permitido que não se faça injustiça à população.

 

Se a qualidade de conhecimento dos magistrados não se discute, se no Pretório Excelso todos os seus componentes ostentam brilhante currículo e o perfil de juristas respeitados, se a idoneidade moral é também indiscutível, a que atribuir esta turvação da imagem e esta crescente rejeição da população, se não a impressões que se tem de que, ao adotarem os seus juízes o consequencialismo jurídico ou o neoconstitucionalismo, doutrina contestada em muitas universidades, que desembocam num crescente ativismo judicial, a sociedade passou a ver nos magistrados da Suprema Corte um poder político, e não técnico, hospedeiro das preferências desta ou daquela corrente ideológica pertinentes aos representantes do povo?

 

Em outras palavras, deixaram de ver no Judiciário um órgão destinado a julgar justamente, mas, sim, um órgão a adotar postura política com pretensões de interferir no processo político, mesmo que com a intenção, na opinião de alguns, de corrigi-lo.

 

Creio que esta temática de qual seria a verdadeira função do Poder Judiciário e até onde não fazer injustiça, à luz do direito vigente, deveria ser a preocupação maior de todos os operadores do Direito, mas principalmente dos que têm a responsabilidade de decidir.

 

Pergunto-me se tal desconfiguração que começa a ocorrer a partir das decisões da Suprema Corte e de um certo ativismo judicial, o que vem sendo alertado por especialistas, não estaria na raiz da visão do povo sobre o Poder Judiciário.

Tais dúvidas continuam a permanecer neste velho professor de 86 anos.

 

 

* é um jurista, advogado, professor e escritor brasileiro, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Filosofia.

 

Posted On Sexta, 05 Novembro 2021 04:39 Escrito por

Estadão  - Notas & Informações 

Por sua natureza, a atividade legislativa requer calma e reflexão. A função do Congresso não é dar soluções imediatistas aos problemas do País. A lei deve constituir uma resposta madura, apta a permanecer no tempo – o que exige serenidade e estudo. Logicamente, isso tudo representa um sério desafio para o Legislativo, que se vê muitas vezes instado pela sociedade a apresentar medidas instantâneas.

 

Agora, o Congresso tem precisado enfrentar, em relação aos tempos da atividade parlamentar, um novo desafio, criado pelo próprio presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não é a pressão da população que tem levado à precipitação dos trabalhos legislativos. A Presidência da Câmara, que deveria ser a primeira a preservar a atividade parlamentar, tem promovido um inconstitucional atropelo na tramitação das propostas legislativas.

 

Como revelou o Estado, Arthur Lira (PP-AL) não apenas tem relevado o estrito cumprimento do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – valendo-se de brechas para impor sua pauta –, como já colocou em votação projetos cuja versão final era desconhecida pelos próprios deputados. Trata-se de ponto fundamental. Não há como votar um texto sem que os parlamentares saibam o conteúdo desse texto.

 

No dia 14 de outubro, por exemplo, o relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que altera regras sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), só foi divulgado após o início da sessão de votação. O projeto terminou sendo retirado da pauta, mas o intento abusivo ficou evidente.

 

O atropelo não tem relação em si com o conteúdo da proposta legislativa. No caso, a PEC 5/21 tem pontos muito positivos, que podem promover maior eficiência do CNMP. De toda forma, é evidente que nenhuma lei pode ser votada sem que se saiba o que está sendo votado. Ainda mais se for, como era o caso, uma Emenda Constitucional.

 

No fim das contas, esse modo de proceder prejudica as boas propostas, suscitando desnecessárias suspeitas sobre seu conteúdo e sua motivação. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a tramitação da reforma da Lei de Improbidade. Era um projeto necessário, que veio estabelecer um patamar mínimo de segurança jurídica em área especialmente sensível, com implicações diretas sobre toda a administração pública e, por consequência, sobre toda a sociedade. No entanto, a tramitação na Câmara foi atabalhoada, sem votação do relatório pela comissão especial e com a decretação de um inoportuno regime de urgência.

 

Episódio especialmente grave foi a votação na Câmara do projeto que altera o Imposto de Renda (IR). No momento em que foi votado, o texto final da reforma do IR era desconhecido pelos parlamentares. Não havia sido divulgado. Ou seja, os parlamentares votaram um texto sem saber o que ele representava para o Estado e para os cidadãos.

 

A confirmar o absurdo da situação, depois da votação, foram divulgados os efeitos da proposta sobre as contas públicas. Surpresos, os deputados descobriram, então, que a reforma do IR aprovada na Câmara resultava em perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$ 19,3 bilhões para Estados e municípios.

 

Seja qual for o motivo dessa inversão – tem-se a votação e só depois o texto “aprovado” é divulgado –, ela é radicalmente inconstitucional e antidemocrática. Não há a rigor votação de uma matéria se a matéria nem sequer foi publicamente definida. É realmente estranho que, num regime democrático, seja necessário recordar esse requisito.

 

Além de respeitar a ordem mínima – votação depois da divulgação do texto –, é necessário restabelecer o normal funcionamento das comissões no Congresso, que têm um papel profundamente democrático. É nas comissões que os temas são debatidos, amadurecidos e questionados, sendo um importante âmbito de transparência. A pandemia exigiu abreviar e simplificar alguns ritos legislativos. Mas regras para tempos excepcionais não podem perder seu caráter igualmente excepcional. A sociedade precisa do Legislativo funcionando normalmente.

 

 

Posted On Quarta, 20 Outubro 2021 05:56 Escrito por

Por Almir Pazzianotto Pinto

 

Desde a Proclamação da República, em 15/11/1889, o Brasil conheceu 38 presidentes. O primeiro foi o marechal Deodoro da Fonseca, herói da Guerra do Paraguai. Tomou posse após comandar as tropas que depuseram o imperador Dom Pedro II, de quem era amigo e admirador.

 

Em 23 de julho de 1840, aos 15 anos de idade, Dom Pedro II assumiu o exercício das funções majestáticas, exercidas de forma magnânima e serena até 15 de novembro de 1889. Foram 49 anos, 4 meses e 115 dias sob a Constituição de 25 de março de 1824, emendada uma única vez.

 

Sobre o reinado de Dom Pedro II, sintetizou Pandiá Calógeras: “Grande e nobre fora a tarefa cumprida pelo Império. Estava o Brasil sob ameaça de desintegração por fatores múltiplos e, entretanto, se manteve unido. Lutas locais duraram cerca de 20 anos, e, entretanto, foram dominadas dentro da união” (Formação Histórica do Brasil, Companhia Editora Nacional, SP, 1967, página 298).

 

O golpe inspirou célebre crônica de Aristides Lobo, publicada em São Paulo pelo Diário Popular de 18/11/1889, onde dizia: “Por ora, a cor do governo é puramente militar, e deveria ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam, sinceramente, estar vendo uma parada”.

 

A história da República é o registro de golpes, alianças, traições, mortes e eleições. Cumpriram integralmente mandato adquirido nas urnas os presidentes Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Hermes da Fonseca, Venceslau Brás, Arthur Bernardes, Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma Rousseff exerceu por inteiro o primeiro, mas foi deposta no segundo. Generais presidentes, não eleitos, foram Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. O Brasil passou pelas ditaduras do marechal Floriano Peixoto (1891-1894), de Getúlio Vargas (1930-1945), do regime militar (1964-1985). No exercício do mandato morreram Afonso Pena, Getúlio Vargas e Costa e Silva. Antes da posse faleceram Rodrigues Alves, reeleito em 1918, e Tancredo Neves. Juntas militares tomaram o poder em 1930, 1964 e 1969. Esta última substituiu o presidente Costa e Silva, afastado por doença, e impediu, pela violência, a posse do vice-presidente Pedro Aleixo.

 

Getúlio Vargas assumiu a chefia do governo provisório em novembro de 1930, após derrubar Washington Luís. Foi eleito pelo Congresso em 1934, deu o golpe em 10/11/1937, até ser deposto em 29/10/1945. Retornou pelo voto direto em 1951 e se suicidou em 1954. Jânio Quadros assumiu o governo em 31 de janeiro, para renunciar em 25 de agosto de 1961. Carlos Luz governou quatro dias como presidente da Câmara dos Deputados, ao ocupar vaga aberta pelo vice-presidente Café Filho. Ambos foram depostos pelo ministro da Guerra, general Teixeira Lott, garantindo a posse de Juscelino Kubitschek.

 

De 1891 até 2021 o Brasil conheceu sete Constituições. A mais longeva, a de 1891. Durou 34 anos e recebeu uma única emenda. A Constituição de 1988 completará 33 anos em 5 de outubro, emendada mais de uma centena de vezes e sob o ataque de outras que lhe abalam a credibilidade. A de 1934 resistiu menos de quatro anos. Desde a troca do um mil réis imperial pelo cruzeiro republicano, em 1942, tivemos 12 padrões monetários. No governo do presidente Sarney foram aprovados quatro planos econômicos, dois no governo Fernando Collor e o último no governo Itamar Franco.

A inflação tem sido o câncer no fígado da economia. Após altas e baixas, chegou a 1.792,90% em 1989. O acumulado no período de 164 anos, entre 1829 e 1993, foi da ordem de quase 7 quinquilhões (Andima, Séries Históricas, Inflação, RJ, s/d).

 

A população, que era de 13,33 milhões em 1890, inchou em ritmo acelerado até alcançar a marca atual de 215 milhões. Cresceu, mas não melhorou. O desenvolvimento econômico se revelou insuficiente para assegurar alfabetização, educação, politização, saúde, segurança e razoável padrão de vida ao povo. São 15 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados e 50 milhões na linha de miséria. É o país com uma das maiores desigualdades de renda do mundo. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos coloca na 75.ª posição, abaixo de Cuba, Uruguai, Chile e Argentina.

 

Representantes da inteligência política debitam o fracasso ao presidencialismo. Convencidos, porém, da inviabilidade de modelo clássico de parlamentarismo, assumem a defesa de fantasiosa superioridade do semipresidencialismo, neologismo indefinível e vazio de significado. O problema não é o presidencialismo. Está na caótica organização partidária, na corrupção, no sistema eleitoral. Como revela a História, vivem da barganha de cargos e de votos, do populismo demagógico, da ambição insaciável, da estúpida mediocridade.

 

*ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

 

Posted On Terça, 21 Setembro 2021 06:58 Escrito por

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 9 passado o texto-base do Projeto de Lei Complementar 112/2021, que institui o Código de Processo Eleitoral

 

Notas & Informações - Estadão

 

A pretexto de reunir em um só diploma legal uma miríade de normas esparsas que regulamentam desde a divulgação de pesquisas eleitorais até a prestação de contas dos partidos políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o projeto, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), virou um calhamaço de mais de 900 artigos que passou longe, muito longe, da tramitação responsável que um tema dessa envergadura requer.

 

A afoiteza da tramitação do projeto na Câmara, que custou tão caro ao bom debate democrático, pode ser explicada por duas razões, uma umbilicalmente ligada à outra. A aprovação de uma nova legislação eleitoral que afrouxasse os mecanismos de responsabilização dos parlamentares e dos partidos políticos foi uma promessa feita pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) a seus pares durante a campanha que, por fim, o alçou à presidência da Casa, em fevereiro deste ano. E Lira só a fez, por óbvio, porque conhece muito bem o seu eleitorado e sabe que a matéria tem o apoio da maioria das legendas. Basta ver que o regime de urgência para tramitação do Código de Processo Eleitoral foi aprovado por 322 votos a 139. Já o texto-base, por margem ainda mais folgada: 378 votos a 80.

 

Os deputados agora analisam os chamados destaques, alterações pontuais que são propostas ao projeto original. Prevê-se que a Câmara vote estes destaques no decorrer da próxima semana, quando, ao fim, o projeto seguirá para deliberação do Senado. Essas duas próximas etapas são fundamentais para o resguardo do melhor interesse público. O novo Código de Processo Eleitoral tem muitos pontos a serem corrigidos, ou até mesmo eliminados do projeto, seja pelos próprios deputados, durante a votação dos destaques, seja pela revisão da Câmara Alta.

 

Um dos pontos mais nocivos ao interesse público, sem dúvida, é a autonomia inaudita que os partidos políticos terão sobre os bilionários recursos do Fundo Partidário, que nem sequer deveria existir. O texto-base não só submete o uso de recursos públicos à absoluta discricionariedade das lideranças partidárias, como dificulta, e muito, a análise da prestação de contas pelo TSE. Com o dinheiro do Fundo Partidário, por exemplo, partidos políticos poderão comprar bens móveis e imóveis, além de realizar “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido”. Vago como se lê, esse dispositivo pode significar qualquer coisa. O que, afinal, é de “interesse partidário”. E quem, ao fim e ao cabo, diz que é? Os próprios interessados.

 

Não bastasse a liberdade para gastar os bilhões do Fundo Partidário, a prestação de contas à Justiça Eleitoral também sofrerá enormes reveses caso o Código de Processo Eleitoral entre em vigor tal como consta no texto-base. Os deputados reduziram de cinco para dois anos o prazo do TSE para analisar as contas partidárias, “sob pena de extinção do processo”. A bem da verdade, o TSE já falha miseravelmente em cumprir o prazo de cinco anos. A redução para dois anos significa, portanto, tornar letra morta a obrigatoriedade de prestação de contas pelos partidos políticos.

 

O Código de Processo Eleitoral também representa um abrandamento da Lei da Ficha Limpa. O prazo de inelegibilidade dos condenados com base na lei permanece em oito anos, mas o tempo passa a ser contado a partir da data da condenação, e não mais do término do cumprimento da pena.

 

Um dos poucos pontos positivos da nova legislação eleitoral, a quarentena de cinco anos para que militares das Forças Armadas e das Polícias Militares, promotores de Justiça e juízes possam disputar eleições, a partir do pleito de 2026, foi derrubado em um dos destaques já votados. É de suma importância manter cargos de Estado a salvo de interesses de natureza político-eleitorais.

 

Para valer em 2022, o projeto precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado por Jair Bolsonaro até outubro. Talvez não haja tempo para isso. O prazo exíguo é aliado da sociedade, mas será muito importante que o projeto não entre em vigor tal como está não pelo decurso do prazo, mas pela ação do Senado como Casa revisora.

 

Posted On Domingo, 12 Setembro 2021 05:35 Escrito por
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