Mais de 11,8 milhões receberam pelo menos uma dose da vacina
Com Agências
O Brasil chegou perto de ultrapassar a marca de 12 milhões de casos confirmados de contaminações pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) neste domingo (21). A informação é do levantamento diário realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). As contaminações nas últimas 24 horas foram 47.774, fazendo o total chegar a 11.998.233.
A média móvel dos casos confirmados nos últimos sete dias foi para 73.552, quebrando o recorde que havia sido registrado anteriormente neste sábado (20) de 73.075.
Já as mortes pela Covid-19 registradas de ontem para hoje foram 1.249, totalizando 294.042 desde o início da pandemia. A média móvel de óbitos subiu para 2.259, batendo o recorde pela 26ª vez seguida. O número mais alta até então era o de ontem, que chegou a 2.237.
Os dados de pessoas contaminadas incluem casos sintomáticos e assintomáticos, o que significa dizer que, nesse último caso, são pacientes que foram ou estão infectados, mas não apresentaram sintomas da doença.
Ministério da Saúde libera aplicação imediata de vacinas reservadas para 2ª dose
Ainda vale destacar que, aos finais de semana, a contabilização dos números da Covid-19 costuma ser menor. Isso ocorre porque as secretarias de Saúde e órgãos estaduais trabalham em regime de plantão, o que faz com que os dados possam ficar represados.
Ministro cobrou que Nunes Marques devolva caso da suspeição de Moro
Da Revista Época
Conhecido por ser voz dissonante no STF, Marco Aurélio Mello considera que Edson Fachin errou em anular todos os atos processuais da Justiça Federal em Curitiba sobre Lula e considera que a decisão vai ser revista em plenário. Ou seja: aposta que Lula pode voltar a ficar inelegível.
Em entrevista à coluna, Marco Aurélio defendeu Sergio Moro, disse que Cármen Lúcia não deve mudar seu voto e que Nunes Marques é obrigado pelo regimento a devolver o caso da suspeição de Moro à Segunda Turma na semana que vem.
Leia alguns trechos
Como o senhor viu o desenrolar dos fatos nesta semana no STF?
O que me assusta é o que o herói nacional, o mocinho, está sendo tomado como bandido. O ex-juiz Sergio Moro. Isso não se coaduna com o Estado democrático de direito. Imagina-se que ele estivesse a um só tempo como Estado julgador, como juiz, e Estado acusador, como Ministério Público. Mantemos diálogos com o MP. Nos 42 anos, mantive diálogo com membros do Ministério Público e advogados de qualquer das partes. Isso é normal. O único erro que ele cometeu — e disse a ele quando ministro da Justiça — foi ter deixado um cargo efetivo, com direito à aposentadoria, para ser auxiliar de um presidente da República, virando as costas para uma cadeira que para mim é sagrada, que é a cadeira de juiz. E estou perplexo diante da decisão do ministro Edson Fachin de anular os processos-crime depois de os processos terem percorrido todas as instâncias.
O saldo da semana é negativo na sua visão?
Em termos de avanço cultural? Negativo. E começaram o julgamento na Turma da suspeição do juiz Sergio Moro. A decisão do ministro Fachin é uma decisão individual, impugnável ainda. Se já fosse de colegiado, aí haveria prejuízo. Mas é decisão individual. Eu, por exemplo, não julgo individualmente habeas corpus.
Perde objeto o julgamento da suspeição de Sérgio Moro?
A rigor, a prevalecer a decisão do ministro Fachin anulando tudo, perde o objeto. Declarar suspeição para quê, se já está anulado? O ministro Gilmar Mendes divergiu, a ministra Cármen Lúcia foi vencida e o ministro Nunes Marques pediu vista. No plenário, entretanto, imagino que se reveja a decisão do ministro Fachin.
Cármen Lúcia vai mudar o voto dela sobre a suspeição de Moro?
A ministra Cármen fez um gesto de gentileza que nós fazemos. Quando um colega pede vista e já votamos e não somos o relator, nós dizemos 'Olha, aguardo o voto, quero ouvir também o voto do ministro', é uma gentileza, não quer dizer que vai voltar atrás.
Haverá mudança de voto na Segunda Turma?
Não muda. Mas o ministro Nunes Marques é sempre uma incógnita porque tem pouco tempo de Tribunal, não podemos nem supor.
Qual o prazo para o ministro Nunes Marques devolver o caso à pauta?
O regimento prevê um prazo. Nunca extravasei prazo. Nunca transformei pedido de vista em perdido de vista, de sentar em cima e manobrar. Juiz não pode manobrar, a não ser da direção de carro.
O tema se esgota na semana que vem?
Espero que ele observe o regimento interno quanto ao prazo que tem para estudar o processo. São duas semanas a partir daquela em que ele pediu vista. Na terça-feira da outra semana ele tem que devolver.
"É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil", disse, ao receber a reportagem em seu gabinete nesta quarta-feira (10)
Por Gustavo Uribe
Na entrevista, Mourão disse que faltou uma campanha dos governos federal e estaduais para conscientizar a população no combate à Covid-19. E que a disputa entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), atrapalhou.
"Essa pandemia foi usada politicamente tanto pelo nosso lado quanto pelas oposições. Esse uso político da pandemia é péssimo", disse.
Mourão ainda defendeu a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército, e disse que, de vez em quando, "puxa" sua orelha. “Digo: Faz mais e fala menos."
O Brasil atingiu a triste marca de 2.000 mortos por dia, 270 mil mortos, número que nenhum país gostaria de atingir. Os erros e omissões do governo não contribuíram para o cenário atual? É uma situação complicada de você dizer: "Se tivesse feito assim, tinha dado certo. E se tivesse feito assado, tinha dado certo". O que vejo nessa questão da pandemia é que faltou realmente uma campanha intensiva por parte não só do governo federal, mas também pelos demais entes federativos, de conscientização da população. A população tinha de se conscientizar das limitações que essa doença provoca.
Governador de São Paulo João Doria e a politização da vacina
O governo não errou ao demorar para comprar vacinas? A gente tem de analisar o que está ocorrendo no mundo. Todos os países estão com problema para adquirir imunizantes. Qual foi o nosso caso? Se apostou as fichas que a AstraZeneca, a vacina de Oxford, realmente conseguiria uma produção consistente e entregaria as nossas necessidades dentro de um cronograma que o Ministério da Saúde havia planejado. Ao mesmo tempo, teve a questão da vacina Coronavac. Não compraram?
E ainda tem essa questão aí da Pfizer e da Johnson & Johnson. Principalmente a da Pfizer, que tem gerado mais turbulência. O que soube, desde o primeiro momento em conversa com o ministro Eduardo Pazuello, era que as condições que a Pfizer colocava no contrato não aderiam à nossa legislação.
Mas, no caso da Pfizer, o governo recusou três ofertas. Houve uma falha de planejamento? Se apostou que a AstraZeneca, fabricada aqui por nós na Fiocruz, [faria] a coisa fluir normalmente. Então, acho que, talvez na análise, porque eu não participei disso aí, então só posso fazer ilações sobre isso, na análise que foi feita.
Pela visão de hoje, foi uma aposta equivocada. Não digo dessa forma. Uma coisa é a análise a posteriori. É que nem comentarista de futebol: “Se tivesse colocado fulano, o time teria ganho”. Então, tem de olhar quais eram os dados presentes naquele momento.
Mas o presidente não utiliza máscara e estimula aglomerações. A postura não contribuiu para esse cenário? Se o presidente tem capacidade para isso, ele está reeleito. Acho que aí vocês forçam uma barra. Se o presidente tem capacidade de arrastar 150 ou 160 milhões de pessoas para não usarem máscara e não lavarem as mãos, ele está reeleito, ele não precisa mais se preocupar. Eu acho que há uma forçação de barra em cima do comportamento do presidente.
O movimento de governadores com o Judiciário e o Legislativo em defesa de medidas de restrição não demonstra que o Executivo está isolado no combate à pandemia? Esse movimento interpreto como político. Essa pandemia foi usada politicamente tanto pelo nosso lado quanto pelas oposições. Isso foi até ruim. Esse uso político da pandemia é péssimo. Então, a gente tem de fazer o que é certo porque é certo. Não porque vou ter dividendos políticos na frente. Então, [essa disputa] está muito centrada na dicotomia entre o presidente e o governador de São Paulo [João Doria].
Essa dicotomia atrapalhou as medidas contra o coronavírus? Acho que atrapalhou, porque como hoje, fruto do que se vive no mundo inteiro, a gente vive em um clima de disputa. E é realçado pelo papel que as redes sociais têm.
O presidente deveria se vacinar para dar um bom exemplo? O presidente tem a mesma visão que eu. Nós temos de nos vacinar quando chegar a nossa faixa etária. E não se vacinar na frente. Essa é a nossa visão.
O senhor vai se vacinar? Lógico que vou. Eu vou para a fila normal. Não vai vir ninguém aqui me vacinar não. Eu vou na fila do drive-thru.
O presidente diz que não tomou uma decisão ainda. Ele vai. A mãe dele já foi vacinada. Lógico que ele vai.
A Folha mostrou 11 indícios de que o Ministério da Saúde sabia da situação de Manaus. Causa constrangimento para as Forças Armadas ter um general da ativa causando tantos equívocos de gestão? Quem tem experiência de gestão em uma situação dessas aí? Ninguém. O pessoal costuma enaltecer ministros que saíram, mas não enfrentaram isso aí. A Saúde não é um ministério simples. Vamos lembrar que é um ministério que, ao longo dos últimos anos, se notabilizou mais pelos escândalos de corrupção. O general Pazuello conheço há bastante tempo. É um bom planejador e tem uma boa capacidade.
O senhor tem falado com o ministro? De vez em quando dou uma puxada de orelha nele.
Que puxada de orelha? Eu digo: "Faz mais e fala menos". Mais ou menos assim.
O senhor teve Covid. Como foi a experiência? Quais remédios tomou? Annita, hidroxicloroquina e azitromicina.
Mas eles não têm comprovação científica, eficácia comprovada. Eles fizeram efeito comigo.
Mas como o senhor sabe que foram eles que fizeram efeito? Não tomei mais nada além disso. E vitamina D e zinco também. Tive dor de cabeça e febre durante dois dias e diarreia durante cinco dias. Morreu o assunto.
Ex-presidente Lula
A vacina é hoje a prioridade do governo? Desde o começo, não tenho dúvidas de que a vacina é a solução para que a gente, em primeiro lugar, proteja a saúde das pessoas. E, em segundo, assegure a retomada da economia e do nosso modo de vida. A minha avaliação é a de que vamos chegar ao final do ano com 120 ou 130 milhões de pessoas vacinadas.
Uma candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preocupa o governo federal? Não. Todo mundo pode ser candidato. Quanto ao ex-presidente Lula, nem me preocupo. Podem anular o processo, podem mudar o juiz do jogo, mas uma coisa para mim é clara. O ex-presidente Lula foi condenado em três instâncias por corrupção. Isso aí não muda.
Há um risco de ruptura institucional se o Lula ganhar a eleição em 2022? Em absoluto. É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil.
Qual a avaliação do senhor sobre a decisão do ministro Edson Fachin? O equilíbrio de Poderes na nossa democracia está rompido. O Judiciário está com um poder acima dos outros dois e, consequentemente, isso leva a uma instabilidade jurídica. Estamos vendo isso acontecer.
Haverá uma polarização entre Bolsonaro e Lula em 2022? Tem muita espuma nesse chope. Tem de dar uma decantada nesse chope. Ele está com quatro dedos de espuma e ainda não chegamos no líquido.
O general da reserva Luiz Rocha Paiva criticou a decisão do ministro Fachin e disse que, a continuar nesse rumo, chegaremos ao ponto de uma ruptura institucional. A tese tem apoio nas Forças Armadas? Não respondo pelas Forças Armadas. Eu estou fora. O que o Rocha Paiva coloca não é que tem algo a ver com as Forças Armadas. O Rocha Paiva é um pensador, um sujeito que tem uma capacidade intelectual extremamente acima da média.
O que ocorre é que quando você começa a tomar determinadas decisões, especificamente em cima de processos judiciais, o que ocorre lamentavelmente no Brasil: quem tem bons advogados e dinheiro não vai ser condenado. É um processo que estamos vendo. Isso gera insegurança. E qual o pensamento da população em geral? É que os maganos, como diz o Elio Gaspari, estão protegidos e a escumalha vai para a cadeia.
Nesta semana, o presidente usou a expressão “meu Exército”. É uma ameaça à democracia? Acho que isso é um troço muito mal interpretado. Não há nenhum pronunciamento dos comandantes das Forças Armadas. O presidente é o comandante constitucional das Forças Armadas. Mas quem dá a ordem no dia a dia dos quartéis são generais, coronéis e capitães. Dessa turma, você ouviu alguém falar alguma coisa? Não.
Não vejo no presidente vontade nenhuma de chegar e dizer: "Nós vamos derrubar isso aí". Agora, por outro lado, já vi alguns formadores de opinião já há algum tempo buscando atacar as Forças Armadas dizendo: “E aí, vocês não vão fazer nada? Vão aceitar o que o presidente está fazendo?”. Ou seja, a ruptura feita pelas Forças Armadas para colocar o presidente para fora serve?
O Alto Comando do Exército. O colegiado é composto por 16 generais quatro estrelas
É que o episódio da mensagem divulgada em 2018 pelo ex-comandante Eduardo Villas Bôas criou um fantasma sobre o assunto. Vamos olhar o seguinte. O comandante do Exército era o general Villas Bôas em 2018. Eu não estava mais na ativa. Não acredito que ele tenha reunido todo o Alto Comando para discutir aquele assunto. Ele pode ter falado com os assessores mais próximos, como o chefe do Estado-Maior do Exército. E emitiu aquele tuíte que, para mim, não teve nada de mais. Simplesmente um chamamento à razão.
É papel do chefe do Exército dar opiniões políticas? O comandante do Exército é o representante político do Exército. Os demais não. O Exército não é apolítico, é apartidário. O Exército tem de fazer política. Óbvio que a política em tornos dos interesses nacionais e, em particular, dele, do Exército.
Como está a relação do senhor com o presidente? Falei com o presidente na semana passada, quando apresentei o trabalho que foi feito pelo Conselho Nacional da Amazônia e, mais ainda, o planejamento para 2021 e 2022 a partir do momento em que a Operação Verde Brasil 2 vai terminar. Ainda conversamos mais um pouco de assuntos de caráter geral e pronto.
O presidente tem excluído o senhor de reuniões com ministros. O vice-presidente não faz parte da cadeia executiva do país. Está escrito na Constituição. Não é presidente, vice-presidente e ministros. A Constituição diz que o presidente exerce o Poder Executivo por meio de seus ministros. E outro artigo mostra o papel do vice-presidente, que é substituir o presidente nos afastamentos eventuais dele e ficar em condições de cumprir alguma missão que o presidente lhe der.
O senhor não se sente excluído? Em absoluto. É aquela história: aos 67 anos de idade, não vou ficar: “Pô, não me chamaram para o play”.
O Congresso compara a relação do senhor com Bolsonaro com a relação que a ex-presidente Dilma Rousseff tinha com o seu vice-presidente Michel Temer. Não, acho que não. Essa relação era muito pior. A Dilma era muito mais agressiva. O presidente Bolsonaro não é agressivo comigo.
Nos bastidores, fala-se que o presidente quer outro candidato a vice para a disputa à reeleição. Os senhores já trataram do assunto? Não. Nunca houve uma conversa nesse sentido. Tudo são especulações que saem daqui para lá ou algum arauto que vem e avisa. Então, estou aguardando o que vai acontecer para eu tomar minha decisão se vou continuar na vida política ou não.
E o que pretende fazer se sair da política? Cuidar da minha vida.
Antonio Hamilton Martins Mourão, 67
Vice-presidente da República e general da reserva do Exército, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras. Em sua carreira militar, cumpriu missão de paz em Angola, atuou como adido militar na embaixada do Brasil na Venezuela e foi Comandante Militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na carreira política
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse nesta segunda-feira (15), em entrevista à BBC News Brasil, que a Operação Lava Jato "apoiou a eleição de Jair Bolsonaro", "tentou interferir" no resultado eleitoral e "agiu para perturbar o país" durante a gestão de Michel Temer.
Da BBC Brasil
Perto de liberar para julgamento a ação em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede a anulação da sua condenação no caso do Tríplex do Guarujá, Gilmar Mendes afirmou também que o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro "fez tudo o que não condiz" com o que se espera da relação entre juiz e Ministério Público numa investigação criminal.
O julgamento do recurso de Lula teve início em dezembro de 2018 e foi interrompido por um pedido de vista de Mendes. Na época, dois ministros chegaram a votar contra o pedido do ex-presidente: o relator Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia. Segundo Mendes, o caso será liberado para votação neste semestre.
Na ação, a defesa de Lula questiona a imparcialidade de Moro e cita como uma das provas disso o fato de o juiz ter aceitado ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
Moro foi o primeiro a condenar Lula, em 2017, no processo em que o ex-presidente é acusado de ter recebido a propriedade de um tríplex no Guarujá da empreiteira OAS como parte de propina em troca de contratos da empresa com a Petrobras. Depois a condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"A Lava Jato tinha candidato e tinha programa no processo eleitoral", disse Mendes à BBC News Brasil.
"Primeiro a Lava Jato atua na prisão do Lula. Prestes à eleição, a Lava Jato divulga o chamado depoimento ou delação do Palocci, tentando influenciar o processo eleitoral. Depois, o Moro vai para o governo Bolsonaro, portanto eles não só apoiaram como depois passam a integrar o governo Bolsonaro", exemplificou o ministro.
Questionado se uma eventual anulação da condenação de Lula não poderia gerar efeito cascata, beneficiando os demais réus da Lava Jato, o ministro do STF disse que cada caso será analisado individualmente.
Ele destacou, porém, que condenações que se basearam na colaboração informal entre procuradores da Lava Jato e autoridades estrangeiras podem ser reavaliadas. E disse haver "indicações de que houve vícios nos acordos de delação premiada e induções de declarações" dos réus na Lava Jato.
Sobre a pandemia de coronavírus, Gilmar Mendes afirmou que, em parte, o elevado número de mortes se deve à ausência de coordenação entre o Executivo Federal e governos estaduais, por causa de "crenças que dominavam o governo federal", como a rejeição de medidas de isolamento social.
Apesar disso, o ministro disse não achar que seria "salutar" para o país abrir processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Mais de 60 pedidos foram protocolados no Congresso Nacional, mas a decisão sobre abertura cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), aliado de Bolsonaro.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Ministro, vamos começar falando de Lava Jato. Qual a sua opinião sobre o fim da força-tarefa em Curitiba e a ida das investigações para a Gaeco, que é o departamento de combate à corrupção da procuradoria de justiça? É possível dizer que a Lava Jato morreu?
Gilmar Mendes - Não sei. Se nesse sentido se pode dizer que ela morreu. Alguns colegas seus disseram que ela morreu de morte assassinada. Eu digo que, pelos exageros que se vem divulgando, se houve esse tipo de evento, talvez a gente deva dizer que ela cometeu suicídio.
Mas o que aconteceu é que o novo procurador-geral achou por bem fazer uma integração institucional e evitar esse trabalho de grupos autônomos, evitando aquilo que parece ter sido o mal da Lava Jato, o total descolamento da estrutura institucional existente.
BBC News Brasil - Se houve, como o senhor diz, um total descolamento da estrutura vigente, a PGR e o STF, como instituições de resguardo da Constituição, não deveriam ter freado esses avanços de alguma maneira há mais tempo?
Mendes - Eu acho que a PGR talvez não tivesse naquele momento condições. Ela estava no mesmo ritmo da Lava Jato. Você vai se lembrar que a PGR, naqueles anos anteriores, era gerida pelo procurador (Rodrigo) Janot. Aquele que disse que sofria de vários problemas para a direção de toda essa temática, inclusive do vício do alcoolismo. Então, a PGR não me parece que era o órgão adequado.
E o Supremo recebia esses processos na medida em que eles lá chegavam. Normalmente, ações dos réus e pedidos de abertura de inquéritos por parte do PGR. Acredito que, em algum momento, foram sendo colocados limites às chamadas prisões alongadas de Curitiba. Fomos discutindo acordos, o modus operandi. Isso foi se dando no tempo.
BBC News Brasil - Então, o sr. não enxerga falhas do Supremo na condução dos processos da Lava Jato?
Mendes - Não, acho que há falhas sim, há falhas. Inicialmente o relator era o ministro Teori (Zavascki, morto em 2017) e depois ficou responsável o ministro Fachin. Talvez aqui há falhas, talvez até da distribuição dos processos. Saber se tudo deveria ter ido para Curitiba ou se tudo que foi para Curitiba tinha a ver com corrupção na Petrobras.
Muitas discussões em torno desse assunto foram sendo amadurecidas no tempo. Também os acordos eram matéria muito nova. Hoje já aparecem indicações de que houve vícios nos acordos, vícios de vontade, induções de declarações. Isso tudo não era acompanhado diuturnamente pelo tribunal. A supervisão cabia à Procuradoria-Geral, que estava com graves problemas de governança.
BBC News Brasil - O sr. especificamente faria algo diferente olhando para trás nas decisões que tomou com relação à Lava Jato?
Mendes - Não, não vejo porque ter alguma decisão diferente. Fiquei vencido muitas vezes na turma em relação à matéria, por exemplo, das prisões alongadas, no julgamento da turma. A turma decidia manter as prisões… Prisões que muitas vezes resultavam em delações. Acho isso errado. Isso precisa ser discutido. Mas foram as decisões que puderam ser tomadas naquele momento.
BBC News Brasil - O sr. tem em mãos o processo do ex-presidente Lula em que ele pede a anulação da condenação, alegando parcialidade do juiz Sergio Moro. Que fatos relevantes ou graves o senhor observa nesse caso?
Mendes - Há muita discussão sobre uma atividade de promotor do juiz Moro. E a atividade de cooperação entre ele e a força-tarefa, a condução proativa que ele fazia do processo, os limites que ele impunha à defesa. E a defesa está tentando caracterizar tudo isso como elementos de suspeição, a inexistência de um juiz imparcial.
É isso que vamos examinar. Agora surgiram essas mensagens da internet e essa será uma possível discussão. Saber se isso (mensagens vazadas entre procuradores e o juiz Sérgio Moro) pode ser utilizado nesse processo.
Mas o que se vê claramente é uma cooperação bastante grande entre o juiz Sergio Moro e o promotor. Moro, por exemplo, pedindo para ter conhecimento antecipado sobre a denúncia, ou Moro dizendo que uma determinada testemunha deve depor desta ou daquela forma. Ou que eventual apelação à decisão dele deveria ser submetido a ele. Portanto, tudo o que de fato não condiz com a relação entre promotor e juiz.
BBC News Brasil- Em caso de anulação da condenação, qual o efeito disso para os outros processos envolvendo o ex-presidente Lula e outros condenados na Operação Lava Jato?
Mendes - Isso terá efeito sobre esse caso que está no Supremo, que é o caso do Tríplex. Qualquer outro debate ou discussão terá que ser feito em processo próprio. Há muitas discussões sobre esse assunto. Hoje, por exemplo, se fala numa cooperação internacional informal que havia entre os membros da Lava Jato e determinados integrante de instituições na Suíça e nos Estados Unidos, sem o devido processo legal. Saber se, nos casos em que houve condenação, se houve essa cooperação, pode ser relevante para esses casos também.
BBC News Brasil - O sr. já disse algumas vezes considerar que o ex-juiz Sergio Moro comandou a Lava Jato. Se é fixado esse entendimento no julgamento da ação de Lula, não é razoável supor que outros réus possam encarar isso como uma oportunidade para pedir anulações de seus próprios processos, criando uma cadeia de anulações?
Mendes - Acho que cada caso será um caso. E isso terá que ser examinado. Acho que será examinado ao seu tempo e modo para mostrar que havia um juiz não imparcial lá em Curitiba. Isso cada parte terá que suscitar. Houve vários casos de acordos, cooperações, leniências. Há muitas questões envolvidas. Eu prefiro me limitar a fazer análise casuística. Nós estamos a analisar no Supremo o caso do Tríplex. Qualquer conclusão que extrapole terá que ser analisada em outras instâncias ou vir para processos do Supremo.
BBC News Brasil - Agora, para além da discussão dos métodos, existem evidências que mostram a existência de um grande esquema de corrupção na Petrobras com participação de empresários e políticos de peso. No geral, qual o legado que fica da Lava Jato, considerando métodos e resultado?
Mendes - Vamos ter que examinar o que ao fim e ao cabo ficará em termos de resultado. Sem dúvida nenhuma a Lava Jato é uma iniciativa importante num contexto de grave corrupção política. Isso é mérito da Lava Jato e de outras operações de combate à corrupção. Mas a Lava Jato pretendeu se tornar algo mais que isso. Pretendeu se tornar um movimento político, senão até um partido político. Ela pretendeu fazer reformas institucionais.
Você se lembra das chamadas 10 medidas contra a corrupção, onde ela dizia que até mesmo prova ilícita deveria ser reconhecida em determinados casos. Agora, o que se coloca sobre esse material (troca de mensagens entre procuradores e Moro), esse produto do hackeamento é curioso, porque eles (procuradores da Lava Jato) dizem que esses documentos não podem ser utilizados porque resultam de prova ilícita.
Agora, muitas coisas mudaram. Por exemplo, a proibição do financiamento de campanha com doação das empresas. Isso acabou. Isso foi uma decisão do Supremo e hoje a doação se faz pela pessoa física ou financiamento público. Portanto, se formos olhar em termos de legado, não exclusivamente da Lava Jato, é que temos uma melhoria do financiamento do sistema político.
BBC News Brasil - O sr. já disse que o lavajatismo ou a Lava Jato foi a mãe do bolsonarismo. Eu queria entender como foi essa gestação, na sua opinião?
Mendes - Se nós olharmos, a Lava Jato tinha candidato e tinha programa no processo eleitoral. E atuou, inclusive, para perturbar o Brasil em termos institucionais. Veja, por exemplo, no caso da Presidência do presidente Temer, aquela operação ligada à JBS e ao procurador Janot.
Ali notoriamente se tratava de uma iniciativa para derrubar o governo. Era uma ação política em que se dizia que o presidente da República estava tolerando corrupção do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Ali se via que era não só uma ação policial, mas uma ação política. Depois a Lava Jato atua na prisão do Lula. Depois, prestes à eleição, divulga o chamado depoimento ou delação do Palocci, tentando influenciar o processo eleitoral, depois o Moro vai para o governo Bolsonaro… Portanto eles não só apoiaram como depois passam a integrar o governo Bolsonaro. Tudo isso indica uma identidade programática entre o movimento e o bolsonarismo.
BBC News Brasil - Cientistas políticos dizem que o bolsonarismo se alimenta do antipetismo. O senhor já fez algumas declarações emblemáticas sobre o PT, como quando disse que o partido instalou a cleptocracia no comando do país e quando barrou posse de Lula como ministro da Casa Civil. O sr. se consideraria um dos pais do sentimento anti-PT?
Gilmar Mendes - Não, de maneira nenhuma. Vocês que acompanham a mídia brasileira sabem que eu tive um papel bastante crítico em relação ao PT. Eu ecoei em relação a vários atos do PT reservas ou manifestei a necessidade de resistência. E também fiz várias críticas a todo esse modelo de financiamento que já aparece no mensalão. Não me parece que haja nada de anormal aqui. Eu venho de uma formação liberal e guardava reservas em relação a isto.
Defesa de Lula argumenta que Moro não agiu com imparcialidade na condução do processo contra o petista© REUTERS/Amanda Perobelli Defesa de Lula argumenta que Moro não agiu com imparcialidade na condução do processo contra o petista
Agora, também sempre reputei, pelo menos no início, que a Operação Lava Jato cumpria um papel de combate à corrupção pontual que se desenhava, mas a partir do momento em que ela se converteu num movimento político e passou a usar o processo-crime para definir eleições, eu passei também a fazer críticas. Como fiz também críticas às prisões alongadas de Curitiba.
Então, se existem críticas ao PT, ele parte dos segmentos os mais diversos, mas o lavajatismo o envolve de maneira particular. O lavajatismo pretende se tornar um tipo de corrente política, portanto, de longe, não é o papel que eu desempenhava.
BBC News Brasil - Mudando de assunto, vamos falar de pandemia. O Brasil alcançou ontem a maior média diária de mortes desde o início da crise. Nós vimos recentemente o caos em Manaus, com a falta de oxigênio. Por outro lado, a vacinação começou. Qual a sua avalição da gestão que o governo federal fez dessa pandemia?
Mendes - Temos que olhar sob uma perspectiva múltipla. Tenho impressão de que na relação entre o governo federal e as unidades federadas, Estados e municípios, isso teve um certo caráter caótico, inclusive com as mensagens que se passavam de que era possível ter um tratamento precoce, e aí vem todas essas questões que se conhece, uso de cloroquina, ivermectina, que eram difundidas pelo governo.
Temos um número muito impressionante de mortos, 200 mil. Isso talvez pudesse ter sido melhor encaminhado, se tivéssemos uma melhor coordenação entre os entes. Não tivemos e isso ocorreu por algumas crenças que dominavam o governo federal. Isso fica evidente.
Mendes atribuiu número alto de mortes na pandemia à falta de coordenação entre governo federal e Estados© Reuters Mendes atribuiu número alto de mortes na pandemia à falta de coordenação entre governo federal e Estados
Mas, de alguma forma, conseguimos coordenar o processo. E o papel do Supremo foi bastante marcante ao definir responsabilidades e dizer que a União não poderia interferir nas ações sanitárias dos Estados e municípios. Acho que isso foi bastante positivo. E agora estamos diante desse segundo dilema que é a da vacinação. Já temos 5 milhões de vacinados, mas faltam materiais. Temos que fabricar mais, importar mais, uma vez que o sistema do SUS de imunização parece ser muito efetivo.
BBC News Brasil - Justamente essa decisão do Supremo tem sido usada pelo presidente Bolsonaro como argumento para dizer que governo federal não poderia ter feito mais pelo Estado do Amazonas e por Manaus, especificamente. Como o sr. responde a essa afirmação?
Mendes - Acho que é um equívoco. O Supremo nunca impediu a União de atuar. O que o Supremo impediu é que a União tumultuasse as políticas que estavam sendo utilizadas. Dando um exemplo: muitas vezes a Presidência baixava decretos dizendo que algumas atividades eram essenciais e não podiam ser restringidas, como atividades de culto, de comércio e lotérica, atividade de prestação de serviços de cabelereiro e barbeiro.
O Supremo disse que, se essa matéria estiver sob a responsabilidade de Estados e municípios, são eles que devem identificar as atividades essenciais. Portanto, fez um tipo de bloqueio das ações do governo que tumultuavam a política do isolamento social.
A questão de Manaus é toda peculiar. Lá chegou a faltar oxigênio e o que se diz é que o governo e a prefeitura teriam avisado ao Ministério da Saúde da gravidade da situação lá e não teria havido a necessária atenção. Há uma investigação do Ministério Público sobre isso e um inquérito envolvendo o ministro (Eduardo) Pazuello, da Saúde.
BBC News Brasil - Qual a sua opinião sobre a indicação da deputada Bia Kicis para o comando da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara? Ela é uma das investigadas no inquérito das fake news do Supremo por supostamente usar o orçamento de sua cota parlamentar para espalhar mensagens a favor de manifestações que pediam o fechamento do STF. O que essa indicação pode significar para a relação do STF com o Congresso?
Mendes - Eu prefiro não responder a essa pergunta porque acho que a Câmara saberá bem encaminhar a temática.
BBC News Brasil - Sobre o caso das "rachadinhas", o sr. suspendeu julgamento no Órgão especial do TJ do RJ sobre a competência para o julgamento do envolvimento do senador Flávio Bolsonaro. Quando o Supremo deve decidir a competência para julgar esse processo?
Mendes - Isso deve acontecer ainda nesse semestre.
BBC News Brasil - Nos últimos meses, Bolsonaro editou quatro decretos que flexibilizam o acesso a armas no Brasil. Qual sua opinião sobre uso de decreto para modificar regras sobre porte de armas?
Mendes - Vamos aguardar. Esse é um tema sobre o qual o Congresso deve se debruçar. Já houve algumas discussões nesse âmbito no Congresso Nacional. Inclusive, suspensões de medidas tomadas pelo Executivo e certamente esses decretos lançados pelo presidente serão submetidos ao Supremo. Algum partido de oposição deve pedir a análise dessa temática.
O presidente Jair Bolsonaro saiu vitorioso com as eleições de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) às presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, respectivamente.
Por Guilherme Mendes
Mas o poder Executivo conseguirá atender e manter em sua base os 302 deputados federais e 57 senadores que apoiaram os candidatos pró-Bolsonaro no Congresso Nacional? Para o presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Marcos Nobre, a resposta é não.
A partir de agora, a expectativa é que a base governista murche nas duas casas. Na Câmara, onde Lira foi eleito com um forte apoio de emendas do governo federal, poderá ocorrer o que o professor chamou de "um jogo de chantagem mútua" entre o alagoano e o capitão do Exército brasileiro.
A vitória dos dois nomes pró-bolsonarismo nas casas, segundo Marcos Nobre, se deu por uma estratégia de criar dissidências não mais entre partidos, mas dentro de legendas estratégicas – o que prejudicou Baleia Rossi (MDB-SP), o candidato apoiado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), desafeto do presidente.
Com isso, nenhuma carta pode ainda ser descartada – caso do impeachment. "Na mesa o impeachment está. A questão é saber se ele é viável ou não", avaliou o professor e pesquisador, em conversa nesta terça-feira (2) com o Congresso em Foco.
Nobre, que estuda o Congresso e é um dos maiores especialistas em "Centrão", escreveu sobre o modo de governar de Bolsonaro em "Ponto Final", lançado em 2020 pela editora Todavia. O professor, que preside o think tank desde 2019, também comentou a possibilidade de uma "frente ampla" em 2022 e como este movimento ainda é incipiente no jogo político brasileiro.
Leia a entrevista a seguir:
Congresso em Foco: Quem realmente venceu as eleições do Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado?
Marcos Nobre: O jeito mais fácil de dizer isso é: "Bolsonaro não foi derrotado na eleição", porque a vitória vai depender de como ele vai lidar com a vitória, o que ele fará com ela. Acho que é uma coisa bastante evidente que ele não vai conseguir cumprir todas as promessas que o candidato Arthur Lira fez. Arthur Lira fez uma quantidade de promessas de cargos, verbas e recursos governamentais que não vai ser possível honrar simplesmente. Para se eleger, Arthur Lira vendeu terreno na Lua.
O que acontecerá é que haverá uma acomodação daqui pra frente e ela significa basicamente o seguinte: vai ser escolhida, no futuro, qual ser a real base que Bolsonaro poderá ter no Congresso. Quais serão os deputados e senadores que serão efetivamente atendidos pelo governo, e aqueles deputados e senadores que não serão atendidos pelo governo nas promessas que foram feitas por Arthur Lira e pela equipe ministerial que estava negociando a eleição na Câmara e no Senado. Bolsonaro ganhou tempo, que é algo que ele vem fazendo desde o no passado. Cada seis meses que ele consegue ganhar, são seis meses a mais, e seis meses mais perto da eleição de 2022, que é o objetivo dele: chegar na eleição de 2022 competitivo.
O quão natural foi essa base construída pelo Arthur Lira e que problemas ela pode trazer no futuro para o novo presidente da Câmara e para Bolsonaro? Seriam problemas no curto prazo?
Problema vai trazer – a questão é a dimensão do problema. Temos que lembrar o seguinte: não tendo mais financiamento privado de campanha, desde 2018, se há recursos e verbas do governo federal, ministérios, cargos – e isso faz muita diferença, em termos eleitorais. Isso é o único recurso que está disponível além do fundo eleitoral e partidário. Quem tem acesso ao governo tem uma vantagem muito grande em termos de financiamento. E já pudemos ver isso já nas eleições municipais de 2020. O acordo feito ali por volta de abril, maio de 2020, do Bolsonaro com o centrão, foi sacramento em um primeiro momento nas eleições municipais e em um segundo momento na eleição do Arthur Lira. Faz muita diferença.
Mas é óbvio que não há recursos e cargos para 302 deputados, e que não há recurso para 57 senadores. A partir de agora, tanto governo quanto Arthur Lira vão ter que decidir quem realmente vai fazer parte da base, e é uma base que precisa ter por volta de 200 deputados. Isso para que um processo de impeachment não seja aberto – se precisa de certa folga dos 171 necessários. Ou seja, um pouco mais de 100 deputados vão ficar insatisfeitos porque não receberão o que foi prometido. Vai ser entre os dois [Bolsonaro e Lira] e vai ser um jogo de chantagem mútua permanente. Assim se estabelecerá quem dos 302 deputados fará parte do consórcio governamental.
Com os novos comandos do Congresso, como ficam os pedidos de impeachment? Sairão da gaveta?
Quem teria de tirar a carta do impeachment da mesa são as forças políticas em geral e a sociedade – e isso eu não vejo ser retirado. Outra coisa diferente é qual a possibilidade de ocorrer o impeachment. Na mesa o impeachment está. A questão é saber se ele é viável ou não.
Ele só será viável se a rejeição a Bolsonaro atingir índices muito expressivos, alguma coisa como dois terços do eleitorado. Se você chegar num índice de rejeição desse tipo, o impeachment se torna politicamente viável. Significa não só diminuir a taxa de aprovação a Bolsonaro, a sua base de apoio na sociedade, mas também aumentar a rejeição. Não basta a pessoa passar para o grupo do nem-nem, que nem rejeita nem aprova: há que se ter de fato um caminho firme para desaprovação e uma perda do ótimo ou bom. Essa é a primeira condição.
Mesmo assim, tendo Arthur Lira na presidência da Câmara, mesmo que um movimento intenso de rejeição se forme na sociedade, Bolsonaro sabe que tem, com o Arthur Lira, ainda uma oferta – que o Lira é capaz de segurar o impeachment por algum tempo, não por muito tempo, mesmo que haja uma altíssima rejeição da sociedade. Vamos deixar isso claro: ou o impeachment é aberto até agosto, setembro no máximo, ou ele não acontecerá. A partir de outubro, já é eleição de 2022, e dificilmente o impeachment acontece – a menos que tenha uma catástrofe ainda maior do que estamos vivendo, que é difícil de imaginar. Impeachment exige estratégia – e até agora não existe uma estratégia coordenada das forças políticas por isso. Existem iniciativas isoladas, mas não coordenadas.
A eleição nas duas Casas se concentrou em figuras do MDB, DEM e PP. Foi uma disputa de "centrões", ou havia uma oposição batalhando por poder dentro das duas casas?
As duas coisas não se excluem. "O centrão são muitos" – e ele rachou. O MDB deu origem ao termo que eu criei do "peemedebismo", que cumpriu esse papel de líder do cartel de venda de apoio parlamentar até 2018. E o "emedebismo" continua, mesmo que o PMDB não seja mais o partido líder desse cartel e nem tenha mais esse nome.
As eleições municipais já mostraram que tinha um racha, e já reproduziram um centrão do racha importante. Se tinha uma parte que decidiu apoiar um governo de extrema-direita e um presidente de extrema-direita. Tem uma parte do centrão que resolveu se organizar independentemente do governo Bolsonaro – o que poderíamos chamar de "direita tradicional"– e havia a esquerda, que embora não tenha se organizado como um campo de programa único ou com articulação suficiente, é considerado um campo.
Essa foi a grande derrota dessa eleição: a direita tradicional tentando se organizar independente do Bolsonaro foi um projeto que recebeu um duro golpe nessa eleição para Câmara, especialmente pelo número de votos, pela falta de real competitividade do candidato Baleia Rossi.
Vamos ver o que vai acontecer porque o Arthur Lira e o governo bolsonaro não vão poder cumprir tudo o que prometeram e vai haver muita gente insatisfeita e muitas perderão e, já que não farão parte do governo, irão se juntar à direita tradicional, se desgarrando da base de apoio de um presidente de extrema-direita. Isso pode sim acontecer.
Ao mesmo tempo, os rachas que ocorreram não foi entre partidos, mas dentro dos próprios partidos, e essa foi a estratégia do Arthur Lira e do governo Bolsonaro para minar as chances do Baleia Rossi. Você mencionou o Rodrigo Pacheco: a primeira grande jogada do governo Bolsonaro não foi apoiar o Arthur Lira, mas sim apoiar o Rodrigo Pacheco porque, com isso, eles racharam o DEM, transformando o Rodrigo Pacheco no candidato do Bolsonaro e enfraquecendo o Maia na Câmara. A segunda grande jogada foi entrar em todos os partidos, começando pelo DEM, e rachar os partidos. Rachar o PSL, o MDB e assim por diante.
Como fica o MDB?
Este é o resultado mais importante dessa eleição. No caso do MDB, há que se ver que no Senado há uma enorme bancada, mas que na Câmara ele é um partido pequeno – ou melhor, um partido médio porque todo mundo tem o mesmo tamanho. Agora o MDB também mudou de papel: se ele vai aderir à base que vai ser formada de apoio ao governo Bolsonaro ou se ele tentará continuar unido a esta direita tradicional é o que teremos de ver.
Tem um lado onde o Bolsonaro chama o Michel Temer para o governo dele – portanto, rachando o MDB – e ao mesmo tempo há o Baleia Rossi de independência em relação ao Bolsonaro. Precisamos ver quem é que ficará insatisfeito, e qual será a lógica do governo e do Arthur Lira para estabelecer a lista dos insatisfeitos. Se será uma coisa partidária ou transpartidária, no sentido de aprofundar rachas internos nos partidos.
A gente ouviu o conceito de "frente ampla" na candidatura do Baleia Rossi – uma frente que foi se desmanchando no ar até o dia da eleição. Quais lições esse caso dá para 2022?
Caracterizar a atuação dos partidos do Congresso, nessas eleições para mesa diretora, como "Frente ampla", não faz muito sentido – porque no Senado ela não se repetiu. Para começar, se é frente ampla, ela tinha que ser coerente nas duas Casas, e ela não foi.
Em relação à ideia de frente ampla, precisa-se fazer algumas distinções importantes: ela pode ser o resultado de uma movimentação pelo impeachment. Por exemplo: se houver um crescimento exponencial da rejeição ao governo Bolsonaro, essa frente ampla pode se reformar para organizar o impeachment.
Em 2022, uma frente ampla não pode ser uma frente eleitoral, onde se haverá uma candidatura única anti-Bolsonaro. Não há nenhum cenário onde isso seja possível. Uma frente ampla em 2022 só pode ter um efeito eleitoral se houver um acordo de todas as candidaturas não-bolsonaristas de apoio a uma candidatura do campo democrático no segundo turno, seja ela qual for, que venha a enfrentar o presidente. Se o Bolsonaro chegar ao segundo turno em 2022, quem quer que chegue com ele lá deve receber o apoio de todas essas forças anti-Bolsonaro, já que a frente ampla é contra ele.
Como isso se forma ou não se forma: se houver, primeiro, a sociedade decidir rejeitar Bolsonaro em índices realmente muito elevados. E se houver uma estratégia, uma coordenação e uma ação conjunta dessas forças políticas diferentes. Que elas decidam fazer essa frente ampla tanto para proceder o impeachment do Bolsonaro tanto para ter esse efeito na eleição de 2022.
Sob quais condições essa frente nasceria?
Tanto no caso do impeachment do Bolsonaro quanto no caso de um acordo para o apoio de qualquer candidatura que venha a se opor o presidente no segundo turno, nestes dois casos é um acordo que não pode ser simplesmente formal, mas que deve ser em cima de alguns pontos mínimos programáticos.
Teria de ser uma regeneração das regras de convivência política no país, que desde 2014 foram abandonadas. Em nenhum momento, nenhuma força política hesitou em querer tirar a outra força política do jogo de maneira desleal. Este tipo de convivência política é fundamental por uma razão muito simples: a democracia só funciona não se alguém ganha, mas se alguém aceita perder.
A frente ampla, se ela vier um dia a se formar por pressão da sociedade – porque até o momento os partidos não estão decididos a fazer isso – ela tem que representar uma renegociação dos termos de convivência e de competição política no país, senão ela não tem sentido. Claro, isso é muito difícil. Esse processo de rasteiras, de golpes e quebra das regras de convivência política e de desrespeito criou muitas mágoas e dificuldades que talvez não sejam superáveis. E se elas não forem superáveis a frente ampla não se forma.
E há esse esforço hoje?
O que a gente vê hoje é que não há uma estratégia clara, por parte das forças não-bolsonaristas de ação conjunta. Isso não existe. Especificamente no caso da esquerda, o campo sequer consegue ter uma estratégia unificada contra Bolsonaro. Nem em termos programáticos, nem eleitorais, nem em ações concretas.
Há duas frentes que formam a frente ampla, a de esquerda e de direita (excluindo a extrema-direita e o apoio ao Bolsonaro) – mas cada um desses campos tem que se organizar por si mesmo e aí estas duas frentes negociariam entre si. Isso que seria uma frente ampla.