O ex-presidente da Câmara flerta com o PT e defende a ideia de que os partidos de centro rompam definitivamente com o governo Bolsonaro
DA REVISTA VEJA
Derrotado na tentativa de eleger seu sucessor para a presidência da Câmara dos Deputados e, de quebra, expulso do partido ao qual foi filiado por vinte anos, o DEM (que preferiu votar no candidato do governo, Arthur Lira), o deputado Rodrigo Maia, 51 anos, explica que deu um passo atrás nas suas pretensões políticas, com a intenção de avançar várias casas no futuro. Atrelado a dois objetivos — escolher uma sigla para se abrigar e perder os quilos que acumulou no comando da Câmara (chegou a 117, desfez-se de 5 e tem mais 20 a derreter) —, Maia se reposiciona no jogo político, ciente de que o desgaste da saída do DEM inviabilizou sua aspiração de ser o candidato do “centro liberal” à Presidência no ano que vem. Nesta entrevista a VEJA, que concedeu no apartamento do pai, Cesar Maia, no Rio de Janeiro, o deputado defende a ideia de que os partidos de centro rompam definitivamente com o governo Bolsonaro e flerta com o apoio a Lula em 2022.
O senhor esteve recentemente com o ex-presidente Lula. Alguma chance de apoiá-lo em 2022?
Posso ajudar, sim. Foi um bom encontro, com a presença do prefeito do Rio, o Eduardo Paes. Disse ao Lula que tenho grande interesse em conversar com ele sobre o Brasil. Acumulei experiência e conto com pessoas no meu entorno que também podem cooperar. Eu me aproximei da esquerda já durante o segundo mandato de Dilma Rousseff, para dar força à pauta econômica. Depois da queda do Eduardo Cunha, o PT me apoiou para conquistar a presidência da Câmara.
Então há chances de o senhor ir de Lula nas próximas eleições?
Algumas pessoas que foram ao almoço disseram que Lula gostou do papo, mas não acho que isso vá se desdobrar em uma aliança. Agora, esse tipo de aproximação é um aceno necessário nos tempos atuais: todos no campo democrático devem conversar. O Lula está praticamente no segundo turno, é favorito em 2022 e nós, do centro liberal, não podemos ficar de fora, precisamos tratar do futuro do país. As instituições provaram resiliência contra o autoritarismo do governo Bolsonaro, mas podem vir a se enfraquecer na hipótese de um segundo mandato.
Se o PT chamá-lo para aprofundar a conversa, o senhor vai?
Claro que eu vou. Acho que consigo coordenar um grupo de pessoas qualificadas. Pode ser no PSD, no PSDB ou até contribuindo com o pessoal do PT.
Nos bastidores, comenta-se que Eduardo Paes tende a fechar com Lula, mesmo havendo um candidato de centro. Procede?
O Eduardo tem uma relação muito próxima com o ex-presidente. O elo dos dois é tão forte que a probabilidade de apoio dele ao Lula ainda no primeiro turno não é pequena, caso o PSD, seu partido, não lance candidatura própria.
Como o centro vai conseguir ganhar espaço em um cenário tão polarizado entre Lula e Bolsonaro?
Primeiro, combatendo a tese de que é preciso oferecer uma candidatura alternativa às de Lula e Bolsonaro. Pesquisas recentes mostram que Lula tem lugar garantido. Já Bolsonaro, gira em torno de 23% das intenções de voto porque não surgiu ninguém com mais de 10%. O candidato para derrotar o petismo deve ser um nome capaz de tirar votos do presidente. E eles se concentram na extrema direita, em uma parte do segmento evangélico e no eleitor de classe média ressentido com a falta de perspectiva. A verdade é que Bolsonaro encolheu.
Qual seria esse nome ao centro capaz de subtrair votos do presidente?
Em um cenário em que Doria tem 5%, Mandetta, 3%, e Eduardo Leite, 2%, não se vê favorito. Precisamos reconstruir um partido ou um bloco que represente o centro liberal, espaço que estava vazio e foi ocupado por Bolsonaro em 2018. Seu DNA estatizante e reacionário, porém, não condiz com esse posicionamento. O que precisamos é juntar lideranças, inclusive jovens parlamentares, em torno de um projeto único. Caso lance três ou quatro candidatos, nosso campo corre sério risco de ficar fora do páreo. Foi o que aconteceu recentemente nas eleições do Peru, com o centro dividindo o eleitorado e morrendo na praia.
O senhor prega união, mas não há nesse espectro muito cacique para pouco voto?
Todo mundo acha que a construção de uma candidatura deve favorecer a si próprio. Vaidade sempre será um problema. Antes de tudo, precisamos reconhecer que é impossível chegar ao segundo turno sem São Paulo — não dá para excluir o governador João Doria do processo. Se daqui a seis meses Doria tiver recuperado a popularidade, é ele o candidato. Mas, dentro desse campo, outros devem participar, como Tasso Jereissati, Eduardo Leite, Rodrigo Pacheco e Luiz Henrique Mandetta.
O senhor incluiria Ciro Gomes nesse balaio?
A grande aliança para derrotar Lula e Bolsonaro passa, a meu ver, por um acordo entre PSDB e PDT. Só que, para isso, o Ciro precisa abrir mão de muita coisa que andou dizendo por aí, e também nós teremos de ceder para chegar a um ponto de equilíbrio. O discurso do centro está bonito, a carta conjunta assinada pelos pré-candidatos foi um passo importante, mas nada disso gerou certeza de união. Um fator que certamente atrapalha é a turma que se diz independente e insiste em apoiar o governo.
Em que medida isso é um freio de mão ao projeto de uma nova via?
Esse é o grande gargalo. Não haverá candidatura de centro em 2022 se os deputados continuarem a priorizar sua reeleição e a embarcar no bolsonarismo em troca de cargos e liberação de verbas — ou mesmo em nome de uma agenda liberal, que não existe.
A saída de Luciano Huck da corrida foi um baque?
Estive na casa dele há um mês, com o Paulo Hartung (ex-governador do Espírito Santo) e o Mandetta. Ali já estava claro que não seria candidato. Luciano tinha potencial para crescer no Nordeste e no voto popular, mas Lula ocupou esse lugar. E ainda havia à mesa a saída do Faustão da Globo, que abriu a janela profissional que ele sempre buscou. Seria um bom nome, mas é a segunda vez que deixa a gente na mão. Sabe o que está nos faltando? Alguém que faça o papel de aglutinador.
E quem seria?
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é o nome ideal, do tipo “pode confiar”, mas infelizmente não dá sinais de que vá participar do processo na medida em que gostaríamos.
Se o palanque ficar polarizado, uma banda do centro vai de Bolsonaro. E o senhor?
Conheço a experiência dos governos do PT e do Bolsonaro, com seus defeitos e acertos. Não tenho dúvidas de que estamos vivendo um chavismo de direita. Piora o quadro ter no tabuleiro um filho como o Flávio (Bolsonaro), que nomeia gente para todas as instâncias de poder, até para o Supremo. Isso eu não posso aceitar.
Como avalia a CPI da Pandemia?
É um tiro no coração do Bolsonaro. O escândalo das vacinas desmonta o discurso de que não há corrupção no governo. Mas é bom lembrar que um impeachment é movido por muitas variáveis, sendo a política a principal delas. E a relação do governo com sua base é boa. Pode ter certeza de que o Centrão não vai debandar só porque a avaliação do Bolsonaro anda baixa.
Foi por não enxergar um ambiente político favorável que o senhor não pautou nenhum dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro quando presidia a Câmara?
Exato. Não tinha voto para ganhar e cairia no primeiro recurso. Se do ponto de vista político não há espaço para o encaminhamento de um pedido desses, não tem por que avaliar seu mérito. Na verdade, o poder do presidente da Câmara em relação a um impeachment é tão ilimitado que isso acaba dificultando as coisas. Qualquer conversa nessa direção soa como vingança pessoal. Cunha abriu o processo contra Dilma apenas porque três deputados do PT votaram contra ele no Conselho de Ética.
A expulsão do DEM deixou mágoas?
Foi uma violência, uma decisão que mostra claramente quão autoritária é a origem do ACM Neto, o presidente do partido. Ele está muito mais próximo do Bolsonaro do que eu considero razoável. Não dá para entender: como mantém na sigla um senador que foi pego com dinheiro na cueca (Chico Rodrigues-RR) e pune alguém como eu, só por criticá-lo, “o pequeno Torquemada”? Já tinha pedido a minha desfiliação e ele poderia ter me suspendido das atribuições partidárias, mas fez questão de me expulsar.
ACM Neto afirma que não o traiu na eleição para presidência da Câmara, mas que o senhor insistia na candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) quando a bancada queria apoiar o Arthur Lira (PP-AL).
É mentira. Ele mandava os deputados assinar a lista do Lira para dizer que não tínhamos maioria e assim liberar a votação da bancada. Mas não é tão esperto quanto imagina. Os deputados depois vêm contar tudo. Essa suposta esperteza é do tamanho da altura dele: 1,30 metro. Por inveja, implodiu um movimento que poderia impulsionar um projeto nacional nas próximas eleições. Fiquei vinte anos construindo algo que foi destruído em duas semanas.
O senhor vai mesmo para o PSD, como foi ventilado?
Ainda não bati o martelo, vou dar um tempinho para avaliar, mas é o mais provável. Meu grupo político, que inclui o Eduardo Paes, foi para lá.
Na eleição para o governo do Rio, é realista pensar em um nome que lidere uma frente anti-Bolsonaro?
Não será nada fácil. A disputa para esse posto está entre o preferido de Eduardo Paes, o presidente da OAB Felipe Santa Cruz, e o Marcelo Freixo (PSB), que faz hoje suas costuras. O Lula acena para ambos. Quando isso acontece, ele quer dizer: “Unam-se”.
Depois de ser um dos homens mais importantes da República, como se sente longe do poder?
Venho de uma família de políticos e já vi a roda-gigante em cima e embaixo. É da vida. Tenho de me reorganizar, mas estou tranquilo. O que tive a chance de aprender na presidência da Câmara me dá muitos ativos para seguir firme no jogo do poder.
Vice-presidente deu declaração em entrevista à GloboNews nesta terça (22). Covid já matou mais de 500 mil brasileiros; 18 milhões de pessoas no país foram infectadas pela doença
Por G1 — Brasília
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou nesta terça-feira (22), em entrevista ao programa Roberto D'Avila, da GloboNews, que o "maior erro" do governo foi não ter feito campanha "firme" para orientar a população sobre a Covid. Mourão também elogiou o governo na pandemia, além de fazer críticas.
Segundo o consórcio de veículos de imprensa, com base em dados das secretarias estaduais de Saúde, o país soma cerca de 505 mil mortes pela doença, além de mais de 18 milhões de casos confirmados.
"Vou dizer para ti qual é o nosso maior erro. Na minha visão, a questão de comunicação, desde o ano passado, de campanhas de esclarecimento da população. Eu acho que este foi o grande erro: [não ter feito] uma campanha de esclarecimento firme, como tivemos no passado, de outras vacinas. Então, uma campanha de esclarecimento da população sobre a realidade da doença, orientações o tempo todo para a população", declarou Mourão.
"Eu acho que isso teria sido um trabalho eficiente do nosso governo", acrescentou.
Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro critica as medidas de prevenção da doença preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por entidades médicas nacionais e internacionais, entre as quais o uso de máscara e o distanciamento social.
Bolsonaro também defende o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid e diz ser "mais eficaz" para uma pessoa se contaminar do que tomar a vacina, tese rechaçada pela comunidade científica.
Questionado nesta terça se os "recados da parte de cima" do governo sobre a pandemia foram "trocados", Mourão disse que "todos procuraram fazer sua parte".
"O presidente tem a visão dele. Eu não coloco nas costas do presidente essas coisas que têm acontecido. Não é tudo nas costas dele. Cada tem a sua parcela de erro nesse pacote todo aí. É um país desigual: desigual regionalmente e desigual socioeconomicamente. É um país continental. Então, a gente olha outro país que sofreu tanto quanto a gente ainda continua com gente falecendo por essa doença, que são os Estados Unidos", declarou o vice-presidente.
Segundo o painel da OMS, os Estados Unidos somam 596 mil mortes, cerca de 90 mil a mais que o Brasil. Ainda conforme o painel da organização, os Estados Unidos já aplicaram 317,9 milhões de doses de vacina; o Brasil, 88,8 milhões.
CPI da Covid
No Senado, está em andamento uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia.
A CPI já recebeu, por exemplo, documentos que mostram que:
o governo gastou R$ 23 milhões com propaganda de tratamento ineficaz;
o governo desdenhou de ofertas de vacinas e insistiu em remédio ineficaz.
Outros temas
Saiba outros temas abordados por Mourão na entrevista
Forças Armadas: "Eu vejo comprometimento das Forças Armadas com a missão constitucional. Quando chega o conjunto, que é o que importa, eles estão com visão de que tem que estar voltado para suas ações de defesa da pátria. Garantir defesa da ordem quando acionados."
Eduardo Pazuello: "Pazuello, eu conheço, tenho apreço, me ajudou em momentos difíceis. O Pazuello deveria ter compreendido que estava em função política [quando ocupou o Ministério da Saúde], já tinha atingindo o patamar mais elevado [general] e era hora de ir para a reserva. Teria mais liberdade de manobra para trabalhar. É o ponto focal da questão."
Ricardo Salles: "Trabalhar com pessoas não é simples. [...] A função que tenho no conselho é para criar sinergia. Palavra-chave é 'cooperação'. Compete a mim fazer trabalho de conhecimento, dizer: 'Vamos agir da forma correta'".
Ex-presidente considera um avanço a formação de uma candidatura que se distinga da polarização entre Bolsonaro e Lula. E afirma que o atual titular do Planalto perde a oportunidade de centralizar a cooperação dos Poderes no combate à pandemia
Por Ana Dubeux / Denise Rothenburg
Os últimos três posts no Twitter do ex-presidente da República Michel Temer são de condolências. Pelas mortes do ex-vice-presidente Marco Maciel; do servidor aposentado da Câmara dos Deputados Mozart Vianna; e do ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas. O quinto post mais recente, lá de março, é uma esquiva: “Recebi a notícia de que amigos lançaram a minha candidatura. Fico lisonjeado, porque é um reconhecimento ao meu governo. Mas a única candidatura a que me disponho é a tomar a 2ª dose da vacina. Nada mais!”.
Ao Correio, Temer garante não ter mudado de ideia. “Não está nos meus planos. Já passei pela Presidência da República”, diz, taxativo. Aposta numa terceira via – “acho útil que surja como homenagem ao próprio eleitor, que terá opção entre as várias correntes que se apresentarem”, mas diz que o MDB só tomará decisões sobre candidaturas no ano que vem.
O ex-presidente defende um sistema de semipresidencialismo para o Brasil, que, segundo ele, reduziria a instabilidade política. “O impeachment cria traumas institucionais. Nossa Constituição não tem 33 anos, e dois impedimentos já se verificaram. Não há presidente que não tenha sido objeto de pedidos de impedimentos. E será assim sempre, gerando impasses institucionais”, lamenta o ex-presidente da República, também respeitado como constitucionalista.
Apontado pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha de ter “liderado” o processo de impeachment de Dilma Rousseff, Temer responde com poucas palavras: “O impedimento derivou do povo nas ruas. Cumpriu-se a Constituição Federal, simplesmente”.
Em relação à pandemia, Temer evita críticas, mas reconhece que o presidente da República poderia ter centralizado toda a atividade de combate à pandemia, chamando governadores, chefes dos Poderes e até a oposição para trabalharem juntos. “O vírus não escolhe integrante de uma ou outra agremiação partidária. Atinge a todos”, diz.
O senhor já foi citado como possível candidato a presidente da República. Pensa em concorrer em 2022?
Não está nos meus planos. Já passei pela Presidência da República.
O senhor conversou com Rodrigo Pacheco há alguns dias. Considera que ele tem atributos para representar a terceira via?
Não tenho dúvida de seus atributos. É preciso que ele se articule com todos os candidatáveis à chamada terceira via.
Acredita que surgirá uma terceira via, ou a polarização PT versus Bolsonaro já está posta?
Acho útil que surja como homenagem ao próprio eleitor, que terá opção entre as várias correntes que se apresentarem.
Esta semana, o senhor disse que pensou em apresentar um projeto que estabeleceria o semipresidencialismo e que isso não evoluiu. Por que não evoluiu?
Exerci uma espécie de semipresidencialismo quando ocupei a Presidência da República, chamando o Congresso Nacional para governar comigo. Deu resultado. Tanto que pude levar adiante reformas constitucionais há muito pensadas e jamais efetivadas. Foi também o que permitiu a recuperação do PIB e das estatais, com a consequente redução da inflação e dos juros.
O semipresidencialismo no Brasil diminuiria a instabilidade política?
Sem dúvida alguma. O impeachment cria traumas institucionais. Nossa Constituição não tem 33 anos, e dois impedimentos já se verificaram. Não há presidente que não tenha sido objeto de pedidos de impedimentos. E será assim sempre, gerando impasses institucionais. No semipresidencialismo, o presidente da República é eleito e terá poderes significativos, mas partilhará o governo com o primeiro ministro, por ele nomeado, que terá sede no Parlamento. Para formar o governo, portanto, para ter governo, é preciso maioria parlamentar. Se perder a maioria, cai o governo com muita naturalidade, sem traumas de natureza institucional. Além do que, haverá, conceitualmente, dois partidos: o da situação, que permitiu a formação do gabinete; e a oposição, que se antagoniza com o governo. Ademais, o Legislativo passa a ser também executor, o que lhe dará maior responsabilidade pela governabilidade.
Sistema de governo com a chefia da administração pública partilhada entre o presidente e um primeiro-ministro reduziria discussões sobre impeachment e poderia diminuir o número de partidos políticos? Seria o ideal para o momento?
Certamente, sim.
Vê alguma ameaça às instituições ou à democracia como fruto da polarização?
Não vejo. As instituições estão solidificadas, e o povo não admite a destruição da democracia.
O MDB nunca se uniu em torno de uma campanha presidencial. Por que seria diferente agora?
O MDB nada decidiu até o presente momento. Vamos esperar o ano próximo, que é o adequado para decisões dessa natureza.
Analisando o período em que exerceu a Presidência, o que o senhor faria diferente, além da recepção a Joesley Batista no Alvorada?
O que posso dizer é que aquele gesto impediu que eu completasse as reformas, já que a tributária e administrativa estavam formatadas, e a da Previdência pronta para ir ao plenário. Aquele fato só fez atrasar a reforma da Previdência por dois anos, mas foi fruto do nosso governo, apesar de terem tentado impedi-la.
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha escreveu em livro que o senhor liderou o processo de impeachment de Dilma Rousseff três meses antes de ir a plenário. Como vê os relatos dele?
O impedimento derivou do povo nas ruas.
Arrepende-se do impeachment da presidente Dilma?
Cumpriu-se a Constituição Federal, simplesmente.
O senhor administrou a Câmara por três vezes. Como avalia a presidência de Arthur Lira?
Acho que o Congresso Nacional tem tido muito protagonismo, e nesse contexto entra a presidência do deputado Arthur Lira.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade? Que ensinamento este momento nos deixa?
Tristemente, em razão dos óbitos, mas registro que a pandemia reforçou os laços de solidariedade humana.
Como vê a perda de tantos brasileiros pela covid? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Acho que cada um cumpriu o seu papel. Mas, para o meu paladar político, o presidente da República poderia ter centralizado toda atividade de combate à pandemia, chamando governadores, chefes dos Poderes e até a oposição para trabalharem juntos. Até a esta última, se poderia argumentar que o vírus não escolhe integrante de uma ou outra agremiação partidária. Atinge a todos.
Âncora comenta relação do presidente com a imprensa, ataques a Bonner, fama de ‘direitista’ e pressão do PT
Por Jeff Benício
Boris Casoy é sinônimo de jornalismo e coragem para opinar (e desagradar). Seu bordão "Isso é uma vergonha" - criado quando era âncora do 'TJ Brasil', no SBT, na década de 1980 - continua insuperável e mais oportuno do que nunca.
Isolado em sua casa desde o início da pandemia, o jornalista faz de seu escritório-biblioteca o estúdio onde grava o 'Jornal do Boris', transmitido no YouTube e na TV Gazeta de São Paulo, de segunda a sexta, às 8h45.
Com a experiência de quem dirigiu redações, comandou bancadas de telejornais e mediou debates, o veterano comenta a tumultuada relação de Jair Bolsonaro com a mídia e conta uma situação tensa com o então candidato à Presidência nos bastidores da RedeTV, em agosto de 2018.
Ao longo de sua carreira jornalística, o senhor viu outro presidente com relação tão complicada com a imprensa como Bolsonaro?
A relação tensa do presidente Bolsonaro com a imprensa tem sido mais visível do que em outros governos. O presidente tem mostrado gostar do confronto e ele o faz publicamente. Lembra repentes de Jânio Quadros. Na maioria dos governos, as pressões e tensões acontecem nos bastidores. Cito, como exemplo, o governo Lula, que agia por interpostas pessoas. Eu mesmo vivi um episódio desses com corte na publicidade da Rede Record. Esses momentos foram mais acentuados nos casos do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, e do Banestado. O PT pressionava para que esses assuntos fossem encerrados. Não se pode esquecer dos governos militares, quando o Estado de Direito está suspenso. Destaco que, no meu caso, Sarney, Collor, Fernando Henrique e Temer sempre agiram de maneira republicana.
Qual a sua opinião sobre os ataques, xingamentos e até palavras de baixo calão usadas pelo presidente contra jornalistas?
Reprovo com veemência. Cabe aos governantes conter seus impulsos. A chamada liturgia do cargo não admite esse tipo de comportamento. Sei que isso é difícil para uma pessoa impulsiva como Bolsonaro, mas ele precisa se esforçar para conter seus impulsos. O governante não pode agir com o fígado.
Os ataques frequentes de Bolsonaro, com ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais, enfraquecem ou fortalecem o jornalismo profissional?
Nem enfraquecem, nem fortalecem. A maior parte da imprensa tem apenas relatado os fatos e investigado o que precisa ser investigado. Fazer oposição não é brigar com a notícia. Omitir os fatos é uma traição ao leitor, ouvinte, telespectador ou internauta. É preciso separar propaganda de notícia.
Bolsonaro se diz perseguido pelo Grupo Globo e, especialmente, pelo 'Jornal Nacional' e seu âncora e editor-chefe, William Bonner. O senhor enxerga veracidade nessa acusação?
Não me sinto no direito de julgar o Grupo Globo. O presidente insiste em colocar em xeque a sobrevivência da Globo. Não tenho condições de dizer o que se passa na cabeça do presidente, como ele encara o noticiário dos órgãos das Organizações Globo. Acredito que se sinta injustiçado, mas ele contribui decisivamente com a oposição ao governo. Acusar o Bonner de perseguição demonstra um desconhecimento de como funciona uma empresa de comunicação. Bonner é um excelente profissional, com uma história que mostra toda a sua correção e honestidade.
O senhor sofreu pressão ou intimidação direta de autoridades? Algum presidente chegou a reclamar de seus comentários críticos?
Tenho mais de 60 anos de carreira. Fui editor-chefe da 'Folha' em momentos difíceis do regime militar, perdi a conta das ameaças, mas me orgulho em dizer que em lugar de medo, me deram mais coragem.
Em evidência novamente, o ex-presidente Lula sempre defendeu a regulação dos meios de comunicação. O senhor enxerga esse projeto como positivo ou um risco à liberdade de imprensa com a possível interferência do Estado nas empresas do setor?
Ele chegou a elaborar um projeto sobre o assunto. Chamava essa 'merda' democratização da comunicação. Era uma velha ideia do stalinismo, cuja prática visava estabelecer a censura e intimidar a imprensa. Não se trata de maldade, o PT acredita que esse tipo de 'disciplina' faz bem ao Brasil.
Nos Estados Unidos, as principais redes de TV assumem posição ideológica e partidária, inclusive na campanha presidencial. O senhor acha isso positivo ou vai contra a imparcialidade e isenção imprescindíveis ao jornalismo?
É uma questão cultural. Acho legítimo que isso aconteça, sem amordaçar o adversário. Apenas, opinião não pode nem deve ser confundida com cobertura dos fatos.
No Brasil, a maior parte da imprensa é identificada como defensora da esquerda. O senhor já disse que 'ser liberal ou de direita é quase um crime' no País. A imprensa está contaminada pela militância política?
Já esteve mais. O socialismo era uma promessa que entusiasmou grande parte da intelectualidade, especialmente a juventude. A queda do Muro de Berlim, o fim da União Soviética e todas as suas consequências mostraram a verdade a muita gente, especialmente aos mais jovens. Acho que o debate deve ser estimulado. Mas há uma esquerda saudosista no País que, por exemplo, continua repetindo que a guerrilha no Brasil lutou pela democracia. Lutava sim, por um regime comunista e começou ainda no governo Jango. Isso não justifica a tortura. Aliás, acho que se a anistia fosse revogada, os dois lados precisariam ser julgados.
Nos Estados Unidos, há várias emissoras declaradamente de direita, como a Fox News. O senhor vê Record, RedeTV e SBT, onde trabalhou, como canais direitistas?
Trabalhei com absoluta liberdade em todos os canais. Procurei dar voz e dei a todas as tendências ideológicas, nunca houve restrição. Quando ameaçou haver, estrilei. As redações que dirigi nunca sofreram filtros ideológicos. Mesmo assim, sou visto como um direitista empedernido, caluniado, como se a esquerda tivesse a patente da bondade e democracia.
O senhor foi mediador de vários debates importantes em eleições à Presidência. Cite um momento especial desse tipo de evento na TV.
Dois momentos: quando Lula recusou cumprimentar Collor, ao contrário do que tinha sido combinado, e a ameaça em cima da hora de Bolsonaro de não participar do debate na RedeTV. Ele já estava no camarim e queria impor sua vontade na questão da cadeira vazia para Lula.
O que acha da relutância de Bolsonaro em liderar a campanha de imunização no País?
Ele tem sujas posições. Aparentemente, está caminhando em direção às recomendações da maioria absoluta dos cientistas. Espero que ele seja iluminado e torço para que Bolsonaro faça um bom governo. Sou contra o 'quanto pior melhor'. Se ele afundar, afundamos junto.
O senhor completou 80 anos em fevereiro. Há algo que ainda pretenda fazer no jornalismo?
Atravesso um período de pleno vigor físico e, ao que parece, mental. Estou vivendo uma experiência na internet com o ‘Jornal do Boris’, também transmitido pela TV Gazeta. Assim completo um ciclo do qual me orgulho: fiz rádio, TV, imprensa escrita e agora internet. E estou pronto para novas viagens.
Em entrevista ao iG, o pesquisador dá seu ponto de vista sobre a relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o alto comando militar
Por Carlos Eduardo Vasconcellos
Para o antropólogo Piero Leirner , pesquisador das Forças Armadas desde o início da década de 1990 e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a ascensão de Bolsonaro à presidência não foi mero acidente, mas construída dentro do alto comando militar desde 2014.
Em entrevista exclusiva ao iG, o autor do livro " O Brasil no espectro de uma guerra híbrida - Militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica" diz que até mesmo as falas controversas de Bolsonaro e os ataques às instituições democráticas fazem parte de um "roteiro", no qual Bolsonaro fora pensado para gerar discórdia e fazer com que os militares figurem como a ala "moderada" do governo. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista.
Em dois anos e meio de governo Bolsonaro, são pelo menos 6 mil militares em funções civis no governo federal. Dá para dissociar o governo Bolsonaro de um governo militar?
De todo modo, o problema aqui, me parece, vai bem além dos cargos. O que me interessa é qual projeto está por trás deste aparelhamento. Minha hipótese é que se trata de um movimento de transformação do Estado de modo a centralizar a política nos militares, então vai além de um governo no sentido transitório.
Se você quiser usar uma metáfora, é um sistema operacional (por exemplo o Windows) rodando em 'modo de segurança', sendo o administrador do sistema — aquele que diz o que pode e o que não pode rodar, ou aparecer na interface — é o militar, e não o presidente.
Com uma série de decretos que estão sendo implementados desde o fim de 2018 e projetos de lei que estão tramitando, o desenho institucional aponta essa administração para as gavetas do GSI (Gabinete de Segurança Internacional).
A partir disso, desce para os ministérios e o que era uma política passa a ser informação, comando e controle . Isso às vezes escapa dessa forma, às vezes vem 'paisanizado', na forma de uma gestão militar. Assim, por exemplo, o controle das burocracias que mapeiam, geram uma cadeia de informações e direcionam o fluxo de dinheiro passa a ser monitorado, controlado e comandado por militares.
Bolsonaro, em certo sentido, é uma peça funcional desse maquinário. Mas qual é a sua função exatamente? É dar uma 'cara' ao governo, isto é, manter a aparência de que tudo é consequência das eleições. A partir disso, o governo Bolsonaro estampa seu rótulo em tudo, e essa engrenagem fica camuflada.
Desse modo ele é um agente ideológico terceirizado para dar a sensação que isto que estamos vivendo é um governo (ou desgoverno, dependendo do ponto de vista), e não um sistema de comando, controle e informações militar.
Você diz que Bolsonaro é um 'projeto de generais'. As Forças Armadas 'embarcaram' na candidatura de Bolsonaro ou construíram essa candidatura de maneira ativa? E em que momento isso começou a ser arquitetado?
Foi construída. Esta pretensão à Presidência nasce publicamente dentro de uma
instalação militar em novembro de 2014: na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), quando ele é conduzido para discursar para cadetes e assume que, com o apoio dos militares, vai chegar à Presidência em 2018. Qualquer um com o mínimo de conhecimento do mundo militar sabe muito bem que não existe espaço para improvisos dentro de um quartel.
O que ele fez lá naquele dia teve o aval da cadeia de comando. Com o detalhe que isto é completamente ilegal, e centenas de vezes mais grave do que o que ocorreu com Pazuello .
Deveriam ser punidos os cadetes, seus comandantes, o comandante da Aman, e no mínimo exonerados o General responsável pelo Departamento de Educação e Cultura do Exército e o Comandante da Força.
Mas o que aconteceu? Ele repetiu a dose em 2015, 2016, 2017 e 2018. Eninguém falou nada. Tendo isto na cabeça fica mais fácil perceber a natureza dessa ligação, e a partir daí perceber como toda contradição entre Bolsonaro e as Forças Armadas é uma emulação, um “teatro de operações” , para usar a linguagem deles.
Muito se fala em 'desconforto' entre militares e Bolsonaro, mas ele segue fazendo política da mesma forma — atacando as instituições democráticas. O vice-presidente Hamilton Mourão constantemente discorda publicamente de Bolsonaro. Essas 'divergências' seriam uma forma de os militares mostrarem moderação?
O primeiro problema, que devemos nos perguntar antes de tudo, é quem exatamente está falando desse desconforto? De um lado podemos listar generais que estavam emaranhados nesse projeto desde que começou (veja a resposta anterior: alguém se manifestou sobre os ocorridos entre 2014 e 2018?), e que se tornaram 'dissidências' por romperem com Bolsonaro.
Mas a pergunta é: romperam também com o projeto que o levou lá? De modo algum. Tanto é que não esboçam uma palavra sequer a respeito. Não dizem, da boca deles, como isso foi construído.
É preciso entender uma coisa, e o livro de entrevista do general Villas Bôas a Celso Castro deixa isso bem claro: em primeiríssimo lugar está a camaradagem entre eles próprios. E em último o universo “paisano”, isso que nós chamamos de sociedade e que eles entendem como um fator secundário no Brasil.
Então discordar de Bolsonaro é parte do roteiro , porque ele foi pensado justamente para gerar discórdia. Ele não tem função nenhuma a não ser esta que foi conduzida por ele até agora. Seu papel é justamente o de um homem- bomba, incendiário, um para-raios que canaliza todas as crises para si.
É conveniente, pois assim é que se chegará a hora em que os militares aparecerão como única hipótese de moderação frente à insanidade geral, inclusive a que está tomando as próprias Forças Armadas. Ainda vamos ver a oposição pedindo ajuda aos generais.
Então a condução da pandemia pelo governo federal teve o endosso dos militares?
Foram várias operações de informação, com uso extensivo da imprensa (que é “informada” através de generais sob condição de anonimato, frequentemente com versões contraditórias), de modo a emplacar a visão de que ele está inclusive desestabilizando as Forças Armadas, tornando-as sua guarda pretoriana.
Qual é a consequência disso? Em primeiro lugar o apagamento do registro de que ele foi, é e vai ser um projeto deles; em segundo lugar o amortecimento do fato de que eles têm responsabilidade sobre o que aconteceu, na pandemia como no resto. Afinal, se tudo é uma questão deles “obedecerem”, ainda vão sair dessa como legalistas e democratas, sobretudo se de fato a “terceira via” que eles estão montando com “generais dissidentes” emplacar.
O que a decisão do Comando do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político com Bolsonaro revela sobre a intenção dos militares?
Revela que para eles é importantíssimo passar a imagem de que Bolsonaro está no controle do processo, e não eles. Usaram uma retórica batida, um mnemonismo tirado de Sun-Tzu (autor de "A Arte da Guerra): “pareça fraco quando se está forte”. Mas funcionou. E para 'dentro' também, pois é necessário passar para a tropa a imagem de todo processo acima. Mas tudo é decidido no topo, é assim que funciona no Exército.
Como os militares enxergam as acusações em que a família Bolsonaro está envolvida — como supostas ligações com a milícia no estado do Rio de Janeiro?
Não sei. Mas, se eu chutasse a partir de como um militar poderia pensar, justamente veria que aí está uma fragilidade dele, e que isso pode ser operado como instrumento de controle de quem tem muitos fios desencapados. Ou seja, em hipótese é muito mais interessante se controlar alguém que tem um passivo desses. Mas, obviamente, isso é um “se”, não tenho fato empírico que mostre que é assim.
Em que situação podemos pensar em uma ruptura do governo Bolsonaro com os militares?
Se isso acontecer, não creio que deva ser enxergado pelo polo da 'situação', mas sim da 'estrutura' dessa relação. Pois há um caminho que está sendo montado para a tal '3ª via' entrar de modo consensual, e com militares nela. Porém, para isso acontecer de forma definitiva talvez seja preciso mesmo apresentar uma 'situação' qualquer, um 'fato' que faça esses 6 ou 12 mil militares desplugarem dos Ministérios e se reverta a operação psicológica que produziu a adesão em enxame a esse rótulo que se chama
“bolsonarismo” na tropa.
Meu palpite é que isso só pode acontecer se houver um agente catalizador com força suficiente para provocar essa engenharia reversa, que para mim ainda só pode ocorrer se estiver na chave da 'corrupção'.
Esta se tornou uma espécie de 'ativo ideológico', drena as percepções para um lado ou para o outro. A partir do manejo dela eles podem trabalhar numa opção que dê conta ao mesmo tempo de Bolsonaro e de Lula , e continuem assim a aliança 'sinérgica' entre militares e Judiciário, tal como em 2018.
Acredita na força da CPI para a abertura de um processo de impeachment?
Pode até ser, mas será preciso algo a mais para o processo se efetivar. Em primeiro lugar porque até agora os agentes econômicos que realmente importam não têm se incomodado muito com a perda de 500 mil vidas.
A Bolsa sobe, os bancos lucram, as privatizações seguem, a soja está fluindo e tudo ruma para consolidação do Brasil como um País agro-financeiro, e tudo isso com índices ruins. Para o industrial que se contentou em ser um jogador na Bolsa ou para um militar que entende que a soja é uma extensão da soberania nacional, muito que bem.
Em segundo lugar porque será preciso que eles tenham uma avaliação se é melhor chegar com Bolsonaro arruinado ou se é melhor descarta-lo antes, para não correr riscos de seu piso subir demais. Ainda que aquele que o inflou, tem também o poder de o fazer murchar, é só questão de ver o que dá mais trabalho.
Para os militares, basta que eles comecem a falar que não apoiam Bolsonaro em reuniões reservadas na Fiesp, etc, que você vai ver em efeito cascata, todo mundo pulando fora do barco, do banqueiro ao quitandeiro. Mas tem que ter outro por perto, daí a necessidade de se adensar essa '3ª via'.
Foi assim que eles começaram a construir a candidatura dele com outros setores na eleição passada, um trabalho minucioso de 'propaganda e informações', em que eles se garantiram como única solução frente ao caos que imperava no País.
Portanto, se eu tiver que dar um palpite, tudo terá que acontecer no ano que vem, na hora que esse pessoal cansar e resolver controlar o processo eleitoral — o que não pode ser feito desde já, porque o Brasil ainda tem que piorar muito até que se consolide a percepção que eles são a última carta do baralho.
Por fim. Em caso de derrota nas urnas em 2022, é possível pensar no risco de uma ruptura democrática total com a atuação dos militares?
O problema é que a gente talvez precise de um novo entendimento do que é essa palavra “democracia” a partir de uns anos para cá. 2018 foi democrático? Não era até o momento em que se dizia que “eleição sem Lula é fraude” — e era mesmo —, mas eis que o próprio PT endossou a eleição, inclusive dando a Bolsonaro a oportunidade de sequestrar a pauta da fraude eleitoral.
Desde aquele momento, com a oposição controlada e endossando o papel da Justiça, vivemos esse regime híbrido, de controle pelo consórcio jurídico-militar mas com aparência de “instituições que funcionam”. Até para isso a disfunção de Bolsonaro contra o STF serve, pois é mera refração da 'sinergia' que de fato ocorre entre esses setores não eleitos para determinar a política.
Como o ganho para os militares é ascendente em qualquer hipótese, para eles assumirem diretamente o Executivo (e não através de um agente terceirizado, como é Bolsonaro) teria que haver o cálculo de que um outro grupo com o mesmo nível de poder pudesse redefinir esse projeto de aparelhamento e hegemonia, inclusive com ônus para os setores que agora estão drenando a energia produtiva do País e garantem uma certa indiferença internacional em relação a nós. Alguém se candidata a isso? Acho que, pelo menos por enquanto, ainda não.