No dia 1° de maio, o presidente fez um discurso para cerca de 2 mil pessoas no estádio do Corinthians, na zona leste de São Paulo
Por Guilherme Mazieiro
“No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava muito bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar”. Assim começa o conto “Primeiro de Maio”, do escritor Mário de Andrade. Escrito entre 1934 e 1942, período de grande agitação sindical no Brasil e no mundo, o texto retrata o desumanizado carregador que nem nome tem, é só o “35”. No decorrer da história, o personagem vê seu “grande dia” ruir sob a fome, a raiva e a perda de consciência de sua condição e, no fim, abandona a folga para terminar o dia trabalhando na Estação da Luz, em São Paulo.
O dia Primeiro de Maio do presidente Lula (PT) foi parecido com o do personagem de Mário de Andrade, o desenrolar de uma tragédia.
Fruto do movimento sindical brasileiro dos anos 70/80 e um dos criadores do Partido dos Trabalhadores, o presidente se deparou com um ato de 1º de Maio esvaziado. No estádio do seu time de coração, o Corinthians, na Zona Leste da maior cidade do país, o petista viu um público miúdo, cerca de 2 mil pessoas, segundo o "Monitor do debate político”, da Universidade de São Paulo. Diante de uma plateia onde se via mais cimento do que gente, Lula se queixou da organização do evento, feita por seu ministro Márcio Macedo (Secretaria Geral da Presidência), responsável pela relação com movimentos sociais.
“Ô, Márcio, o ato está mal convocado. O ato está mal convocado. Nós não fizemos o esforço necessário para levar a quantidade de gente que era preciso levar, mas de qualquer forma estou acostumado a falar com 1 mil, 1 milhão, mas se for necessário apenas com a senhora maravilhosa que está ali na minha frente”, disse Lula num tom de afago aos poucos manifestantes que estavam ali.
Pela própria natureza e demanda de trabalho que exige a Presidência da República, é normal o presidente não se envolver diretamente na articulação de atos. A sensação que dá é de que faltou interesse das organizações sociais, centrais sindicais, pré-candidatos e militantes que dão capilaridade ao projeto petista e trabalham pelo campo progressista. Organicamente, o ato não teve vida e quem foi responsável por agitar esses segmentos a pedido do presidente, falhou. As ruas estavam tão vazias quanto as retratadas por Mário de Andrade no Primeiro de Maio do “35”.
No Dia do Trabalhador, o presidente fez um discurso destacando feitos do governo e chamou um a um os ministros presentes para apresentá-los aos apoiadores. Os introduziu com alguma brincadeira, citando feitos da gestão das respectivas pastas ou citando feitos da biografia deles. Em Macedo, deu bronca.
Na semana passada, quem tomou uma chamada de atenção em público foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ex-prefeito da capital paulista, Haddad não estava no ato. No caso de Haddad, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social, veio a público dizer que a fala não passou de uma brincadeira do presidente. No caso de Macedo, Pimenta veio a público novamente. Dessa vez disse que o colega ministro é uma pessoa de “confiança” de Lula e de papel “muito importante no governo”.
É ruim que as falas do presidente precisem de tradução ou “explicações” por parte dos auxiliares. No governo Lula 3 isso acontece com alguma frequência. O governante precisa ter muita clareza do que e de como quer se comunicar.
Ainda no evento de quarta-feira, o recado mais cristalino de Lula foi trágico. Quando o petista chamou para seu lado o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) e pré-candidato à prefeitura de São Paulo, não exitou em pedir votos para seu aliado - o que é proibido pelas regras eleitorais e pode acarretar em multa. O ato não empolgou ninguém e quem mais se deliciou com isso, claro, foi a oposição a Lula e Boulos. O vídeo, aliás, teve de ser removido das redes sociais do presidente por decisão da Justiça Eleitoral.
A campanha municipal já começou, as articulações correm por gabinetes, pelos bairros das cidades do país, mas há regras a serem cumpridas e não se pode pedir voto. Lula sabe disso e deveria cumprir o que determina a legislação.
“Desastre” talvez seja uma definição exagerada para classificar o ato, mas “fracasso” ou “fiasco” é uma classificação evidente.
Lula foi um indutor do movimento sindical brasileiro durante a Ditadura Militar (1964-1985). Da efervescência popular o torneiro mecânico ascendeu ao posto de liderança nacional. Foi preso por isso e fundou um partido político, o que mais vezes governou o Brasil desde a redemocratização.
Nesta semana, Lula viu o fracasso de uma mobilização que é cara a ele e que costumava ser expressiva. Como o “35”, praguejou no Primeiro de Maio e viu o dia que ele queria e havia de celebrar, ruir. Enquanto isso, no Congresso, uma das principais propostas do governo na área trabalhista, a que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativo, caminha para ser desidratada e enfrentar resistência na própria categoria.
Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasilía