Até o momento, os trabalhadores informais e autônomos não podem fazer nada para receber o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado na quinta-feira, 27, pela Câmara dos Deputados em razão da pandemia do novo coronavírus
Com O Estado de S.Paulo
A proposta do governo era de dar R$ 200 para os trabalhadores informais, mas o Congresso elevou o valor para R$ 600. A mulher que for mãe e chefe de família poderá receber R$ 1,2 mil.
Projeto prevê auxílio de R$ 600 para trabalhadores sem carteira assinada por até três meses.
O governo vai pagar o benefício para todo mundo?
É preciso seguir algumas regras:
Ser maior de 18 anos;
Não ter emprego formal (ou seja, com carteira de trabalho assinada);
Não receber nenhum outro benefício previdenciário ou assistencial (aposentadoria ou pensão, por exemplo), nem ser beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal.
A exceção é o Bolsa Família. Quem está no programa pode receber o auxílio emergencial também, limitado a duas pessoas na família.
A renda mensal por pessoa tem de ser de até meio salário mínimos (R$ 522,50) ou a renda familiar mensal total não pode ser superior a três salários mínimos (R$ 3.135).
A renda total do ano de 2018 não pode ser superior a R$ 28.559,70.
Exercer atividade na condição de Microempreendedor Individual (MEI) ou ser contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social do INSS.
Ser trabalhador informal, de qualquer natureza, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal até 20 de março de 2020.
Por quanto tempo o governo vai pagar o benefício?
Os valores serão pagos durante três meses, podendo ser prorrogados enquanto durar a calamidade pública devido à pandemia de covid-19.
Recebo o Bolsa Família. Posso receber os dois benefícios?
Para quem recebe o Bolsa Família, o texto permite que o beneficiário substitua temporariamente o programa pelo auxílio emergencial, se o último for mais vantajoso.
Estou na fila do INSS para receber o BPC. Tenho direito a algum benefício?
O projeto também prevê a antecipação do pagamento do auxílio de R$ 600 para quem ainda está na fila do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Se houver a concessão definitiva, o beneficiário receberá a diferença entre o valor já recebido e o do benefício cheio (R$ 1.045) com correção. Se a perícia negar o pedido, não há necessidade de devolver nenhum valor.
Estou na fila do INSS para fazer perícia para receber auxílio-doença. Vou ter direito a algo?
O projeto prevê a antecipação de um salário mínimo (R$ 1.045) para quem está na fila do INSS para receber o auxílio-doença até que seja feita perícia. O pagamento está condicionado à apresentação de atestado médico.
O maior número de casos novos de contaminação ocorreu nas últimas 24h
Por Jonas Valente
Em nova atualização do Ministério da Saúde sobre coronavírus, o número de mortes chegou a 92, contra 77 registradas ontem(26). O resultado significa um aumento de 18% em relação a ontem. Em comparação com o início da semana, quando eram 25 óbitos, o número multiplicou por 3,68 vezes.
A taxa de letalidade chegou ao máximo da semana, ficando em 2,7%.
O total de casos confirmados saiu de 2.915 para 3.417 hoje(27). O resultado de hoje marcou um aumento de 80% nos casos em relação ao início da semana, quando foram contabilizadas 1.891 pessoas infectadas.
O número de casos novos foi de 502, atingindo o número mais alto da série histórica. Ontem, o acréscimo foi de 482. Nos dias anteriores, o aumento havia sido menor, ficando na casa entre 232 e 345 casos.
São Paulo acumula 1.233 casos. O estado, epicentro da epidemia no país, é seguido por Rio de Janeiro (493), Ceará (282), Distrito Federal (230), Rio Grande do Sul (195) e Minas Gerais (189).
Também registram casos Santa Catarina (149), Paraná (119), Bahia (115), Amazonas (89), Pernambuco (56), Goiás (49), Espírito Santo (47), Rio Grande do Norte (28), Mato Grosso do Sul (28), Acre (25), Sergipe (16), Maranhão (13), Pará (13), Alagoas (11), Mato Grosso (11), Roraima (10), Paraíba (nove), Piauí (nove), Tocantins (oito), Rondônia (seis) e Amapá (dois).
No tocante ao perfil das vítimas, 89% tinham acima de 60 anos, 35% eram mulheres e 65% eram homens. Em relação às doenças relacionadas, 47 tinham alguma doença cardíaca, 34 eram diabéticos, 17 apresentavam quadro de pneumonia, e 10 tinham alguma complicação renal.
O número de internados é de 149 em enfermaria e 186 em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). As hospitalizações desde o início dos casos somaram 497, o equivalente a 3,5% das entradas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Perguntado sobre a confirmação da covid-19 como causa de mortes, o secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, afirmou que os pacientes serão testados. “Às vezes tem que fazer uma vez, duas vezes. Mas o diagnóstico sempre vai ser realizado. Não vai haver subnotificação. O que pode haver é retardo”, comentou.
O secretário de vigilância em saúde, Wanderson de Oliveira, comentou que em algumas situações pode ser difícil fazer a confirmação, especialmente pelo fato do país ainda não contar com testes rápidos. “Vamos ter resultados de caso no futuro que vamos descobrir que evoluíram a partir de infecção pelo novo coronavírus. Todo óbito passa pela avaliação do comitê de óbito, isso às vezes demora sete ou 10 dias. Enquanto não tivermos testes sorológicos, teremos situação de casos impossíveis de serem classificados”, acrescentou. Os testes sorológicos, ou rápidos, estão dentro dos 22,9 milhões de kits anunciados nesta semana.
O secretário reiterou a importância de seguir as recomendações de prevenção apresentadas pelo Ministério da Saúde.
“É importante que pessoa evite aglomerações, saindo neste período, para que epidemia possa passar. Isso é período passageiro, não é eterno. Ele será tão curto quanto mais pessoas aderirem às medidas de proteção”, destacou.
Após o Senado, medida deverá ser sancionada pelo presidente
Por Agência Brasil
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem (26) o pagamento de um auxílio emergencial por três meses, no valor de R$ 600, destinado aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise provocada pela pandemia de coronavírus. O próximo passo até a implementação da medida é a aprovação pelo plenário do Senado. Após o Senado, o texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Só após essas etapas, o governo federal deverá divulgar o calendário de pagamento.
A aprovação no Senado deve acontecer na próxima semana, já que hoje (27) não haverá votação.
Inicialmente, o valor proposto era de R$ 500. Após negociações com o líder do governo, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), o Executivo decidiu aumentar para R$ 600.
Em transmissão ao vivo pela internet realizada ontem, o presidente destacou que o auxílio é voltado aos trabalhadores informais (sem carteira assinada), às pessoas sem assistência social e à população que desistiu de procurar emprego. A medida é uma forma de amparar as camadas mais vulneráveis à crise econômica causada pela disseminação da covid-19 no Brasil, e o auxílio será distribuído por meio de vouchers (cupons).
Critérios para o pagamento
Os trabalhadores deverão cumprir alguns critérios, em conjunto, para ter direito ao auxílio:
- ser maior de 18 anos de idade;
- não ter emprego formal;
- não receber benefício previdenciário ou assistencial, seguro-desemprego ou de outro programa de transferência de renda federal que não seja o Bolsa Família;
- renda familiar mensal per capita (por pessoa) de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal total (tudo o que a família recebe) de até três salários mínimos (R$ 3.135,00); e
- não ter recebido rendimentos tributáveis, no ano de 2018, acima de R$ 28.559,70.
Pelo texto, o beneficiário deverá ainda cumprir uma dessas condições:
- exercer atividade na condição de microempreendedor individual (MEI);
- ser contribuinte individual ou facultativo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS);
- ser trabalhador informal inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico); ou
- ter cumprido o requisito de renda média até 20 de março de 2020.
Pelas regras, o trabalhador não pode ter vínculo formal, ou seja, não poderão receber o benefício trabalhadores formalizados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e servidores públicos.
Pela proposta, também será permitido a duas pessoas de uma mesma família acumularem benefícios: um do auxílio emergencial e um do Bolsa Família. Se o auxílio for maior que a bolsa, a pessoa poderá fazer a opção pelo auxílio. O pagamento será realizado por meio de bancos públicos federais via conta do tipo poupança social digital. Essa conta pode ser a mesma já usada para pagar recursos de programas sociais governamentais, como PIS/Pasep e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas não pode permitir a emissão de cartão físico ou cheques.
O título acima pode ser uma novidade para você e para a quase totalidade dos brasileiros, para os quais ainda é difícil entender a pandemia de covid-19 e sua dinâmica de disseminação. Não é para a comunidade científica. A previsão consta de um estudo preliminar, publicado por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, no dia 14 de março
Por Sylvio Costa - Congresso em foco
Vários portais científicos o reproduziram. Para preservar a necessária autenticidade, em prejuízo da estética e em nome da absoluta transparência, segue o link onde ele foi publicado pela primeira vez na internet (em inglês): https://osf.io/fd4rh/?view_only=c2f00dfe3677493faa421fc2ea38e295
Embora tenha caráter preliminar, o trabalho vem de um importante centro de pesquisas, o Centro de Ciência Demográfica Leverhulme, ligado a uma universidade de grande prestígio. Leva a assinatura de oito cientistas: Jennifer Beam Dowd, Valentina Rotondi, Liliana Andriano, David M. Brazel, Per Block, Xuejie Ding, Yan Liu e Melinda C. Mills.
Print screen do resultado da pesquisa no Google.
O número de resultados cresce a cada dia, sinal de que talvez seja uma tese digna de atenção. Ainda mais quando vem de uma universidade, diga lá Wikipédia... não, não precisa entrar. Tá no Google o total de prêmios Nobel e de primeiros-ministros britânicos que saíram de lá.
O estudo também foi citado em português, de modo discreto e inteligente, em esclarecedora reportagem da Piauí (dá um pulinho lá depois pra conferir). Se você ainda estiver aí, a gente segue porque agora começa a parte mais interessante.
O Congresso em Foco teve acesso ao estudo na mesma data em que foi publicado. Ou seja, dois dias depois de a nossa equipe entrar em regime de auto-quarentena. Optou por não publicar para não causar pânico. A decisão derivou do aprendizado internacional. Em situações de pandemia, o que se espera de um veículo de comunicação com o mínimo de responsabilidade social é colaborar com as autoridades de saúde em nome do bem comum. Não se trata de autocensura. Mas de evitar a disseminação da doença em escala global (que é o que define uma pandemia) e todas as consequências possíveis: internações hospitalares, óbitos, quebra de empresas, desemprego, desespero, fome, saques, revolta. Pandemia é coisa feia. Uma pesquisa banal em fontes públicas é suficiente para fazer você perder uma noite de sono.
Deixamos a íntegra disponível em nosso ambiente e repassamos o documento ao Ministério da Saúde, na esperança de obter explicações tranquilizadoras e de informações que nos ajudassem a conhecer melhor o assunto e cobrir os efeitos da pandemia no país informando ao máximo, com o menor prejuízo possível a quem mais importa nessa hora, a galera da linha de frente da batalha: médicos, outros profissionais de saúde e os gestores da crise nos diferentes órgãos públicos envolvidos, com papel preponderante do Ministério da Saúde.
Constrangido várias vezes de público pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, era naquele momento um pêndulo importante da estabilidade político-institucional. Recebeu apoio dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal para adotar as medidas técnicas necessárias, deixando de lado Bolsonaro, que perdeu a interlocução com os governadores, o Congresso, os principais grupos de comunicação e é, de modo crescente, questionado dentro de um território onde até aqui ainda reina com segurança, a Procuradoria-Geral da República, à qual cabe propor investigação contra a autoridade máxima da nação.
A ordem, nos gabinetes mais influentes do Legislativo, era grudar em Mandetta com o objetivo de protegê-lo de Bolsonaro e evitar o pior. Para não ser acusado de omisso, o Congresso em Foco usou o seu boletim de análise de cenários destinado a assinantes pagos, o Farol Político, para publicar informação de forma discreta, poucos dias antes da Piauí.
Aqui congelamos a cena. Se você tiver um pouquinho de paciência, contamos a parte mais árida da história - o estudo técnico - e voltamos para fechar com Mandetta e a decisão de publicar o estudo.
No texto de Oxford (íntegra em inglês), que anexamos integralmente ao Farol Político da semana passada e enviamos a outras autoridades federais em busca de respostas, a contabilidade que fizeram Justus, o dono do Madero e o herdeiro do Giraffas ganhou outra dimensão: 478.629 mortes.
O estudo sustenta, como tantos outros, que o crescimento e o impacto da pandemia de covid-19 estão relacionados com a composição etária da população. Mais velhos, mais riscos. Essa é uma das razões para a Itália, um país rico, ter tido muito mais óbitos do que a China. E mergulha na análise do que tem acontecido até agora, na expansão da pandemia em cada país, enfatizando "a necessidade de compreender a dinâmica de interação de cada população com a pandemia agora e no futuro".
Ao fazer as projeções de expansão do vírus, considerando as características de diferentes países, o estudo trouxe preocupações específicas em relação ao Brasil. Após analisar as taxas de disseminação e mortalidade do covid-19 em várias nações, encontrou, no caso brasileiro, dois problemas: um percentual relativamente alto de idosos e, ao contrário de China e Europa, serviços de saúde precários.
Literalmente, afirma o estudo, numa tradução com alguma liberdade para adaptar:
"No Brasil, que tem 2,0% da população com idade de 80 anos ou mais, o cenário estimulado conduz dramaticamente a mais mortes (478.629), comparado a Nigéria (137.489), onde a mesma fração etária é somente 0,2%."
"Neste momento, poucos países estão divulgando rotineiramente dados de covid-19 com informação demográfica chave, como idade, sexo e comorbidades".
Comorbidade ocorre quando duas ou mais doenças estão correlacionadas entre si. No caso da presente pandemia, é fundamental tratar de forma diferenciada os diabéticos, hipertensos e portadores de doenças respiratórias (COPD em inglês, DPOC em português). Ter esses dados poderia, sugerem os pesquisadores, refinar muito o controle preventivo do covid-19.
Insiste o trabalho, por fim, que "a concentração do risco de mortalidade nas faixas etárias mais velhas permanece como um dos melhores instrumentos para prever o fardo de casos críticos e assim o planejamento e a disponibilidade de leitos, pessoal especializado e outros recursos".
Um dos gráficos do trabalho inclui o Reino Unido e os Estados Unidos, para os quais os prognósticos são também bastante preocupantes, e aponta na mesma direção: países com população mais idosa deverão ter um total de mortes maior que países com população mais jovem. O número total de mortes esperadas por grupo etário baseou-se na expectativa de que 40% da população de cada país seja infectada. No caso do Brasil, isso corresponderia a... se segura, amiga e amigo, que a coisa é pesada... 83,6 milhões.
Outro ponto levantado, igualmente em desfavor do Brasil: costumes familiares de muita proximidade física propiciam o espalhamento da doença. Segundo os autores, esse é o caso da Itália, onde existe contato físico direto e diário entre crianças, pais, avós e vizinhos. E aqui acrescento eu, para sua melhor compreensão: imagine então no caso da população brasileira, que em boa parte vive em favelas e em aglomerações muito povoadas - sem falar dos presídios e da nossa vocação para abraçar, beijar, pegar na mão.
Transcrevemos tudo o que recebemos do Ministério da Saúde sobre o estudo, no último dia 17:
"Com base na evolução dos casos de coronavírus no Brasil, até o momento, estima-se que, sem a adoção das medidas propostas pela pasta para prevenção, o número de casos da doença dobre a cada três dias. O Ministério da Saúde trabalha com essa projeção. A evolução dos casos e mortes depende de uma série de fatores.
As capitais Rio de Janeiro e São Paulo já registram caso de transmissão comunitária, quando não é identificada a origem da contaminação. Com isso, o país entra em uma nova fase da estratégia brasileira, a de criar condições para diminuir os danos que o vírus pode causar à população. Em videoconferência com profissionais das Secretarias Estaduais de Saúde de todo o país, o Ministério da Saúde anunciou, na última sexta-feira (13), recomendações para evitar a disseminação da doença. As orientações deverão ser adaptadas pelos gestores estaduais e municipais, de acordo com a realidade local.
Atitudes adotadas no dia a dia, como lavar as mãos e evitar aglomerações, reduzem o contágio pelo coronavírus. O Ministério da Saúde recomenda a redução do contato social o que, consequentemente, reduzirá as chances de transmissão do vírus, que é alta se comparado a outros coronavírus do passado.
Não há uma regra única para todo o país. Cada região deve avaliar com as autoridades locais o que se deve fazer caso a caso. Neste momento, nós não temos o Brasil inteiro na mesma situação, por isso é importante analisar o cenário de casos e possíveis riscos.
As medidas gerais válidas, a partir desta sexta-feira (13), a todos os estados brasileiros, incluem o reforço da prevenção individual com a etiqueta respiratória (como cobrir a boca com o antebraço ou lenço descartável ao tossir e espirrar), o isolamento domiciliar ou hospitalar de pessoas com sintomas da doença por até 14 dias, além da recomendação para que pacientes com casos leves procurem os postos de saúde. As unidades de saúde, públicas e privadas, deverão iniciar, a partir da próxima semana, a triagem rápida para reduzir o tempo de espera no atendimento e consequentemente a possibilidade de transmissão dentro das unidades de saúde.”
É muito pouco. Não perca tempo com debates científicos sobre “isolamento horizontal” (isto é, fica todo mundo em casa) ou “isolamento vertical” (confinamento apenas de populações vulneráveis). Só existe uma receita tecnicamente segura contra o covid-19: ficar em casa. Claro que trabalhadores de atividades essenciais precisam manter em funcionamento os serviços de saúde, a segurança pública, o abastecimento de atividades essenciais, mas isso precisa respeitar protocolos que, de modo geral, o Ministério da Saúde tem sido incapaz de divulgar e coordenar.
A pessoa, principalmente a mais simples, fica sem saber o que fazer. E Bolsonaro tenta convencê-la de que a culpa é dos governadores, que prejudicam a economia e fabricam o caos. Mestre das narrativas, ainda convence muita gente.
A ciência não está do lado dele, contudo. Os governadores (nem todos, porque alguns vão muito mal) estão, de modo geral, aplicando o que se sabe para reduzir os danos das falas presidenciais, da descoordenação do Ministério da Saúde e de problemas que muitos estados e cidades enfrentam na ponta: faltam testes, leitos, pessoal e, sobretudo, informação.
Alerta – no caso de diabéticos, hipertensos, portadores de doenças respiratórias e idosos de 80 anos ou mais, é insuficiente fazer quarentena. Essa permite uma eventual – mas rara – saída controlada, mantendo distância mínima de um metro em relação a outra pessoa, evitando qualquer contato da mão com objetos compartilhados e adotando outras providências.
Para os grupos mais vulneráveis, o recomendável é isolamento total: desinfectar toda casa com álcool 70 (chão, paredes, móveis), não sair para nada e adotar outras medidas que, num modelo bem mais rígido que o prescrito pelo Ministério da Saúde, o Congresso em Foco descreveu aqui.
Muito há a descobrir sobre a pandemia, muito mais poderíamos falar sobre essa parte mais técnica, mas precisamos voltar a Mandetta.
De modo breve: Mandetta capitulou. Apoiado pelo Supremo e por praticamente todo o Congresso (esquerda, direita e centro), encampou o discurso de Bolsonaro, que resolveu subir no tom contra os governadores e a mídia e mandar as crianças brasileiras para escolas infectadas.
Infelizmente, ainda há muita coisa a contar. Deixamos para o próximo capítulo as razões que nos levaram à decisão de publicar no título acima uma informação pública que o Congresso em Foco jamais gostaria de ver nesta página.
Enquanto isso, em Brasília por exemplo, o transporte público continua a funcionar, os casos se avolumam e se ouve o barulho do relógio...
TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC
Mesmo casos não confirmados de morte por infecção têm sepultamentos com caixão lacrado e velório de dez minutos, sem tempo para despedida
Por Ullisses Campbell
Desde o dia 1º de março, uma letra e um número colocados no alto da folha da declaração de óbito podem significar a diferença entre uma despedida digna e um enterro expresso na cidade de São Paulo, a mais atingida no Brasil até agora pela pandemia do novo coronavírus. À dor da perda, soma-se a tragédia de não não poder sequer dizer adeus. Todos os casos confirmados de morte pela doença e também aqueles em circunstâncias que indiquem essa possibilidade, como pessoas acima de 60 anos com problemas respiratórios, recebem a sigla D3 no atestado do serviço funerário municipal, o que se traduz num protocolo que prevê velório de no máximo dez minutos, ao ar livre, com limite de até dez pessoas, e caixão totalmente lacrado. Apenas em uma manhã de quarta-feira, ÉPOCA contabilizou 19 casos com esse desfecho no Cemitério Vila Formosa, o maior da América Latina, na Zona Leste paulistana. No dia anterior, o Ministério da Saúde atestara 12 novas mortes confirmadas pelo novo coronavírus em todo o país.
“Morreu com mais de 60 anos e teve como causa do falecimento insuficiência respiratória, a gente já carimba D3”, disse um funcionário do Serviço Funerário do Município de São Paulo. A vestimenta dos coveiros também mudou na esteira da crise. As luvas simples e uniformes comuns deram lugar a trajes especiais, completamente vedados, com máscaras para o rosto e luvas duplas — por baixo das antigas, os profissionais utilizam outras, cirúrgicas, para reforçar a precaução contra o contato.
A transformação mais dramática se dá para quem perdeu pai, mãe, amigo. “O caixão de meu pai estava fechado, sem visor para vermos seu rosto. A madeira estava lacrada como se ele oferecesse risco de contaminação. Isso é desolador. Queríamos pelo menos dar um beijo em seu rosto, fazer um carinho de despedida, pois ele foi um homem muito bondoso para toda a família”, contou a comerciante Jandira Fonseca Santos, de 51 anos, o rosto coberto por uma máscara e a 1 metro de distância do caixão do pai.
“À dor da perda na hora da morte, soma-se a tragédia de não poder sequer dizer adeus; segundo psicólogos, a situação agrava o luto de quem fica e pode ter efeitos muito duradouros”
A cena daquela manhã havia começado a se desenrolar na madrugada do domingo 22, quando Ignácio Fonseca Santos, de 81 anos, já doente, sentiu uma dor no peito e dificuldade para respirar. Jandira o levou ao pronto-socorro, a médica deu orientações para o confinamento e prescreveu um exame para coronavírus. Na noite de segunda-feira, a filha sentiu uma brisa entrando pela janela e resolveu vestir uma camisa no pai. Jandira percebeu que as pernas e os braços do idoso estavam muito frios, gélidos, na verdade. Mas ele garantiu estar bem. Ela foi até a cozinha passar um café quente. Quando voltou ao quarto do pai com uma xícara, Ignácio já estava morto. O resultado do exame não chegou a ficar pronto, mas o atestado de óbito indicava a possibilidade de morte pelo novo coronavírus, o que se refletiu naquele desfecho. Ignácio, portanto, está fora das estatísticas do Ministério da Saúde.
O velório durou apenas dez minutos marcados no relógio, conforme o previsto. Além de Jandira, acompanhava o corpo apenas sua irmã, Maria de Fátima Fonseca. Quando faltavam dois minutos para o ritual se encerrar, um funcionário do cemitério foi até as filhas de Ignácio avisar que o carro estava pronto para levar o corpo. O enterro na cova rasa, em meio à terra vermelha e fofa, foi ainda mais rápido que o velório.
A estação do metrô deserta depois da ordem de não sair de casa em São Paulo. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
A estação do metrô deserta depois da ordem de não sair de casa em São Paulo. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Em razão da escassez de testes no Brasil, apenas pacientes que apresentam sintomas graves da doença, como dificuldade para respirar (a chamada Síndrome respiratória aguda grave), e tenham tido contato com pessoas infectadas estão sendo submetidos a exames. O governo já prometeu ampliar a capacidade, como fizeram outros países, e mais de 20 milhões de testes estão sendo aguardados para as próximas semanas. Essa dinâmica, contudo, provoca uma escalada dos casos suspeitos, e a hipótese de subnotificação de pessoas realmente infectadas. Desde a quinta-feira 19, o Ministério da Saúde deixou de divulgar a quantidade de possíveis infectados, mas algumas secretarias estaduais de Saúde seguem monitorando os números. Em Minas Gerais, por exemplo, havia 12 mil casos suspeitos e apenas 153 confirmados até a tarde de quinta-feira. No mesmo dia, no Brasil, os casos confirmados beiravam 3 mil, e as mortes 77, em números que crescem dia após dia. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou em coletiva à imprensa na quarta-feira que já é esperada uma escalada rápida nos números assim que os novos testes chegarem.
A sigla D3 no alto da certidão de óbito não significa um atestado formal de que a pessoa foi vítima do novo coronavírus. Há casos que foram confirmados pelos hospitais e outros em que simplesmente as circunstâncias indicam a possibilidade, mesmo sem um exame, o que recomenda cautela dos profissionais que vão fazer o enterro. É uma padronização administrativa do Serviço Funerário de São Paulo, sem validação médica, o que pode gerar distorções. Procurada para explicar os critérios que levam à classificação de morte suspeita, a prefeitura de São Paulo, responsável pelo serviço, afirmou que o código D3 “é usado para a segurança dos funcionários que realizam os manejos dos corpos com suspeitas ou casos confirmados da Covid-19” e que não é “parâmetro estratégico sobre os óbitos” decorrentes da doença. Ainda segundo a prefeitura, não há contabilização sobre o número de declarações de óbito expedidas sob o código D3 em São Paulo desde o início da pandemia.
“Em uma única manhã, num cemitério em São Paulo, ÉPOCA contabilizou ao menos 19 enterros-relâmpago em que os atestados de óbito tinham a sigla D3, que indica a possibilidade de morte por infecção de coronavírus”
Os enterros-relâmpago não distinguem classe social nem fronteira. No Rio de Janeiro, o empresário Christiano Bandeira de Mello, filho da empresária Mirna Bandeira de Mello, morta na segunda-feira após uma semana internada com o novo coronavírus, enterrou a mãe sem um amigo ou parente sequer. “Tive de sepultar minha mãe sozinho. Se fosse em condições normais, ela teria milhões em seu enterro”, afirmou Christiano ao colunista de ÉPOCA Guilherme Amado, numa conversa por telefone, pouco antes de desligar para participar de uma missa on-line em memória da mãe. “É um vírus letal para quem não está com uma saúde perfeita. Pode acontecer com qualquer pessoa. Infelizmente foi com minha mãe”, lamentou.
Mesmo quando não há suspeita de coronavírus como causa da morte, a recomendação para evitar aglomerações leva ao cancelamento de velórios e a enterros restritos a poucos parentes, se tanto. Na semana passada, no enterro de Affonso Arinos de Mello Franco, acadêmico da Academia Brasileira de Letras (ABL), que morreu aos 89 anos, de infarto, não houve velório — para complicar, a maioria dos integrantes da ABL faz parte do grupo de risco em razão da idade.
Na Itália, que contabiliza centenas de mortos a cada dia pelo novo coronavírus, os funerais foram banidos. “Essa pandemia mata duas vezes. Primeiro, te isola de quem você ama logo antes da morte. Depois, não te permite um fecho”, disse um funcionário de uma funerária em Milão à BBC. Histórias assim já se repetem na Espanha e nos Estados Unidos, novos epicentros da doença que já deixou mais de 15 mil mortos pelo mundo todo desde que surgiu, no final de dezembro passado, na China.
Maria Francisca, de 61 anos, também foi sepultada no Cemitério Vila Formosa com suspeita do novo coronavírus. Com medo da doença, nenhum parente compareceu ao velório durante os dez minutos reservados em uma tenda ao ar livre para o último adeus. Na hora de levar o corpo para a cova, por volta das 9h40 de quarta-feira, um funcionário gritou “quem está acompanhando o corpo de Maria Francisca?”. Não houve resposta. Deu-se início a um dilema. O que fazer com o caixão? Um funcionário da administração telefonou para o nome que aparecia na guia do cadáver, e uma hora e meia depois surgiu no cemitério Fernanda Gusmão, de 63 anos, amiga de Maria Francisca.
“Os parentes estão todos confinados com suspeita de coronavírus. Não podem sair de casa. Irei acompanhar o enterro”, anunciou. Fernanda usava máscara e luvas de látex. Seguiu o caixão da amiga a pelo menos 10 metros de distância e não chegou perto da cova em que Maria Francisca foi enterrada sem qualquer flor. “Faço parte do grupo de risco. Só estou aqui porque ninguém merece ser enterrado feito indigente”, disse, quando saía às pressas.
Na manhã que ÉPOCA passou na Vila Formosa, até uma criança de 6 anos foi sepultada sob essa classificação. Quando a mãe viu o caixão todo lacrado com fita adesiva e sem o visor de vidro, entrou em desespero. Os parentes guardavam uma certa distância do caixão, mas ela não; tentava forçar a abertura para colocar flores em volta do filho. Foi preciso o diretor do cemitério ir até ela para explicar que, se o caixão fosse aberto, todos no local correriam risco de contaminação. Ela insistia: “Poxa, só uma florzinha. Deixa, por favor. Nunca mais vou ver meu menino. Deixa...”. O apelo dramático não surtiu efeito. O filho foi velado em dez minutos e enterrado em menos de cinco. “O que poderia consolar o coração de uma mãe que não consegue fazer um velório decente para seu filho?”, questionou Lourival Panhozzi, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário.
O ritual da despedida e do luto é um passo relevante na aceitação da perda e posterior superação da dor, dizem psicólogos e psicanalistas. Quando essa cerimônia é negada a quem fica, os efeitos podem ser duradouros. “Geralmente um parente aceita completamente a perda em um ano. Mas, se não houver uma oportunidade de despedida, essa aceitação pode durar uma vida”, pontuou a psicóloga Júlia Catani. Ela afirma que há alternativas para tentar tornar a não despedida menos dolorosa. “Pode-se fazer um ritual dentro de casa com um encontro de amigos e parentes ou orações mesmo sem o corpo.”
“‘O que poderia consolar o coração de uma mãe que não consegue fazer um velório decente para seu filho?’, questionou o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário, que contesta as restrições atuais”
Apesar das restrições severas em vigor no Brasil e em boa parte do mundo, não há casos de contágio do novo coronavírus por meio de cadáveres. Um dos problemas é que mesmo depois da morte o vírus pode permanecer nas roupas e objetos ainda por várias horas, o que tem levado às medidas de lacração quase imediata do caixão.
Até por isso, não há um consenso em relação aos procedimentos para o sepultamento. Uma portaria assinada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), no dia 21 de março determina que os parentes não podem tocar os corpos dos mortos durante o velório. Em Mato Grosso, o governador Mauro Mendes (DEM) proibiu qualquer tipo de velório e funerais por três meses.
A doença se espalhou pelo planeta. Num enterro na Bolívia, o caixão é carregado por pessoas protegidas por máscaras. Foto: David Mercado / Reuters
O Ministério da Saúde publicou no dia 23 de março um documento de 16 páginas com diretrizes também rigorosas para manejo de corpos durante a pandemia. Em época de isolamento social, por exemplo, o governo federal não recomenda que os corpos de pessoas com teste positivo para Covid-19 e até mesmo de suspeitos de contaminação sejam velados. Isto é, os corpos devem seguir do hospital ou de casa para o Instituto Médico Legal (IML), de lá diretamente para a funerária e depois direto para a cova.
“No mundo todo, mais de 15 mil pessoas já morreram por causa da atual pandemia; em muitos países, como Espanha e Estados Unidos, os números ainda não dão sinais de cair”
Na contramão dessa tendência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou no dia 24 um guia de orientação aconselhando que os corpos das vítimas da nova doença sejam velados normalmente. “Até agora não há evidências de pessoas que tenham sido infectadas pela exposição aos corpos de pessoas que morreram da Covid-19”, disse a OMS. Em outro trecho, a entidade internacional afirmou que “a dignidade dos mortos, sua cultura, religião, tradições e principalmente seus familiares devem ser respeitados”. A recomendação para evitar aglomerações em velórios e que eles sejam feitos em local aberto, entretanto, continua mantida.
“Acho um exagero o que está sendo feito no Brasil. O coronavírus é um organismo poderoso, mas ele não perfura vidros e madeira. Todo mundo tem o direito de se despedir com dignidade de seus familiares, independentemente do que tenha sido o motivo da morte”, disse Lourival Panhozzi, da entidade do setor funerário.