Por Marcos Mendes
As emendas parlamentares ao Orçamento da União cresceram e se tornaram, em sua maioria, despesas obrigatórias. Com valor total de R$ 36 bilhões, já representam 24% da soma de despesas discricionárias e emendas. A maior parte das emendas se refere a gastos de caráter local, focalizados em municípios ou Estados específicos, e atende interesses eleitorais ou pessoais específicos de cada parlamentar.
Analistas de finanças públicas apontam os valores e o modus operandi dessas emendas como uma distorção que implica queda na qualidade das políticas públicas, aumento da despesa, distorção do processo eleitoral e perda de governabilidade pelo Poder Executivo federal. A imprensa revela, dia após dia, novas modalidades de corrupção envolvendo essas verbas.
Por outro lado, os defensores do uso e da ampliação das emendas argumentam que esse tipo de procedimento é normal em sociedades democráticas e ocorre em outros países. Será que é verdade? Num estudo publicado pelo Instituto Millenium, comparo o processo orçamentário brasileiro com o de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da América Latina. Percebe-se que somos claramente um ponto fora da curva.
A OCDE dispõe de um banco de dados descritivo das práticas orçamentárias de seus países-membros. À pergunta “no último ano fiscal, qual foi o montante total de alterações feitas pelo Legislativo no orçamento apresentado pelo Executivo?”, a maioria dos países reportou valores que são inferiores a 0,01% da despesa primária discricionária. Entre os que têm maior intervenção aparecem Portugal, com 0,48%; EUA (2,4%); Eslováquia (5,5%); e Estônia (12,3%). Esses números não chegam perto dos 24% do Brasil.
Recentemente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (Utao) da Assembleia da República de Portugal analisou o processo orçamentário daquele país. Apontou como problema de primeira ordem o grande número de emendas ao orçamento. Assim se expressa o relatório: “Haver centenas de Propostas de Alteração (PA) à POE (Proposta de Orçamento do Estado) para discutir e votar todos os anos num prazo curto é um problema sério e que se vem agudizando nos últimos anos. (...) As PA são entregues sem nenhum documento técnico de apoio. Isso significa que são ponderadas e votadas sem que se conheça a justificação técnica quanto à sua utilidade nem evidência quanto à sua exequibilidade ou capacidade de execução operacional pelos Serviços das AP (Administrações Públicas). Muito menos há informação técnica sobre as consequências financeiras para os contribuintes e sobre os resultados para os beneficiários e os prejudicados pelas medidas propostas. (...) Chegados a esta situação extrema, é tempo dos cidadãos e dos atores políticos se questionarem sobre a sanidade do processo. Não haverá uma maneira mais amiga da razão de deliberar sobre o Orçamento do Estado para o ano seguinte, e em respeito absoluto pela democracia?”.
Pois bem, se o problema é grave em Portugal, onde em 2021 foram submetidas 1.547 emendas e aprovadas 287, o que dizer do caso brasileiro, que teve 7.014 emendas apresentadas e 6.522 aprovadas em 2022?
Nos EUA há uma tradição de emendas similares às brasileiras, lá apelidadas de pork barrel projects, voltadas para investimentos feitos com recursos federais nas bases eleitorais dos congressistas. Uma organização não governamental voltada a fiscalizar e denunciar abusos nessas emendas (Citizens Against Government Waste – CAGW) dispõe de estatísticas sobre os valores envolvidos. Foram apenas 285 emendas em 2021 (menos de 5% das 6,5 mil emendas brasileiras), envolvendo recursos equivalentes a 2,3% das despesas primárias discricionárias, já excluídas aquelas com defesa nacional.
Para comparar com a situação brasileira, selecionei as emendas parlamentares mais parecidas com os pork barrel projects, que são aquelas voltadas para investimentos e que têm clara identificação do Estado ou município beneficiário. Esse subconjunto de emendas representa 12% da despesa discricionária. O nosso “pork” é 5 vezes maior que o dos EUA!
A OCDE também analisou o orçamento de países da América Latina. Uma das perguntas feitas aos países foi: “Em que nível de detalhe o Legislativo aprova as dotações orçamentárias?”. Como se sabe, os orçamentos públicos são divididos em vários níveis: há a despesa global, que se desdobra em despesas por programas, que são detalhados em ações específicas, e essas em itens específicos de gastos. Somente os Parlamentos do Brasil e do Chile têm o poder de alterar o orçamento no detalhe, mexendo em rubricas abaixo do nível de classificação por programa. Porém, no Chile, o Legislativo só pode reduzir despesa.
Portanto, nos países da América Latina para os quais há dados disponíveis, apenas no Brasil é dado ao Parlamento poder para alterar e aumentar detalhes das despesas. Fazendo-o sem uma noção de conjunto e sem obedecer a um planejamento das políticas públicas, as verbas são pulverizadas e desperdiçadas.
Não procede, portanto, o argumento de que o que se faz aqui é comum no resto do mundo. Distorcemos o Orçamento ao extremo, jogamos dinheiro fora e enfraquecemos a democracia.
* DOUTOR EM ECONOMIA, É PESQUISADOR ASSOCIADO DO INSPER
Por Cristovam Buarque*
Qualquer observador lúcido da política percebe a possibilidade de vitória eleitoral do atual presidente e tem consciência das consequências perigosas desta reeleição para o futuro. Desta vez a eleição não será apenas dele como pessoa física, mas dele como pessoa jurídica: propósitos e estilos de seu governo. Apesar disto, todos se comportam como os personagens teatrais: guiados por um roteiro que leva ao final trágico, que não se deseja.
Apesar de alertas do ex-presidente Lula, os militantes do PT passam a impressão de que a eleição está ganha, de que os erros, malfeitos e falta de bom senso do Bolsonaro são tão gritantes, que a maioria não votará nele. Esquecem que, de um lado, há dezenas de milhões que veem estes erros como acertos e por isto votam nele com convicção de que estão elegendo o melhor para o Brasil. De outro lado, há dezenas de milhões que rejeitam Bolsonaro, mas ainda preferem os erros dele aos erros do PT. O que o PT acha erro do Bolsonaro, os eleitores dele consideram acertos, e o que o PT vê como seus acertos, muitos veem como erros. Até mesmo o Lula, apesar de sua sensibilidade, algumas vezes fala tão para dentro de seu grupo, ao ponto de defender posições que alienam eleitores. O PT parece não entender que ninguém é eleito apenas com os votos de seus correligionários. A democracia exige ampliar apoio para além de suas fronteiras. Com um discurso fechado, dificilmente se ganha e se ganhar dificilmente governa um país com a complexidade de nosso Brasil.
Além do risco de reeleger o governo Bolsonaro por causa do “salto alto” e do isolamento do PT, os demais opositores ao Bolsonaro facilitam esta reeleição ao se deixarem guiar por um antipetismo que anula o antibolsonarismo. A soma destes dois comportamentos, pode induzir o voto nulo em uma quantidade que provoque um resultado que não se deseja. Ou dizem não desejar. Não têm vontade de reeleger Bolsonaro, mas não têm vontade de eleger o Lula.
Os discursos da chamada “terceira via” levam os eleitores que não desejam a continuação do Bolsonaro a não aceitarem a volta do Lula.
A própria “terceira via” é sobretudo um “terceiro muro” para barrar a eleição de Lula, construído com tijolos de antipetismo. O PT precisa reconhecer que estes tijolos estão entranhados no sentimento de dezenas de milhões de eleitores. Justo ou não, há um sentimento de que houve corrupção, aparelhamento, manipulação. Lula e o PT serão responsáveis pela derrota se não forem capazes de dissolver este sentimento dos eleitores, mas os demais líderes opositores ao Bolsonaro também serão responsáveis se continuarem deixando-se guiar pelo antipetismo e consolidando o “terceiro muro”.
Se as próximas pesquisas indicarem que os eleitores de Moro optaram por Bolsonaro, ficará claro que a “terceira via” pode ser mais bolsonarista do que lulista. Afinal, em 2018, seus atuais candidatos votaram no Bolsonaro ou se omitiram durante o processo eleitoral. Foi uma opção grave, porque se sabia quem era a pessoa física de Bolsonaro, agora seu governo tem alma, e ela está disputando continuar. Todos que desejam evitar esta tragédia, e dar os passos necessários à reunificação, recuperação e reconstrução do Brasil precisam derrubar impedir esta continuação. Para isto, o primeiro passo é derrubar o muro do antipetismo e construir uma estrada para o futuro, sem arrogância nem preconceitos, com discurso e comportamento de unidade pelo Brasil.
Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador*
Publicado em Notas&Informações do Jornal O Estado de São Paulo em 16/03/22
A cada nova eleição, mudam as circunstâncias políticas, mas a tática de Luiz Inácio Lula da Silva continua sendo a mesma de todas as disputas anteriores: esconder o PT do eleitor. A todo custo, deseja-se evitar que a população perceba a relação óbvia e inexorável entre a legenda e seus candidatos, como se o voto em um petista pudesse não significar apoio ao retorno do PT ao poder. O que é mais constrangedor – a revelar o alto teor tóxico da legenda, com seus múltiplos e indigestos escândalos – é que o próprio Lula, fundador e autocrata do PT, tenta esconder a legenda em sua campanha eleitoral.
Segundo relatou reportagem do Estadão, a ordem na campanha lulista para a Presidência da República é “investir na marca Lula, e não na imagem do PT”. Eis o instinto de sobrevivência política de Lula em funcionamento. Por mais que apareça em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, o líder petista tem consciência de sua fragilidade perante o histórico do PT. Não há espaço para ilusões ingênuas. A história da legenda é abundantemente conturbada para que alguém queira apresentá-la ou defendê-la na campanha. O atalho possível é tentar escondê-la.
Foi assim na campanha presidencial de 2018. O candidato Fernando Haddad – aquele que fez as vezes de Lula, então preso em Curitiba e inelegível por força da Lei da Ficha Limpa – tinha tanta vergonha do PT que não apenas escondeu o nome da legenda que o inventara como candidato a presidente da República, como ocultou, sempre que pôde, a cor vermelha do material de campanha eleitoral. Sem especiais pudores ideológicos e, principalmente, sem aquela relação de transparência que se espera que os candidatos tenham com o eleitor, Fernando Haddad trocou o vermelho petista por um comportado azul centrista. Mas, como se sabe, isso era apenas uma manobra para confundir o eleitorado. Fosse qual fosse a cor usada, Fernando Haddad era apenas e tão somente o poste lulopetista.
Nas eleições municipais de 2020, o PT usou a mesma tática, mas não teve jeito. Atento à filiação partidária dos candidatos, o eleitor deu à legenda petista um dos piores resultados eleitorais de sua história. No País inteiro, o PT conquistou apenas 182 prefeituras, ficando atrás, em número de prefeitos eleitos, de MDB (783 prefeitos), Progressistas (687 prefeitos), PSD (654 prefeitos), PSDB (521 prefeitos) e DEM (466 prefeitos). Esse é o apreço do eleitorado à agremiação que, sob a firme e incontestável liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, criou, entre outros feitos, o mensalão, o petrolão e a gestão Dilma Rousseff.
Agora, o líder petista recorre à mesma manobra, buscando que sua legenda não apareça no campo de visão do eleitor. A desfaçatez continua exatamente igual, apenas mudou a desculpa. Em 2022, Lula já não estaria interessado em apresentar-se como candidato de um partido à Presidência da República, e sim como – nada mais nada menos – a grande liderança de “um movimento para reconstruir a democracia”. Dessa forma, não seria necessário mencionar o PT na campanha.
Haja engodo. A vergonha de Lula de mostrar o PT ao eleitor é tratada como se fosse um gesto em defesa da democracia. Depois do embuste bolsonarista no governo federal, o País precisa de um mínimo de respeito com a população e com os próprios fatos. Não cabe negacionismo histórico. Não há PT sem Lula, como não há Lula sem PT.
A trajetória política de Lula é indissociável da história do PT. Os erros da legenda não são capítulos pretéritos que podem ser escondidos ou esquecidos. Lula tem muito a explicar ao País. Não basta dizer que suas ações penais prescreveram ou que a 13.ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar as denúncias contra ele. O PT tem um histórico de incompetência, irresponsabilidade, aparelhamento e corrupção a exigir esclarecimento.
Lula fala em democracia, mas usa táticas ilusionistas para evitar que o eleitor o responsabilize pelos escândalos de sua legenda. Democracia não é regime de esquecimento, e sim de memória e responsabilidade.
O recém-publicado resultado das provas do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), aplicadas em dezembro de 2021, revelou um panorama sombrio. Os alunos do 3.º ano do ensino médio da rede estadual obtiveram as piores notas em Matemática de toda a série histórica da avaliação feita pelo governo paulista, iniciada em 2010. A maioria dos alunos (58,7%) do último ano do ensino médio saiu da escola sem conhecer noções elementares da disciplina. O desempenho na prova de Língua Portuguesa foi igualmente sofrível.
Notas&Informações - Estadão
Em 2021, os estudantes obtiveram nota 264,2 em Matemática. Até então, o pior resultado fora registrado em 2013, e mesmo assim acima do atual (268,7). Em Língua Portuguesa, a nota média obtida no fim do ano passado despencou em relação a 2019, aproximando-se do resultado de 2013. Note-se que não se está falando de conhecimentos altamente especializados, mas do manejo básico do idioma pátrio e das operações matemáticas. Sem isso, o que esperar do futuro dessa massa de jovens? Resgatá-los, em grande medida, é resgatar o País.
O Brasil estará condenado a ser um país medíocre caso o desastre causado pela pandemia de covid-19 na área de educação não seja revertido por políticas públicas bem planejadas e executadas desde já por Estados e municípios e, a partir do início de 2023, pelo governo federal. É quando se espera que o Ministério da Educação (MEC) – que se fez presente apenas pela irracionalidade de seus titulares nos últimos três anos – tenha, enfim, a chance de ser reerguido por um presidente da República digno do cargo após a razia promovida na pasta por Jair Bolsonaro.
A educação brasileira, particularmente nos níveis fundamental e médio, a rigor já não ia bem antes da eclosão da pandemia. Casos pontuais de boas políticas educacionais foram registrados em alguns municípios, mas os indicadores nacionais e regionais de desempenho dos alunos em conhecimentos básicos, como Língua Portuguesa e Matemática, já oscilavam abaixo dos padrões internacionais há algum tempo.
A disseminação do novo coronavírus, somada à inoperância de um presidente que enxerga o poder como mero exercício de mando e escudo contra a responsabilização por suas ações e omissões, impôs novos desafios à aprendizagem e agravou problemas antigos. De um dia para o outro, por exemplo, a pandemia obrigou professores e alunos que jamais haviam experimentado o ensino remoto a se adaptarem a uma nova forma de interação.
O necessário fechamento das escolas nos primeiros meses da pandemia foi seguido por políticas erráticas e desastrosas dos governos subnacionais em relação à reabertura – mais um reflexo da ausência do MEC. O que se viu foi o crescimento brutal da desigualdade entre alunos por classificações de renda e cor e um notável aumento do déficit de aprendizagem, que apenas no Estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do País, chega a seis anos.
É evidente que o resultado pífio obtido pelos estudantes paulistas no Saresp 2021 é parte de uma miséria cognitiva que se reproduz Brasil afora, fruto da tibieza dos governos, em todas as esferas da administração, ao lidar com a educação no curso da pandemia. O fechamento das escolas era uma medida necessária no início da pandemia, mas o ensino remoto, sem a estrutura necessária, provou-se um fracasso, sobretudo entre os mais pobres. Em seguida, criou-se um modelo híbrido, que também não se mostrou eficaz. E, nessa política de tentativa e erro, prevaleceu o erro e o resultado aí está.
Já se sabe o que precisa ser feito para reverter esse quadro trevoso. Há organizações da sociedade civil muito sérias que, diligentemente, têm feito diagnósticos e apontado caminhos. No Congresso, há uma dedicada bancada de deputados e senadores a serviço da educação trabalhando para tirar o País do atraso. Alguns secretários estaduais e municipais de Educação, por sua vez, têm conseguido êxitos locais que servem de exemplo para todo o País.
A importância da educação para o futuro do Brasil precisa deixar de ser o truísmo das campanhas eleitorais e se tornar a realidade percebida por milhões de alunos, pais e professores. O que falta é ação.
Artigo do jornal O Estado de São Paulo do sia 20/02
Da coluna Notas&Informações
Se foi malsucedido em implantar uma agenda conservadora como a prometida na campanha de 2018, Jair Bolsonaro pode se vangloriar de ter subvertido o presidencialismo de coalizão vigente no País desde a redemocratização. Na atual administração, o governo não governa, não define os projetos que serão submetidos ao Legislativo e não articula maioria no Congresso. Essas atividades foram gentilmente cedidas a Arthur Lira (PP-AL), que assumiu as funções como se tivesse sido ele, e não Bolsonaro, o eleito com o voto de 57,7 milhões de brasileiros para comandar o Orçamento e liderar o debate legislativo. É sempre necessário lembrar que não foi, ainda que uma recente entrevista de Lira ao jornal Valor Econômico explicite esse e vários outros aspectos da realidade política do País supostamente presidido por Bolsonaro. A bem da verdade, a cadeira presidencial já vinha sendo enfraquecida antes, ainda sob Dilma Rousseff, mas o processo se acentuou ainda mais com Bolsonaro, cujo único objetivo desde que foi eleito é garantir mais quatro anos no cargo.
Está cada vez mais evidente que caberá a Lira dar uma solução para o pandemônio que se tornou a discussão sobre a desoneração de combustíveis, obsessão bolsonarista e alvo de pelo menos duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), uma delas apelidada de PEC Camicase pelo impacto estimado de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Se depender do presidente da Câmara – e já se sabe que depende –, o Congresso deixará as bombas fiscais de lado e aprovará um projeto de lei complementar que muda a cobrança de ICMS, hoje um porcentual sobre o preço, para um valor fixo por litro, e aproveitará a proposta para embutir no texto a redução dos impostos federais sobre o diesel. “Não temos interesse nenhum em atrapalhar o caminho involutivo que o dólar está tendo e que a inflação terá”, disse Lira.
É, portanto, com o espírito público de Lira – dono do orçamento secreto e articulador da PEC dos Precatórios, aquela que dinamitou o teto de gastos – que o País precisa contar para evitar a explosão da inflação e a desvalorização do câmbio, enquanto o Banco Central luta praticamente sozinho para manter alguma estabilidade na economia. O ex-superministro Paulo Guedes, por sua vez, “é como ele é, todo mundo sabe como ele é”, na precisa definição de Lira, e deveria seguir a hierarquia – o que, neste governo, significa um presidente decorativo tutelado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. “As pessoas me perguntam se houve uma superposição do ministro Ciro sobre o ministro Guedes. Não. Todo governo tem que ter uma hierarquização. O presidente da República, o ministro da Casa Civil e depois os outros ministros. Se o ministro da Casa Civil não organizar o Ministério, fica ruim. Tem que ter quem fale pelo governo. O ministro da Economia tem que ser ouvido, é figura-chave com relação aos projetos econômicos, mas ele não pode ter a palavra final se o governo vai querer fazer política de saneamento. Isso aí é governo. Ele pode falar sobre o impacto e o governo tem a posição política de enfrentar ou não”, disse.
Não que surpreenda, mas chama a atenção uma exposição tão nua da natureza distorcida das relações entre Executivo e Legislativo. Lira deixa claro que a anemia da cadeira presidencial é hoje um fato da vida, e se as consequências desse fato serão boas ou ruins para a sociedade é o comando do Congresso quem vai dizer. Nesse sentido, o principal recado de Lira, que já reconheceu a iminente derrota de Bolsonaro ao menos no Nordeste, foi para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder das pesquisas de intenção de voto, Lula já anunciou que pretende revogar a reforma trabalhista e as privatizações de estatais e subsidiárias se for eleito. “Só queria lembrar que no meio dos presidentes que estão e que serão eleitos tem o Congresso Nacional. E já deixei bem claro: permanecendo um Congresso de centro-direita, nossa vontade é não retroagir nos avanços que a gente já teve. O problema do Brasil é terminar as reformas paradas.” Traduzindo: o presidente da República pode até mudar, mas Lira fica, e o Centrão também.