Presidente da Câmara, Lira articula emenda constitucional que muda sistema de governo; objetivo é aliviar pressão pela abertura de processo
Por Vera Rosa e Lauriberto Pompeu
Disposto a esvaziar a pressão para autorizar o impeachment de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), articula com aliados a mudança no sistema de governo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). A um ano e três meses das eleições de 2022 e sob a justificativa de que o presidencialismo virou uma fonte inesgotável de crises, a ideia apoiada por Lira e nomes de peso do mundo político e jurídico prevê a adoção do regime semipresidencialista no Brasil.
O modelo introduz no cenário político a figura do primeiro-ministro e aumenta o poder do Congresso. Embora a proposta determine que o novo sistema tenha início apenas no primeiro dia do "mandato presidencial subsequente" à promulgação da emenda, sem fixar datas, o presidente da Câmara, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney, defendem o ano de 2026 como ponto de partida.
Lira apresentou a minuta na última terça-feira, em reunião do colégio de líderes, e obteve apoio da maioria para levá-la adiante, apesar das críticas da oposição, principalmente do PT, que chama a proposta de "golpe" e "parlamentarismo envergonhado". A PEC é de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), ex-secretário da Casa Civil de São Paulo, e, para que comece a tramitar na Câmara, precisa de 171 assinaturas.
O Estadão apurou que a proposta, protocolada em agosto do ano passado, estava na prateleira e foi resgatada após o presidente Bolsonaro fazer uma série de ameaças, dizendo que o Brasil não terá eleições em 2022, se não houver voto impresso. Nesta sexta-feira, 16, ao perceberem que seriam derrotados, aliados do governo promoveram uma manobra e conseguiram adiar para agosto, na comissão especial da Câmara, a apreciação do que definem como "voto auditável".
Nos últimos tempos, afirmações do presidente na contramão da democracia serviram para acender a luz amarela no Congresso e no Supremo. O temor de ruptura institucional cresceu depois que o ministro da Defesa, Walter Braga Neto, e comandantes das Forças Armadas divulgaram nota atacando o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Omar Aziz (PSD-AM).
Diante de 126 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, Lira afirmou que é preciso trabalhar mais para "pôr água na fervura" do que para "botar querosene" na crise. Cabe ao presidente da Câmara dar andamento ao processo, mas Lira disse não ver ambiente político para isso e reagiu às cobranças. "Não posso fazer esse impeachment sozinho", afirmou o deputado, que comanda o bloco de partidos aliados, conhecido como Centrão.
Barreira
A proposta de semipresidencialismo que reaparece agora como uma barreira para enfrentar arroubos - por enquanto retóricos - de Bolsonaro prevê um modelo híbrido. Ao mesmo tempo em que mantém o presidente da República, eleito pelo voto direto, delega a chefia de governo para o primeiro-ministro. É ele quem nomeia e comanda toda a equipe, o chamado "Conselho de Ministros", incluindo nesse rol até mesmo o presidente do Banco Central.
Inspirado em sistemas adotados em Portugal e na França, o regime sugerido para o Brasil em nome da estabilidade joga luz sobre um "contrato de coalizão", com força de lei, para ser assinado por partidos que dão sustentação ao presidente. Ali devem constar as diretrizes e o programa de governo.
Na prática, é o primeiro-ministro que toca a administração do País e conduz o "varejo político" nas relações do Palácio do Planalto. Nomeado pelo presidente, de preferência entre os integrantes do Congresso, ele tem a obrigação de comparecer todo mês à Câmara para prestar contas.
A destituição do chefe de governo pode ocorrer pela aprovação de moção de censura apresentada pelo presidente ou por dois quintos de integrantes de cada Casa do Congresso. O gabinete não cai, porém, enquanto não houver outro primeiro-ministro, já que não existe vice-presidente.
"Hoje temos um presidencialismo de coalizão, mas o equilíbrio para o governo se manter no poder custa o que a gente não sabe. A fatura é alta e o Congresso não tem compromisso político. No semipresidencialismo, a governança muda e as composições são reveladas", argumentou Moreira, o autor da PEC.
Desde a redemocratização, dois presidentes - Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff - foram afastados e todos os outros conviveram com a espada da interrupção do mandato sobre a cabeça. O Brasil já fez dois plebiscitos sobre sistema de governo: um em 1963 e outro em 1993. Em ambas as consultas, uma minoria demonstrou apoio à criação do cargo de primeiro-ministro e o parlamentarismo foi derrotado.
"Qual o problema aqui? O presidente da República já se elege com o impeachment do lado", disse Lira ao Estadão. "Ninguém aguenta isso. Um processo de impeachment deflagrado a um ano da eleição é o caos. O semipresidencialismo é a forma de estabilizar a política dentro do Congresso".
Para ser aprovada, a proposta precisa ter 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em duas votações. "Semipresidencialismo é parlamentarismo disfarçado. Torna presidente eleito sem poder. É criar crise, colocar no comando do País quem não tem legitimidade do voto para tanto. Golpe na soberania popular. Regime e sistema de governo já foram decididos por plebiscito duas vezes no Brasil", criticou a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), em mensagem postada no Twitter.
Na avaliação da cúpula petista, a proposta só ressurgiu para prejudicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e é o maior adversário de Bolsonaro para 2022. A PEC determina que o mandato do presidente é de quatro anos, com direito a apenas uma reeleição, consecutiva ou não.
"Eu acho que nós deveríamos implantar essa inovação para 2026, para que não haja mais nenhum interesse posto em mesa", ponderou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso.
Coordenador
Além da polêmica sobre o ano de instituição do novo sistema, caso haja apoio para a tramitação da PEC, o texto embute uma novidade. No período de transição do atual regime para o semipresidencialismo está prevista a criação do cargo de ministro coordenador, a quem caberá a articulação político-administrativa do governo.
"Isso é para colocar desde já o Centrão dentro do Planalto", observou o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que é parlamentarista. "Vejo essa proposta como um bode na sala, para distrair a população que enfrenta pandemia, inflação e desemprego. Adotar uma mudança tão profunda para resolver uma emergência pode ser uma emenda pior do que o mau soneto".
A opinião é compartilhada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), (foto). Ao ser questionada sobre a proposta, ela respondeu: "Com esse Congresso? Mais poderes para o Centrão".
Candidato à Presidência em 2014, tendo Aloysio como vice, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) disse ser a favor do semipresidencialismo, mas afirmou que, antes de tudo, é necessário um enxugamento no número de partidos. "Para permitir que o Congresso tenha poderes fortalecidos é preciso que haja o mínimo de organização partidária. Não tem 30 ideologias para ter 30 partidos", constatou o tucano.
Não é a primeira vez que o semipresidencialismo vira assunto na Praça dos Três Poderes. Em 2017, durante o governo Temer, o ministro do STF Gilmar Mendes, que à época era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enviou uma minuta sobre o assunto para ser analisada pela Câmara. Para o magistrado, o presidencialismo dá sinais de exaustão.
"As sucessivas crises do nosso sistema, com incansáveis invocações de impeachment, reclamam uma reforma que garanta a co-responsabilidade do Congresso Nacional nos deveres de Governo. Representatividade e governabilidade podem andar juntas", escreveu Gilmar no Twitter.
O deputado bolsonarista Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) tem receio da mudança e pondera que o efeito pode ser o inverso do pretendido. "O presidente vai nomear o primeiro-ministro, vai colocar um cara dele lá. Vai continuar concentrando poder e neutralizar o Legislativo", resumiu. Orleans e Bragança disse que prefere o parlamentarismo original, sem inovações.
O cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia, porém, que o semipresidencialismo permitiria remédios mais suaves e soluções menos traumáticas para instabilidades políticas e trocas de governo. "Teoricamente, é muito mais fácil você resolver isso no semipresidencialismo do que no presidencialismo. Assim como é mais fácil resolver no parlamentarismo".
Mesmo assim, Couto também considerou que, antes de mudar o sistema, o Brasil precisa diminuir o número de partidos para permitir uma formação mais programática de maioria no Congresso. "O que às vezes se tem é o que a gente chama de coalizão de veto. Vários partidos que não se unem para construir alguma coisa, mas podem se unir para derrubar um governo", destacou.
Após encontro para remediar a crise entre os Poderes, chefe do Executivo declarou em entrevista coletiva ser o "Jairzinho paz e amor"
Com Estadão Conteúdo
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, convidou o presidente Jair Bolsonaro para uma reunião na tarde desta segunda-feira (12) no Salão Branco da Corte, onde os dois trataram de remediar a crise na relação entre os Poderes. Na conversa privada no hall que antecede o plenário, Fux teria pedido que Bolsonaro respeitasse "os limites da Constituição". Segundo apurou a reportagem, o presidente teria se comprometido a moderar os ataques aos ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— Convidei o presidente da República para uma conversa, diante dos últimos acontecimentos, onde nós debatemos o quão importante é para a democracia brasileira o respeito às instituições e os limites impostos pela Constituição Federal — disse Fux à imprensa.
Segundo o magistrado, Bolsonaro recorreu a uma fábula evangélica sobre perdão para demonstrar que entendeu o movimento de Fux em busca de estancar a crise.
O encontro, porém, não esgotou as tratativas de conciliação. Fux afirmou que uma nova reunião será realizada para tratar da relação institucional. O novo encontro, ainda sem data definida, contará com a presença do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O presidente do STF disse que a nova conversa tratará da tentativa de "fixar balizas sólidas para a democracia brasileira, tendo em vista a instabilidade do nosso regime político".
Após o encontro na mais alta instância do Judiciário, Bolsonaro declarou em entrevista coletiva ser o "Jairzinho paz e amor", em alusão à forma para se referir ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos momentos anteriores à eleição presidencial de 2002 — quando o petista se apresentou com discurso conciliatório e mais simpático ao centro político. A nova versão de Bolsonaro, no entanto, não demonstrou ter novo entendimento sobre uma pauta pacificada entre as lideranças dos outros Poderes quanto à sua inconstitucionalidade: o voto impresso.
— Devemos mostrar para o mundo que o Brasil é um país sério, tem eleições limpas, auditáveis. Acertado por minoria de técnicos, isso não é eleição. Aí vamos bater na tecla da contagem dos votos — disse Bolsonaro.
Quando questionado se estava arrependido por ter chamado o ministro Luis Roberto Barroso de "imbecil", Bolsonaro recorreu novamente aos preceitos religiosos e propôs que fosse rezada a oração Pai Nosso durante a coletiva. A postura comedida com a imprensa após o encontro fez com que Bolsonaro passasse a se esquivar das perguntas, em vez de atacar os entrevistadores.
Ao ser questionado pelo Estadão sobre o possível ato de prevaricação por não solicitar que a Polícia Federal (PF) investigue as denúncias de irregularidade na aquisição da vacina Covaxin — apresentadas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) —, Bolsonaro questionou a reportagem sobre a definição de prevaricar e disse que não pode ser enquadrado no crime por, supostamente, não ser funcionário público.
— Eu entendo que a prevaricação se aplica a servidor público. Não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção, eu tomo providência. Até a do Luís Lima (Luis Miranda), mesmo conhecendo toda a vida pregressa dele, a vida atual dele, eu conversei com o (ex-ministro da Saúde Eduardo) Pazuello — afirmou.
Em posse do mais alto cargo do funcionalismo público do país, Bolsonaro passou a ser investigado pela Polícia Federal, que vai apurar se o presidente cometeu crime de prevaricação por supostamente não ter comunicado aos órgãos de investigação indícios de corrupção nas negociações para a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. Segundo apurou a reportagem, a corporação ainda prepara as primeiras diligências a serem cumpridas na investigação.
Projeto da LDO aumentou para até R$ 5,7 bilhões o total de verbas destinadas ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundão eleitoral
Com Gazeta do Povo
A aprovação do aumento no fundão eleitoral para até R$ 5,7 bilhões de reais vai deixar ainda mais ricos os partidos que têm as maiores bancadas na Câmara dos Deputados. A legislação determina que cabem a eles as maiores fatias do chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanhas.
De acordo com projeção publicada em reportagem do jornal O Globo, PSL e PT, que têm o maior número de parlamentares na Casa, irão quase triplicar os recursos que receberam nas eleições de 2020.
Juntos, os dois partidos receberiam mais de R$ 1 bilhão de reais, sendo R$ 575,8 milhões à legenda de direita e R$ 565,5 milhões aos petistas. Em 2020, o valor máximo destinado pelo Fundo foi de R$ 201,2 milhões.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, o PT recebeu no ano passado R$ 201.297.516,62, ou seja, pode receber 2,8 vezes mais em 2022. Já o PSL recebeu R$ 199.442.419,81. Na comparação, o antigo partido do presidente Jair Bolsonaro pode receber 2,88 vezes mais na próxima eleição.
De acordo com as mesma projeção, outros partidos também aumentariam consideravelmente os recursos para campanhas eleitorais. O MDB passaria a ter direito a receber R$ 424,6 milhões; o PSD, R$ 388,8 milhões; o PP, R$ 383,5 milhões e o PSDB, R$ 375,9 milhões.
Ao todo, 11 dos 33 partidos devem receber no ano que vem uma fatia superior aos R$ 200 milhões, o valor máximo destinado a uma legenda na eleição do ano passado.
Ainda segundo O Globo, a aprovação do aumento do fundão eleitoral deve fazer da eleição de 2022 a mais cara da história, indo na contramão do barateamento de custos as campanhas eleitorais nos anos de 2016, 2018 e 2020.
Este posto de campanha mais cara pertence hoje à disputa de 2014, quando os candidatos gastaram R$ 6,3 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Naquele ano, ainda eram permitidas as doações feitas por empresas.
Este valor deve ser ultrapassado em 2022 porque, além dos R$ 5,7 bilhões do fundão, ainda são permitidos o financiamento via fundo partidário e as doações de pessoas físicas.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanhas foi implementando em 2018, como mecanismo de compensação ao fim das doações empresariais. Esse modelo de financiamento de campanha ficou mal visto principalmente após as denúncias de corrupção descobertas pelas investigações da Operação Lava Jato.
Sanção ou veto de Bolsonaro
A proposta da LDO de 2022 ainda precisa passar pela sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro.
De acordo com a reportagem de O Globo, conselheiros têm recomendado ao presidente que ele não vete o aumento do fundo eleitoral. Eles avaliam que seria um desgaste desnecessário com o Congresso, que aprovou a proposta com grande apoio de parlamentares.
O comitê de secretários estaduais de Fazenda considera a nova versão da reforma no Imposto de Renda um atentado contra as contas públicas por retirar R$ 27,4 bilhões em receitas dos governos regionais. Em carta publicada nesta quinta-feira (15), o grupo rejeita integralmente a proposta
POR FÁBIO PUPO
A oposição dos estados ao texto se soma à dos municípios e coloca em xeque a tentativa elaborada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) em parceria com o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), de aprovar as novas regras neste ano para que elas comecem a valer em 2022.
O Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) afirma que o buraco nas contas públicas será observado quase integralmente nos números de estados e municípios.
De acordo com a entidade, a perda ocorreria devido ao menor recolhimento de receitas a serem obtidas com o Imposto de Renda. A Constituição determina que parte dessa arrecadação, feita pela União, seja repassada aos estados e municípios.
Entre as medidas previstas na proposta de Sabino, está o corte na cobrança de IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) que vai gerar um impacto de R$ 74 bilhões em 2022 e de R$ 98 bilhões anuais a partir de 2023 para os cofres públicos. Além disso, foram feitas medidas que compensam parcialmente o corte por meio de tributos que ficam só com a União e não são repartidos com os entes subnacionais.
O substitutivo à proposta de reforma no Imposto de Renda, apresentado aos líderes do Congresso nesta semana, abre um buraco anual de R$ 30 bilhões nas receitas do setor público consolidado (que considera os números de União, estados e municípios). Segundo o Comsefaz, o efeito líquido negativo será de R$ 27,4 bilhões para estados e municípios e de R$ 2,6 bilhões para a União.
O relatório atenta contra o equilíbrio fiscal da União, estados e munícipios, que vêm lutando para equalizar suas contas desde a crise de 2015 e que foi agravada pela pandemia que se iniciou no ano passado, sem um horizonte concreto de desfecho, afirma carta assinada por Rafael Fonteles, presidente do Comsefaz.
A técnica inepta é agravada pelo desconhecimento da existência de um pacto federativo na Constituição do país, dado o flagrante atentado a este, afirma a carta, dizendo que a proposta sabota o pacto federativo ao transferir mais de 90% da conta da mudança aos entes regionais.
Para os estados, a proposta caminha em sentido contrário a todas as recomendações internacionais que endossam a progressividade dos tributos. Postulamos a rejeição integral do substitutivo, afirma o texto.
De acordo com o Comsefaz, houve maioria entre os secretários para a publicação da carta. Não houve votos contrários e nem todos se manifestaram até agora, mas a previsão da presidência é que haja unanimidade.
Cristiane Alkmin, secretária de Fazenda de Goiás, afirma que a proposta deveria trazer uma compensação para estados e municípios o que não foi previsto no texto. "Os estados e municípios estão fazendo uma reclamação muito genuína. Eles têm uma programação orçamentária e financeira de acordo com o que arrecadam e também com os repasses [que recebem]", diz à reportagem.
"Na hora que a gente modifica essa base tributária, a gente tem que pensar em compensações", afirma. Ela lembra que os estados buscam uma reforma tributária ampla que inclua o estadual ICMS e o municipal ISS.
Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), afirma que o relatório apresentado por Sabino é um "escândalo" por desonerar a renda de empresas e pessoas mais ricas e por produzir o rombo de R$ 30 bilhões nas contas públicas. Ele diz concordar com a redução da carga para pessoas jurídicas, mas vê exagero na dose.
"A CNM, embora concorde com a justa correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, com o retorno da tributação sobre dividendos e até mesmo com a redução moderada da carga tributária das empresas, se manifesta contra o relatório na forma como apresentado. Por isso, a entidade faz um chamado aos parlamentares comprometidos com o municipalismo e a justiça fiscal a reprovarem o texto", afirma Ziulkoski em nota.
Segundo Ziulkoski, o impacto para os municípios será de R$ 13,1 bilhões.
A oposição dos governos regionais ao texto é mais um capítulo das dificuldades do governo em implementar a reforma no Imposto de Renda.
Guedes enviou ao Congresso em 25 de junho uma primeira proposta atacada por empresários, que enxergaram aumento da carga. Nesta semana, após reuniões com o relator, foi apresentada a nova versão, que corta significativamente o imposto para pessoas jurídicas, mas deixa o buraco na arrecadação.
A nova proposta corta a alíquota de IRPJ de 15% para 2,5%. Pelo texto, haverá uma redução de 10 pontos percentuais no primeiro ano de vigência e mais 2,5 pontos no segundo ano.
O governo tem pressa para que o projeto seja aprovado ainda neste ano, para valer no ano que vem e para gerar respaldo jurídico para turbinar em R$ 20 bilhões o Bolsa Família em ano eleitoral (graças às medidas de aumento de arrecadação dentro da proposta).
O general Eduardo Pazuello teria negociado a compra de 30 milhões de doses da vacina Coronavac com representantes da World Brands em um encontro fora da agenda enquanto era ministro da Saúde. As informações são do jornal Folha de S.Paulo
POR CONSTANÇA REZENDE E MATEUS VARGAS
O então ministro Eduardo Pazuello (Saúde) prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac que foram formalmente oferecidas ao governo por quase o triplo do preço negociado pelo Instituto Butantan.
A negociação, em uma reunião fora da agenda oficial dentro do ministério em 11 de março, teve o seu desfecho registrado em um vídeo em que o general da ativa do Exército aparece ao lado de quatro pessoas que representariam a World Brands, uma empresa de Santa Catarina que lida com comércio exterior.
A gravação, obtida pelo jornal Folha de S.Paulo e já de posse da CPI Covid no Senado, foi realizada no gabinete do então secretário-executivo da pasta, o coronel da reserva Elcio Franco. Nela, Pazuello relata o que seria o resumo do encontro.
"Já saímos daqui hoje com o memorando de entendimento já assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível para atender a nossa população", diz o então ministro, segundo quem a compra seria feita diretamente com o governo chinês.
A proposta da World Brands, também obtida pela Folha de S.Paulo, oferece os 30 milhões de doses da vacina do laboratório chinês Sinovac pelo preço unitário de US$ 28 a dose, com depósito de metade do valor total da compra (R$ 4,65 bilhões, considerando a cotação do dólar à época) até dois dias após a assinatura do contrato.
Naquele dia, 11 de março, o governo brasileiro já havia anunciado, dois meses antes, a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac do Instituto Butatan, pelo preço de US$ 10 a dose. A demissão de Pazuello seria tornada pública por Bolsonaro quatro dias depois, em 15 de março.
Além da discrepância no preço, o encontro fora da agenda contradiz o que Pazuello afirmou em depoimento à CPI da Covid, em 19 de maio. Aos senadores o general disse que não liderou as negociações com a Pfizer sob o argumento de que um ministro jamais deve receber ou negociar com uma empresa.
"Pela simples razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o 'decisor', eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. Se o ministro... Jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso", disse Pazuello à CPI.
No vídeo, um empresário que Pazuello identifica como "John" agradece a oportunidade do ministro recebê-lo e diz que podem ser feitas outras parcerias "com tanta porta aberta que o ministro nos propôs".
A reunião dos empresários foi marcada com o gabinete de Elcio Franco, que recebeu o grupo. Segundo ex-assessores da pasta, Pazuello foi chamado à sala, ouviu o relato da reunião e fez o vídeo.
Três pessoas que acompanharam a reunião disseram que o vídeo foi gravado mesmo antes de Pazuello conhecer o preço da vacina.
Segundo um ex-auxiliar do ministro, a ideia era propagandear nas redes sociais o avanço em uma negociação, no momento em que o governo era pressionado a ampliar o portfólio de vacinas.
Após a gravação, de acordo com os relatos colhidos pela Folha de S.Paulo, parte da equipe do ministro pediu que os empresários não compartilhassem o vídeo, que foi feito por meio do aparelho celular do empresário identificado como "John".
Um dos assessores de Pazuello teria alertado o general após a reunião de que a proposta era incomum, acima do preço, e a empresa poderia não ser representante oficial da fabricante da vacina.
Caso o negócio fosse adiante, as doses seriam as mais caras contratadas pelo ministério, posto hoje ocupado pela indiana Covaxin (US$ 15), que tem o contrato suspenso por suspeitas de irregularidades.
A proposta da empresa tem data do dia 10 de março, véspera da reunião com Pazuello. Segundo dois auxiliares do ex-ministro e um dos empresários que acompanharam a conversa, a oferta só chegou à pasta no dia do encontro.
Apesar de Pazuello ter dito no vídeo que havia assinado um memorando de entendimento para a compra, a negociação não prosperou.
O governo Bolsonaro resistiu em negociar a Coronavac. Em outubro de 2020, o presidente forçou Pazuello a recuar de uma promessa de compra da vacina. "Um manda e outro obedece", justificou o general em vídeo ao lado do mandatário.
O presidente chegou a dizer que não compraria a vacina mesmo quando a Anvisa desse aval para o uso. "Da China nós não comparemos, é decisão minha. Eu não acredito que ela [vacina] transmita segurança suficiente para a população pela sua origem", declarou o presidente em 22 de outubro.
Para a CPI da Covid, o governo desdenhou de negociações diretas com fabricantes como a Pfizer, enquanto abriu as portas para representantes de intermediárias que atuavam sem o aval dos laboratórios.
Em uma das tratativas dessa linha de maior repercussão, o cabo da polícia militar Luiz Paulo Dominghetti teve três reuniões com a cúpula do Ministério da Saúde, e afirma que chegou a receber pedido de propina de US$ 1 por dose para destravar uma compra de 400 milhões de unidades da AstraZeneca.
Procurados, Pazuello, Elcio e a Casa Civil -onde os militares hoje despacham como assessores de Bolsonaro- não se manifestaram sobre a reunião do dia 11 de março.
Em nota, a Sinovac disse que APENAS (em letras garrafais, na resposta em inglês) o Instituto Butantan pode oferecer a Coronavac no Brasil.
Segundo registros da Receita Federal, a World Brands tem capital social de R$ 5 milhões e atua com comércio de diversos produtos, como materiais para uso médico, além de atividades de agenciamento marítimo e de despachantes aduaneiros.
O empresário identificado como "John" afirmou à Folha de S.Paulo que havia uma cota da Coronavac que poderia ser ofertada ao Brasil.
Ele disse ser um "parceiro" da World Brand, mas encerrou a conversa telefônica com a reportagem quando foi questionado sobre detalhes das negociações e nomes dos presentes na reunião, como o dele mesmo.
A reportagem perguntou ao Ministério da Saúde quem participou da reunião, com quem ela foi agendada e os motivos pelos quais o encontro não apareceu na agenda oficial dos ex-integrantes da cúpula da pasta.
Também perguntou qual encaminhamento foi dado à proposta. A pasta não respondeu a nenhum dos questionamentos e disse apenas que as agendas públicas de autoridades exoneradas podem ser acessadas por meio de um link oficial.
A World Brands disse apenas: "Proposta efetuada, nenhuma resposta efetiva recebida, negócio não efetuado". A empresa não quis informar o nome dos participantes da reunião e se eles tinham de fato aval da Sinovac para a venda ao governo.