Segundo especialistas em direito administrativo, a MP pode proteger o presidente de uma eventual acusação por improbidade administrativa que poderia embasar uma discussão sobre crime de responsabilidade e impeachment
Por Julia Duailibi
A medida provisória que livra agentes públicos de punição foi uma demanda de servidores, principalmente os da área econômica, com o objetivo de evitar o que é chamado internamente no governo de "apagar das canetas".
Os gestores, que colocam seus CPFs na execução de políticas públicas, temem que ações emergenciais em meio à pandemia possam levá-los a erros e a futuros questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) ou do Ministério Público Federal (PMF). Querem evitar a responsabilização civil e administrativa dessas medidas – a MP não trata de responsabilidade criminal, porque a Constituição, no seu artigo 62, proíbe que o tema seja tratado por meio de medida provisória.
A medida, porém, de acordo com especialistas em direito administrativo ouvidos pelo blog, pode beneficiar o presidente Jair Bolsonaro, ao protegê-lo de uma eventual acusação por improbidade administrativa, que pode, no limite, embasar uma discussão sobre crime de responsabilidade e impeachment.
A MP não impede o presidente de praticar outras condutas qualificadas na lei que define os crimes de responsabilidade, de 1950, mas pode ajudar numa eventual denúncia de prática de improbidade administrativa.
A medida provisória, que ainda tem de ser analisada pelo Congresso para ser convertida em lei, dá uma maior segurança aos gestores no que diz respeito ao artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual "o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro".
Essa legislação já havia sido alterada em 2018, no governo de Michel Temer (MDB), para tentar dar uma proteção maior aos servidores, mas ainda assim o texto final remetia a definição de "erro grosseiro" a um decreto. A demanda dos servidores era colocar isso em lei, o que pode ser feito agora por meio da medida provisória.
"O texto é correto. O gestor está com muito medo dos ministérios públicos e dos tribunais de conta", disse Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da FGV-SP.
A OAB,de qualquer maneira, vai analisar o conteúdo da MP na semana que vem.
Entre as ações citadas para o blog como passíveis de questionamento, estão as relacionadas à execução do auxílio emergencial, que libera R$ 600 para os trabalhadores informais.
Servidores alegam que o programa é muito amplo, com um orçamento grande (mais de R$ 120 bilhões) e com pagamentos a pessoas que não estavam nos cadastros oficiais, além de ser operacionalizado num prazo curto.
Isso tudo pode levar a erros na execução e a questionamentos, principalmente depois das reestimativas do público atingido pelo programa. Há ainda a questão dos bancos públicos, que irão oferecer crédito a empresas com recursos do Tesouro. Se houver inadimplência no futuro, os servidores temem ser responsabilizados.
Além da área econômica, os servidores da Saúde também temem a responsabilização. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, ainda na pasta, chegou a afirmar que funcionários resistiam a assinar notas técnicas que embasavam medidas de combate à pandemia.
Transcrição de trecho de vídeo da reunião ministerial do último dia 22 consta em petição da Advocacia-Geral da União (AGU)
Por Sarah Teófilo
A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) com trechos da transcrição do vídeo da reunião de 22 de abril entre o presidente Jair Bolsonaro e ministros. Conforme o documento, em um dos momentos, o presidente disse que não esperaria "f." a família dele ou amigos.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele, não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse Bolsonaro, segundo a transcrição.
O vídeo faz parte de inquérito do STF que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente da República de reiteradas tentativas de interferência política na PF. A fala em questão, segundo o documento, foi feita quando o presidente lembra que um veículo de comunicação noticiou que um irmão de Bolsonaro teria estado sem máscara em um açougue.
O Correio, por meio do Blog do Vicente, já havia publicado que Bolsonaro tinha usado o palavrão para se referir a uma atuação contra seus filhos e também tinha preocupação com amigos. Nesta quinta-feira, Bolsonaro comentou a reunião em sua tradicional live das quinta-feiras e mostrou mensagens de celular de Moro.
Argumentos de Bolsonaro
A petição feita pela AGU, responsável pela defesa do presidente da República, traz apenas dois trechos da reunião de quase duas horas, o que gerou protesto da defesa de Sergio Moro (leia abaixo). A petição é um pedido para que seja levantado o sigilo de todas as falas do presidente, exceto as que fazem referência a "eventuais e supostos comportamento de nações amigas" e "as manifestações dos demais participantes da reunião".
No documento, a advocacia pontua que, destacando trecho em que o presidente fala em "segurança nossa", que a segurança presidencial e de familiares é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A AGU também ressalta que são apenas os dois trechos citados por eles que possuem relação com o inquérito.
Segundo AGU, em nenhum momento o presidente menciona direta ou indiretamente superintendente, diretor-geral ou Polícia Federal. Em um trecho, porém, é possível ver que Bolsonaro usou o termo "PF" ao menos uma vez na reunião — em um trecho selecionado pela AGU no qual o presidente reclama da falta de informações. "Eu não posso ser surpreendido por notícias, pô. Eu tenho a PF que não me dá informações; tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem seus problemas, mas tem algumas informações...", disse.
Em seguida, acrescentou: "E me desculpe o serviço de informação nosso — todos — é uma vergonha, uma vergonha, eu não sou informado e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça. Não é extrapolação da minha parte. É uma verdade".
Nota divulgada pela defesa do ex-ministro Sergio Moro
"Sergio Moro e seus advogados foram surpreendidos com a petição da AGU, em favor do presidente da República, no inquérito junto ao STF. A transcrição parcial revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sérgio Moro não tem. A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do Presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião –inclusive, na parte da “segurança do RJ”, do trecho imediatamente precedente. De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF, a troca do superintendente da PF e a exoneração do ministro da Justiça, confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI. A transcrição parcial busca apenas reforçar a tese da defesa do presidente, mas reforça a necessidade urgente de liberação do vídeo na íntegra."
Rodrigo Rios, advogado de Sergio Moro
Valor representa R$ 21.000 a mais por mês para os ministros da Cidadania e da Infraestrutura
Por Marcela Mattos
Num momento em que se discute o congelamento do salário de servidores públicos por causa da crise provocada pelo coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um afago a dois ministros do governo. Nesta terça-feira, Guedes promoveu trocas em postos dentro do Sistema ‘S’. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, vai assumir uma cadeira no Conselho Fiscal do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac. Já Onyx Lorenzoni, à frente do Ministério da Cidadania, ganhou o posto no Conselho Fiscal do Serviço Social do Comércio, o Sesc.
A mudança representa um ganho considerável no contracheque dos ministros. O conselho fiscal dos órgãos costuma se reunir poucas vezes no mês e rendem um pagamento extra de 21.000 reais.
Os conhecidos jetons são considerados uma manobra para inflar o salário de ministros e servidores públicos. O teto constitucional permite uma remuneração máxima de 39.2000 reais mensais brutos, valor referente ao salário de ministros do Supremo Tribunal Federal. Acontece que os pagamentos referentes a conselhos de estatais e bancos públicos não são enquadrados na regra do teto, o que passa a permitir os supersalários.
Atualmente, o ministro Onyx Lorenzoni mantém o salário de deputado federal: R$ 33.763,00 brutos, o que lhe rende 21.351,30 reais líquidos mensais. Seu salário, agora com o incremento do Sesc, vai dobrar. Onyx assume o lugar do ex-senador tucano Paulo Bauer.
Já o ministro Tarcísio substituirá o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. O chefe da Infraestrutura atualmente tem duas fontes de renda. O Portal da Transparência da Câmara dos Deputados informa que ele mantém o salário de 27.853,43 reais como analista legislativo – 17.715,64 reais após os descontos obrigatórios. Ministros de estado costumam receber 31.000 reais de salário. O da Infraestrutura, por manter a remuneração da Câmara, ganha apenas 10.038,19 líquidos do governo federal – o máximo permitido pelo teto. Com o pagamento do Senac, sua remuneração vai ultrapassar o valor estabelecido como limite.
A assessoria de Tarcísio informou que ele foi formalmente convidado pelo Ministério da Economia para integrar o Senac. “Neste setor, Freitas tem a experiência de auditor concursado da Controladoria Geral da União (CGU), chegando ao posto de coordenador-geral de Auditoria em sua área de atuação. Também é responsável pela criação da Subsecretaria de Governança e Integridade do Ministério da Infraestrutura, hoje responsável pela análise prévia de indicações ao serviço publico e encaminhamento de denúncia a autoridades policiais e órgãos de controle”, disse, por meio de nota.
Em reunião, Weintraub disse que ministros do STF deveriam ser presos
O Ministério da Economia informou que a indicação do Ministro Onyx Lorenzoni se deu por ele ser ministro de área correlata com as atividades desenvolvidas pela instituição. A Economia reforçou ainda que o ministro Tarcísio foi indicado para ser conselheiro fiscal no Senac pela sua experiência na CGU na área de fiscalização e auditoria.
No mesmo encontro, presidente defendeu a troca na PF, alegando que 'querem f* com minha família"
Por Laryssa Borges
O polêmico ministro da Educação Abraham Weintraub usou a reunião ministerial do dia 22 de abril, na qual o presidente Jair Bolsonaro defendeu a troca da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, para afirmar que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser presos. O relato foi feito a VEJA por pessoas com acesso à gravação, exibida nesta terça-feira, 12, como parte das investigações sobre a possível tentativa de interferência do presidente na PF.
A manifestação de Weintraub contra a Suprema Corte ocorreu uma semana depois de os ministros do STF terem imposto a primeira grande derrota ao governo durante a pandemia do novo coronavírus. Em 15 de abril, por unanimidade, o Supremo decidiu que governadores e prefeitos têm atribuições para determinar regras de isolamento e de quarentena. Bolsonaro é entusiasta da tese de que o isolamento deve ser flexibilizado para não levar setores econômicos à lona e nesta segunda-feira (11) publicou decreto que declara serviços de barbearia e manicure, por exemplo, como essenciais, e, portanto, aptos a funcionarem normalmente durante a pandemia.
Na mesma reunião ministerial, conforme revelou VEJA, o presidente Jair Bolsonaro atacou duramente a Polícia Federal ao defender a troca de investigadores no Rio de Janeiro. Segundo o presidente, familiares estariam sendo perseguidos em apurações policiais. “Querem f* com minha família”, disse Bolsonaro no encontro cuja gravação em vídeo foi exibida nesta terça-feira (12) como evidência no inquérito que investiga a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente tentava interferir politicamente na corporação.
De acordo com relatos de quem assistiu ao vídeo do encontro, em meio a palavrões, Bolsonaro disse que, se não fosse trocado o superintendente da Polícia Federal do Rio Janeiro, ele mudaria o comando da PF e até o ministro Sergio Moro.
Em nota divulgada nesta terça-feira, o advogado do ex-ministro Sergio Moro, Rodrigo Sanchez Rios, disse após a exibição do vídeo da reunião que “o material confirma integralmente” as declarações do ex-juiz da Lava-Jato no anúncio de sua saída do governo e no depoimento prestado à própria Polícia Federal. Caberá ao decano no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, decidir se levanta ou não o sigilo do vídeo da reunião.
Abraham Weintraub
Ministério da Educação (MEC)
Supremo Tribunal Federal - STF
'O Estado de S. Paulo' foi à Justiça para obter o resultado de exames que presidente se recusava a divulgar. Superior Tribunal de Justiça negou, e jornal recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
Por Fernanda Vivas e Márcio Falcão, TV Globo — Brasília
O governo entregou ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, os exames do presidente Jair Bolsonaro para coronavírus. Bolsonaro afirmou que fez dois testes, ambos com resultado negativo, segundo ele, mas sempre se recusou a mostrar os exames.
Lewandowski foi escolhido pelo sistema de sorteio da Corte para decidir sobre o pedido do jornal "O Estado de S. Paulo", que quer que o presidente Jair Bolsonaro mostre seus exames de coronavírus.
O advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, afirmou em documento enviado ao ministro que "a entrega dos documentos (exames) a que se refere a presente Reclamação, tendo em conta a natureza pessoal dos dados em questão, dar-se-á em mãos no Gabinete de Vossa Excelência".
Em nota divulgada à noite, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que entregou os exames a Lewandowski. "Os laudos confirmam que o presidente testou negativo para a doença", diz a nota.
O gabinete de Lewandowski confirmou o recebimento: "Os exames foram entregues pela AGU e recebidos no gabinete do Ministro Ricardo Lewandowski às 22h desta terça-feira. O documento foi lacrado e será encaminhado para análise do Ministro na manhã desta quarta-feira que decidirá sobre a eventual divulgação".
O jornal "O Estado de S. Paulo" recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (11) e pediu a suspensão de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo a qual Bolsonaro não precisa mostrar os resultados. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, suspendeu decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que havia determinado a entrega dos exames ao jornal.
Ao Supremo, o jornal argumentou que a liberdade de imprensa também pressupõe não haver obstáculos para a obtenção de documentos que sejam de interesse público.
"Não haveria de ser pleno o fluxo informativo defendido por essa Corte se a atividade jornalística, além do livre-arbítrio na publicação de notícias e críticas, não estivesse também amparada no direito de, isenta de qualquer embaraço, e por qualquer meio, tomar conhecimento de fatos relevantes. Noutras palavras, inexiste liberdade de imprensa se não for desimpedida a colheita, obtenção e o recebimento de informações e documentos de interesse público pelos jornalistas", declararam os advogados que assinam a ação.