O Google e o Twitter classificaram como desproporcionais e possível censura prévia as decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de bloquear perfis bolsonaristas. As declarações foram feitas em inquérito que investiga a ação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na organização das manifestações de 7 de Setembro.
Com Estadão
Diversos perfis do YouTube (que pertence ao Google), Instagram, Facebook e Twitter foram bloqueados a mando de Moraes em dias anteriores aos protestos.
A abertura do inquérito e os mandados contra os alvos da operação atenderam a um pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), que investiga manifestações contra instituições.
Entre os investigados estão o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) —que teve a sua conta do Twitter bloqueada depois de postar um vídeo com ofensas a Moraes— e o cantor Sérgio Reis —que ameaçou dar um “ultimato” ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para obrigá-lo a pautar o impeachment de ministros do Supremo. Ambos foram alvos de mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro do STF e executados pela PF (Polícia Federal) em 20 de agosto.
Outro alvo que teve as contas bloqueadas em 6 de setembro foi o bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que usou o seu perfil no Twitter para divulgar declarações do caminhoneiro Marco Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão. Um dia antes, Moraes prendeu Márcio Nique, conhecido como professor Marcinho, no mesmo inquérito. Nique disse em vídeo que tinha um empresário oferecendo dinheiro “pela cabeça” do ministro.
Em manifestação encaminhada à Corte, à qual a Folha de S. Paulo teve acesso, o Twitter cita o Marco Civil da Internet ao argumentar que o ministro deveria ser mais específico em relação ao conteúdo ilícito veiculado pelo perfil, ao invés de simplesmente pedir o bloqueio total da página, como foi feito.
Segundo a rede social, a abordagem de Moraes pode indicar desproporcionalidade e configurar censura prévia. “Embora as operadoras do Twitter tenham dado cumprimento à ordem de bloqueio da conta indicada por vossa excelência, o Twitter Brasil respeitosamente entende que a medida pode se mostrar, data máxima vênia, desproporcional, podendo configurar-se inclusive como exemplo de censura prévia”, avaliou a plataforma.
A resposta do Google segue na mesma linha: “Ainda que o objetivo seja impedir eventuais incitações criminosas que poderiam vir a ocorrer, seria necessário apontar a ilicitude que justificaria a remoção de conteúdos já existentes”, disse a empresa de tecnologia.
O Google pontuou também que Moraes deixou de “atender o dispositivo que exige a prévia apreciação do Poder Judiciário quanto à ilicitude do conteúdo” ao transferir para a PGR e para a PF a responsabilidade de determinar o que deveria ser removido.
Bolsonaro disse que é contra adoção do passaporte da vacinação
Por Andreia Verdélio
O presidente Jair Bolsonaro disse, hoje (22), ao abrir a sessão de debates da 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que o Brasil está trabalhando na atração de investimentos da iniciativa privada e que possui “tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo”.
O presidente Bolsonaro disse que o país está promovendo o modal ferroviário e outras ações dentro do seu programa de parceria de investimentos, e que já foram firmados mais de US$ 6 bilhões em contratos privados para novas ferrovias. O presidente lembrou que em agosto o governo também instituiu um novo marco legal para o setor, permitindo que a construção de novas ferrovias seja feita por meio de uma autorização simplificada.
“Em poucos dias, recebemos 14 requerimentos de autorizações para novas ferrovias com quase US$ 15 bilhões de investimentos privados”, disse. “Como reflexo, menor consumo de combustíveis fósseis e redução do custo Brasil, em especial no barateamento da produção de alimentos”, complementou Bolsonaro.
Por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), segundo o presidente, já foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas. Para os próximos dias, o governo também vai realizar o leilão para implementação da tecnologia 5G no Brasil, disse o presidente.
Durante seu discurso, o presidente reafirmou o compromisso firmado na Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril, de alcançar, até 2050, a neutralidade zero de emissões de gases de efeito estufa no país, antecipando em dez anos a sinalização anterior, prevista no Acordo de Paris.
Os artigos 5º e 6º do Acordo de Paris, firmado em 2015, tratam sobre os procedimentos financeiros para alcançar a redução das emissões, tema que deverá ser debatido na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26, que será realizada em novembro em Glasgow, na Escócia.
No evento, o Brasil quer buscar consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global, o que deve atrair mais investimento para o país. “Esperamos que os países industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de clima em volumes relevantes. O futuro do emprego verde está no Brasil: energia renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento básico, tratamento de resíduos e turismo”, disse.
Covid-19
Ainda em meio à pandemia da covid-19, esta edição da Assembleia Geral da ONU é realizada de forma híbrida, com declarações presenciais e por vídeo. No ano passado, o evento foi totalmente virtual. Tradicionalmente, o Brasil é o primeiro país a fazer um pronunciamento e o presidente Jair Bolsonaro optou em ir pessoalmente a Nova York.
Ele lamentou as mortes por covid-19 e disse que o governo vai vacinar “todos que escolheram ser vacinados no Brasil” até novembro. O presidente se manifestou contra o passaporte da vacinação, que cobra imunização dos cidadãos para acesso a serviços. “Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”, disse.
Durante seu discurso nas Nações Unidas, Bolsonaro também disse que o governo brasileiro apoia “a autonomia do médico na busca do tratamento precoce”. “Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label”, disse.
O medicamento chamado off-label é aquele prescrito pelo médico que diverge das indicações da bula. Desde o início da pandemia, no ano passado, o presidente defende o uso dessas medicações como, por exemplo, a hidroxicloroquina, que não tem eficácia científica comprovada contra a covid-19, mas pode ser prescrito por médicos com a concordância do paciente.
“Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos”, complementou.
Em sua fala, o presidente também destacou a atuação brasileira no campo humanitário e no combate à pandemia; às mudanças que seu governo está promovendo no país e o retorno do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU. No biênio 2022-2023, o Brasil ocupará um assento não permanente na entidade.
De acordo com um levantamento da consultoria IDados, mais de 30 milhões de pessoas vivem com renda mensal inferior a um salário mínimo no Brasil. Os dados foram levantados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Por Edson Rodrigues e Luciano Moreira
O estudo mostra que são pouco mais de 15 milhões de homens e 14 milhões de mulheres nessa situação. Além disso, há quase o dobro de pessoas negras em relação às brancas, sendo, respectivamente, mais de 19 milhões contra pouco mais de nove milhões.
Outro apontamento da pesquisa é que a grande maioria daqueles que vivem na pobreza não tiveram acesso ao ensino superior. Isso representa mais de 26 milhões de pessoas, que equivale a 88,2% do total.
A questão da pobreza no Brasil, infelizmente, virou peça-chave no jogo político. O aumento da inflação e a divulgação de dados descontextualizados vêm levando muita gente a associar o aumento do número de pessoas na linha de pobreza ao atual governo, mas isso é uma “meia verdade”.
De fato, a inflação mais alta diminui o poder de compra das classes B, C e D e dificulta o acesso das pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza ( e não fazem parte de nenhuma dessas classes sociais) à mobilidade social que as incluiria em um cenário melhor. Mas ao se colocar esses dados em voga, ignora-se – propositalmente ou não – que o mundo vive um momento de pandemia, com desaceleração econômica generalizada e esse fator externo também já foi o vilão em tempos anteriores, em governos anteriores e com maior grau de abrangência.
Se hoje, como dizem os dados, são mais de 30 milhões de pessoas com renda mensal inferior a um salário mínimo, os dados, após 11 anos de redução continuada da pobreza iniciada antes dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, 85 milhões de brasileiros (os 40% mais pobres) tiveram perdas contínuas na renda nos últimos cinco anos, segundo estudo do Banco Mundial. Os dados mostram que até 2014 o Brasil viveu uma fase de avanço econômico e social, com cerca de 25 milhões de pessoas deixando a pobreza e um aumento significativo da renda dos mais pobres. Porém, a partir de 2014, essa parcela da população tem sofrido perda constante em sua renda, ano a ano. Com isso, a desigualdade, que tinha chegado ao menor patamar da história em 2015, também voltou a subir.
Pobreza vem crescendo desde 2015
Até 2014, a pobreza diminuiu durante anos no Brasil, graças ao avanço de políticas sociais como o Bolsa Família (nova denominação do Bolsa Escola, lançado pela então primeira-dama, Ruth Cardoso), os ganhos reais do salário mínimo e a ampliação do acesso à educação.
Em 2015, sob efeito da crise econômica, a tendência se inverteu e a miséria voltou a crescer ano após ano. A trajetória de alta, no entanto, foi interrompida em 2020, graças ao efeito do auxílio emergencial.
O benefício foi criado em abril do ano passado, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para mães solteiras chefes de família. Foram pagas cinco parcelas nesses valores cheios e outras quatro com os valores reduzido à metade, num total de R$ 295 bilhões.
Em julho de 2020, mês em que o efeito do benefício atingiu o seu auge, a taxa de extrema pobreza do país foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3%, estimam as pesquisadoras, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Foram os patamares mais baixos já registrados para esses indicadores em pelo menos 40 anos, conforme uma série mais longa produzida pelo pesquisador Daniel Duque, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).
O Brasil caracteriza-se historicamente por possuir um número acentuado de pessoas em estado de pobreza. Mas nas últimas duas décadas, houve um grande avanço nesse aspecto - o brasileiro melhorou a qualidade de vida e houve uma profunda transformação social.
Para o Banco Mundial, o motivo do empobrecimento acelerado da população seria a estagnação da economia brasileira. Em 2015 e 2016, Brasil viveu uma forte recessão da atividade econômica. O PIB caiu respectivamente, 3.6% e 3.4%. A partir de 2017, iniciou-se uma lenta retomada da atividade econômica, com o PIB crescendo 1% no ano.
O Produto Interno Bruto (PIB) é um indicador que mede a atividade econômica de um país. Ele mostra quanto se produz, consome ou investe. Se o PIB cresce, significa que o país produz mais. Se cai, é sinal de que a economia encolheu.
Para acabar com a pobreza, não basta fazer o bolo da economia crescer. É preciso reduzir os níveis de desigualdade e ter uma economia mais inclusiva. Ou seja, é preciso diminuir a distância de renda entre os mais ricos e os mais pobres da população.
No Tocantins, o Estado mais novo da Federação, o combate contra a igualdade é duro e contínuo, como imaginamos ser em todo o País, mas as ações do governo, assinando ordens de serviço e intensificando a distribuição de cestas básicas tem ajudado muito na diminuição desses números, mas apenas ações coordenadas entre os governos federal e estadual têm o poder de impactar de forma efetiva a população que vive na pobreza, e isso não é, como vimos acima, uma coisa que aconteça doa dia para a noite.
São necessárias políticas públicas de largo espectro e de grande abrangência, mas que dependem da retomada efetiva do crescimento econômico.
Infelizmente, a pobreza não é uma exclusividade brasileira, e é hora do mundo todo se unir para salvar essas pessoas.
Seja da forma que for.
PRINCIPAIS MUNICÍPIOS TOCANTINENSES – HABITANTES E ATENDIDOS PELO BOLSA FAMÍLIA
PALMAS - 306.296 habitantes – 13.542 beneficiários do Bolsa Família
ARAGUAÍNA – 183.00 habitantes – 8.055 beneficiários do Bolsa Família
GURUPI - 87.545 habitantes – 2.871 beneficiários do Bolsa Família
PORTO NACIONAL – 53.316 habitantes – 4.055 beneficiários do Bolsa Família
PARAÍSO – 51.891 habitantes – 1.941 beneficiários do Bolsa Família
TOTAL DE FAMÍLIAS ATENDIDAS NO TOCANTINS – 121.889
Wilson Lima (PSC) e mais 15 foram denunciado em abril como o líder de uma organização criminosa que teria desviado recursos
Por Rayssa Motta
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) formou maioria nesta segunda-feira, 20, para aceitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), na esteira da Operação Sangria.
Com o resultado do julgamento, adiado duas vezes, ele foi colocado no banco dos réus por organização criminosa, embaraço à investigação, dispensa de licitação sem observância das formalidades legais, fraude em licitação e peculato na compra de respiradores para tratar pacientes com covid-19.
Os ministros seguiram o entendimento do relator, Francisco Falcão, que viu elementos suficientes para a abertura de uma ação contra o governador e outras 13 pessoas, entre servidores do Estado e empresários envolvidos na contratação, além do vice-governador Carlos Almeida (PSDB).
"Não se trata de meras conjecturas, como alega a defesa de Wilson Lima, mas de indícios da participação do denunciado no acompanhamento do procedimento licitatório que resultou na compra superfaturada, com desvio de recursos públicos", disse o ministro. "Neste exame não aprofundado da matéria, existe justa causa para se considerar o governador do Amazonas como partícipe nos delitos", acrescentou.
O governador do Amazonas foi denunciado em abril como o líder de uma organização criminosa que teria desviado recursos destinados ao enfrentamento da pandemia por meio do direcionamento e superfaturamento de contratos. O Estado viveu uma fase crítica no enfrentamento do coronavírus com a crise de desabastecimento de oxigênio hospitalar em Manaus.
O contrato sob suspeita envolveu a compra de 28 respiradores junto a uma importadora de vinhos mediante dispensa de licitação e triangulação. Uma empresa fornecedora de equipamentos hospitalares, que já havia sido contratada pelo governo, vendeu os ventiladores à adega por R$ 2,4 milhões. No mesmo dia, a importadora de vinhos revendeu os equipamentos ao Amazonas por R$ 2,9 milhões. Após receber valores milionários em sua conta, a adega repassou o montante integralmente à organização de saúde servindo, segundo o MPF, apenas como 'laranja' para vender os produtos com sobrepreço.
Antes da votação, a subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, que assina a denúncia, disse que os crimes supostamente cometidos são um 'escárnio com a população'. "A presente denúncia apresenta-se apta formal e materialmente para ser recebida", defendeu.
Na outra ponta, advogado Nabor Bulhões, que representa Wilson Lima no caso, disse que não há provas de irregularidades envolvendo o governador e que a atuação da Procuradoria foi "ilegal e abusiva".
"Eu diria que poucas vezes eu vi o Ministério Público atuar tão incisivamente no que eu denominaria de uso abusivo do poder de denunciação", disse. "Há uma enorme confusão promovida pelo MPF", acrescentou.
Veja a lista de pessoas atingidas pela decisão do STJ:
Wilson Lima: governador do Amazonas;
Carlos Almeida: vice-governador do Amazonas;
Alcineide Figueiredo Pinheiro: gerente de patrimônio na Secretaria de Saúde do Amazonas;
Dayana Priscila Mejia de Sousa: secretária adjunta de Atendimento Especializado do Amazonas;
Rodrigo Tobias de Sousa Lima: Secretário de Saúde até abril de 2020;
João Paulo Marques dos Santos: secretário executivo de Saúde;
Perseverando da Trindade Garcia Filho: secretário adjunto do Fundo de Saúde;
Ronald Gonçalo Caldas Santos: servidor do Estado;
Cristiano da Silva Cordeiro: empresário;
Fábio José Antunes Passos: empresário;
Luciane Zuffo Vargas de Andrade: empresária;
Luiz Carlos de Avelino Júnior: empresário;
Gutemberg Leão Alencar: empresário;
Márcio de Souza Lima: servidor.
A imprensa era o alvo principal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele se levantou para discursar no palco do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no último dia 31, num evento organizado pelo PT para marcar os cinco anos do impeachment de sua sucessora, Dilma Rousseff.
POR RICARDO BALTHAZAR
O líder petista começou reclamando da ausência de emissoras de televisão no local, mencionou as críticas que lhe fazem quando fala em regulamentar os meios de comunicação e por fim queixou-se do tratamento recebido de jornais, revistas e TVs quando a Operação Lava Jato estava no seu encalço.
Citando um novo livro lançado pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, Lula mostrou contrariedade. "Aqui não tem um capítulo do papel da imprensa no golpe", observou, referindo-se ao impeachment de Dilma. "A gente está coagido a não mexer com a imprensa. É melhor apanhar e ficar quieto."
A um ano da eleição presidencial e apontado pelas pesquisas como favorito para vencer a corrida, Lula decidiu reabrir o debate sobre um dos assuntos que mais geraram controvérsia nos 13 anos em que o PT governou o país, a criação de um novo marco regulatório para os meios de comunicação.
Embora ninguém no partido discorde dele sobre a necessidade de modernizar a legislação do setor, a iniciativa de Lula causou desconforto em muitos petistas, que temem dar munição para os críticos do PT num momento em que Lula busca alianças para disputar a sucessão de Jair Bolsonaro.
"Foi inoportuno, porque ainda não há debate consolidado sobre o tema no partido", diz o deputado estadual José Américo Dias (SP), que foi secretário nacional de comunicação do PT. "Lula deveria se preservar para atuar como uma espécie de árbitro quando essa discussão estiver mais madura."
O ex-presidente relançou o debate durante a viagem que fez pelo Nordeste no fim de agosto. O tema surgiu primeiro quando um representante de uma rádio comunitária do Maranhão o questionou numa entrevista coletiva. Nos dias seguintes, o próprio Lula tomou a iniciativa de voltar ao assunto.
Nessas ocasiões, o líder petista articulou um discurso confuso, associando suas críticas à imprensa a outras questões, como a concentração de grupos econômicos no setor de radiodifusão, a desinformação nas redes sociais e os critérios do governo para distribuição de verbas de publicidade oficial.
Numa entrevista em Salvador, por exemplo, ele descartou modelos de países governados por regimes autoritários, disse ser contra qualquer tipo de censura e defendeu assim a adoção de limites para as emissoras de televisão: "Tem que ter um limite. As pessoas não podem tudo do jeito que podem".
Lula apontou até aqui duas referências para a discussão: a legislação do Reino Unido, que prevê restrições à concentração econômica e mecanismos para garantir equilíbrio na cobertura jornalística, e um projeto de lei elaborado no fim de seu governo para mudar as regras da radiodifusão.
Preparado pelo então ministro Franklin Martins, que chefiava a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, o projeto aproveitou sugestões recebidas de especialistas, empresas do setor e representantes da sociedade que participaram da Conferência Nacional de Comunicação, em 2009.
Franklin entregou o texto a Dilma no fim de 2010, um dia antes de sua posse como presidente. A expectativa era que a proposta fosse submetida a consulta pública e depois encaminhada ao Congresso, mas isso jamais aconteceu. O governo engavetou o projeto e nunca divulgou seu conteúdo.
O documento só veio a público no ano passado, como apêndice de uma tese de doutorado defendida pelo jornalista Camilo Vannucchi na Universidade de São Paulo. Franklin forneceu uma cópia do texto a Vannucchi, mas somente depois que o pesquisador obteve autorização de Dilma para divulgá-lo.
O projeto criava uma Agência Nacional de Comunicação para regular as concessões de rádio e televisão, mas não tocava na concentração do mercado e evitava questões que Lula tem mencionado, como a propriedade cruzada de diferentes meios de comunicação pelos mesmos grupos econômicos.
O texto mantinha limites da legislação vigente e garantias que protegem as empresas, como a exigência de quórum elevado no Congresso para revogar concessões. Além disso, proibia políticos com mandato de controlar meios de comunicação, restrição hoje imposta só a deputados federais e senadores.
Com 297 artigos, o projeto estabelecia cotas mínimas para estimular produções independentes e regionais, proibia o aluguel de horários na grade das emissoras de televisão e recomendava que todas respeitassem princípios como imparcialidade, equilíbrio e pluralismo em sua programação jornalística.
"O projeto era um bom ponto de partida e era muito comportado, sem nada que pudesse criar constrangimento", diz o professor Murilo César Ramos, da Universidade de Brasília. "É bom que Lula volte a tocar nessa questão, mas será difícil insistir no assunto sem explicar por que nada foi feito antes".
Na viagem ao Nordeste, Lula afirmou em duas ocasiões não saber por que sua proposta não avançou no governo Dilma. "Não vou discutir por que não deram entrada [no Congresso]", afirmou em Natal. Questionada pela reportagem, sua assessoria informou que ele não se manifestaria sobre o assunto.
Em nota, Dilma afirmou que sua prioridade no primeiro mandato foi a discussão do Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso em 2014, e que o debate sobre regulação dos meios de comunicação tornou-se inviável depois, por causa da crise política que levou ao impeachment, em 2016.
Durante os dois governos de Lula, houve várias tentativas de regular os meios de comunicação, mas a maioria não avançou. O petista chegou a propor a criação de um conselho para fiscalizar o exercício da profissão de jornalista, mas desistiu depois que a proposta foi rechaçada pelo Congresso.
Entre especialistas que participam de discussões sobre o assunto no PT, há consenso de que o projeto de Franklin Martins tornou-se obsoleto, superado pelas transformações causadas na última década pelo avanço das redes sociais e dos serviços de transmissão de filmes e séries de TV na internet.
"É necessário levantar o embargo que até hoje impediu o debate sobre a modernização do marco regulatório dos meios de comunicação", diz João Brant, ex-secretário do Ministério da Cultura e coordenador da discussão sobre o tema na campanha presidencial de Fernando Haddad (PT) em 2018.
Em artigo publicado por uma revista da Fundação Perseu Abramo há uma semana, Brant sugeriu que sejam incluídas entre as prioridades para a discussão o combate à desinformação na internet, as políticas das plataformas que administram as redes sociais e a tributação das empresas do ramo.
Em outro texto, publicado no jornal Folha de S.Paulo, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defendeu os princípios estabelecidos pela Constituição de 1988 para concessões de rádio e televisão, alguns dos quais nunca regulamentados, e sugeriu mudanças na legislação que garante o direito de resposta, sem dar detalhes.
Os petistas só deverão tratar do assunto com maior profundidade quando começarem a discutir o programa que Lula apresentará em sua campanha presidencial em 2022. "Não é prioridade nesse momento, e o próprio Lula sabe disso", diz o secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto.
OS GOVERNOS DO PT E A REGULAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Conselho Federal de Jornalismo Em 2004, o governo Lula propôs ao Congresso a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, com poderes para regulamentar e fiscalizar o exercício da profissão. Elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas, o projeto foi rejeitado pela Câmara dos Deputados quatro meses depois.
Ancinav No mesmo ano, o Ministério da Cultura colocou em debate um projeto de Lei Geral do Audiovisual. Criava a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual e regras para produção de filmes, programas de TV e operadoras de telecomunicações. O projeto nunca foi submetido ao Congresso e foi engavetado.
EBC Em 2008, o Congresso aprovou a criação da Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela TV Brasil, pela Agência Brasil e por sete rádios estatais. A ambição de criar um forte sistema público de comunicação foi frustrada com o tempo por cortes orçamentários e baixíssimos índices de audiência.
Projeto de Franklin Martins Produzido pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República sob a liderança do então ministro Franklin Martins, o projeto incorporou sugestões da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009. Criava uma Agência Nacional de Comunicação e propunha novas regras para emissoras de rádio e televisão. Entregue em 2010 à presidente eleita Dilma Rousseff, foi engavetado em seu governo.
Marco Civil da Internet Aprovado pelo Congresso em 2014, com base num projeto de lei apresentado por Dilma após sete anos de discussão com a sociedade, criou garantias para usuários da rede e regras para empresas que prestam serviços na internet, buscando proteger a liberdade de expressão, a privacidade e o princípio da neutralidade da rede.