Em CPI, Wajngarten se contradiz e recua de declarações sobre atraso de vacinas; Renan ameaça prisão
O ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten confirmou nesta quarta-feira (12) à CPI da Pandemia que o Palácio do Planalto demorou dois meses para responder uma carta em que a farmacêutica Pfizer prometia fornecer doses de vacinas contra o coronavírus ao Brasil. Ele, no entanto, eximiu o presidente Jair Bolsonaro de responsabilidade no episódio, evitou críticas ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e — ao contrário do que foi publicado em entrevista à revista Veja — negou guardar e-mails, registros telefônicos ou minutas de contratos trocados com a empresa norte-americana.
Segundo Wajngarten, a Pfizer enviou uma carta a seis autoridades brasileiras no dia 12 setembro do ano passado. Além de Jair Bolsonaro, receberam a correspondência o vice-presidente, Hamilton Mourão, os ministros Paulo Guedes (Economia), Eduardo Pazuello (Saúde), Walter Braga Netto (Casa Civil) e o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster. O ex-secretário disse só ter tomado conhecimento do comunicado no dia 9 de novembro, quando entrou em contato com a farmacêutica.
— Vi por bem levar o assunto Pfizer ao presidente Bolsonaro na busca de uma solução rápida, e assim foi feito. Minha atitude proativa em relação ao laboratório produtor da vacina foi republicana e no sentido de ajudar. Nunca participei de negociação. O que busquei sempre foi o maior número de vacinas para atender a população brasileira com uma vacina que tinha maior eficácia. Isso foi o que busquei sempre — disse.
Wajngarten afirmou ter recebido no Palácio do Planalto o representante da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo. O ex-secretário afirmou, no entanto, que o presidente Jair Bolsonaro não participou do encontro e que não foram discutidos temas como “cronograma ou valores” para a compra do imunizante.
— O que havia era uma promessa da Pfizer de que, se o Brasil se manifestasse no tempo adequado, ela envidaria os maiores esforços para aumentar a quantidade e diminuir o prazo. E foi exatamente isso que eu exigi nos outros dois encontros que tive com eles — explicou.
Em entrevista publicada pela revista Veja em abril, Wajngarten afirma que o acordo com a Pfizer não prosperou por “incompetência e ineficiência” da “equipe que gerenciava o Ministério da Saúde nesse período”. Sem citar nomes, ele voltou a reclamar da “incompetência” e da “burocracia” do setor público. Mas, questionado pelo relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), negou que tenha havido procrastinação do presidente Jair Bolsonaro para a compra das vacinas.
— Não havia segurança jurídica para a assinatura porque havia uma lacuna legal. Três cláusulas impediram, empacaram e emperraram que a negociação avançasse de forma mais rápida: resolução de conflitos em Nova York, e não no Brasil; isenção completa de responsabilização e indenização; e edição de uma medida provisória para o país elencar ativos e bens em caso de processos internacionais — afirmou.
Segundo a Veja, o ex-secretário “guarda e-mails, registros telefônicos, cópias de minutas do contrato” para comprovar o que está dizendo. Wajngarten, no entanto, nega que mantenha essa documentação.
— Todas as minhas trocas de informação estão no computador da Secom. Em minhas mãos, não tenho nada. Em minha posse, não tenho. Não tenho nada além do que está no computador da Secom. Entendo que está guardado, está preservado. Se alguém logar com minha senha de usuário no computador, vai encontrar — disse.
Bolsonaro e vacinas
O senador Renan Calheiros inquiriu Fabio Wajngarten sobre uma série de declarações de Jair Bolsonaro contrárias à imunização.
— O presidente da República nunca escondeu sua oposição à vacinação dos brasileiros. Disse que não compraria vacinas da China. Chamou a CoronaVac de 'vacina chinesa do João Doria'. Comemorou com a frase 'mais uma que Jair Bolsonaro ganha' a suspensão temporária dos estudos de fase 3 da CoronaVac. Disse que a vacinação não seria obrigatória em seu governo. Sua declaração que ganhou mais repercussão foi a seguinte: 'Se você virar um jacaré, é problema seu' — registrou Renan.
Questionado sobre o impacto dessas declarações sobre as campanhas de imunização no Brasil, o ex-secretário de Comunicação poupou críticas a Jair Bolsonaro.
— O presidente sempre disse que compraria toda e qualquer vacina, quando aprovado pelo órgão regulatório. Os atos do presidente pertencem a ele. Não posso especular, não posso imaginar o que passava pela cabeça dele no momento em que falou isso. A mensagem do presidente é uma. A minha campanha na televisão é outra. A campanha de rádio é outra. Tem impacto? Tem impacto. A gente faz campanhas para contrapor, a gente faz campanhas para complementar — disse.
Wajngarten disse que não concorda “com todas as frases” ditas por Jair Bolsonaro. Mas ponderou que, se estivesse na posição do presidente da República, “eventualmente faria exatamente a mesma coisa”.
— A população brasileira recebe inúmeras mensagens de diferentes meios e conteúdos. O discurso presidencial é um, a televisão, o rádio... É um complemento de informações que vai resultar na tomada de decisão da população brasileira. Impacta? Impacta. É único? Não é. Para cada pessoa que recebe a informação tem um impacto diferente. Uma pessoa em casa que não quer saber do presidente, não quer saber de política, não quer saber de nada... Para ela, não impacta. Para alguém que está 24 horas do dia acompanhando o que se passa aqui em Brasília, impacta — afirmou.
Comunicação na pandemia
Segundo Fabio Wajngarten, a Secretaria de Comunicação e o Ministério da Saúde realizaram 11 campanhas informativas, educativas e publicitárias sobre a pandemia, a um custo total de R$ 285 milhões. Ele disse “jamais” ter sofrido pressão de Jair Bolsonaro para direcionar o teor das campanhas de conscientização.
— Se tivesse ocorrido qualquer interferência, eu pegaria minha mala e voltaria para minha família e para minha empresa. O presidente nunca pediu que fizesse campanha sobre nenhum tipo de nenhum tema. Jamais. Nenhuma interferência do presidente da República em nenhuma campanha do governo. A impressão que se tem de que o governo não comunicou é uma impressão equivocada.
Fabio Wajngarten afirmou “desconhecer” a existência de “um ministério paralelo” para orientar o presidente da República sobre o enfrentamento da covid-19. E disse que o então ministro Eduardo Pazuello foi “corajoso” ao assumir a Saúde durante a pandemia de coronavírus.
— Entendi que ele [Pazuello] ocupou um espaço diante da saída do doutor Nelson Teich. Lamentei muito a saída do doutor Teich, que é um médico técnico e preparado. Adoraria que a gente tivesse um médico na pasta e caminhasse de forma mais tranquila. O ex-ministro Pazuello foi corajoso de assumir a pasta no pior momento da história do Brasil e do mundo. Poucos teriam tido a coragem que ele teve de sentar no ministério no meio da maior pandemia que o Brasil já teve.
“Fanfarronice”
Em um momento da reunião, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), chegou a advertir Fabio Wajngarten para que respondesse diretamente os questionamentos dos parlamentares. Segundo Aziz, o ex-secretário de Comunicação estaria “tangenciando” perguntas elaboradas pelos integrantes da comissão. O presidente ameaçou dispensar o depoimento da testemunha, requisitar à revista Veja a transcrição da entrevista publicada em abril e reconvocar o ex-secretário de Comunicação como investigado.
— O senhor só está aqui por causa da entrevista. Senão, a gente nem lembraria que o senhor existiu. Não tem outra razão para o senhor estar aqui. Você chamou o [ex-ministro Eduardo] Pazuello de incompetente. Disse que a Pfizer tinha cinco escritórios de advocacia, e o governo estava perdido. Está aqui tangenciando sobre as perguntas. Depois, a gente toma uma medida mais radical, e aí vão dizer que somos isso e aquilo. Por favor, não menospreze nossa inteligência. Ninguém é imbecil aqui. O senhor não está respondendo. O senhor está mentindo aqui para todos nós — acusou.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros, chegou a sugerir a prisão de Wajngarten.
— Eu queria requisitar o áudio da revista Veja para nós verificarmos se o secretário mentiu ou não mentiu. Se ele não mentiu, a revista Veja vai ter que pedir desculpas a ele. Se ele mentiu, ele terá desprestigiado e mentido ao Congresso Nacional, o que é um péssimo exemplo. Eu queria dizer que vou cobrar a revista Veja: se ele não mentiu, que ela se retrate a ele. Se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer a prisão do depoente. Apenas para não dizerem que nós não estamos tratando a coisa com a seriedade que essa investigação requer.
O senador Humberto Costa (PT-PE) classificou a entrevista de Fabio Wajngarten à revista Veja como uma “fanfarronice”.
— Eu sinto até, assim, uma certa empatia com o senhor. Acho que o senhor foi dar uma entrevista, empolgou-se, falou demais, e nós estamos aqui agora numa situação difícil, porque nós não sabemos se foi fanfarronice do senhor ou se foi a Veja que não reproduziu o que o senhor disse. A revista recebeu alguma carta que o senhor tivesse mandado dizendo que pedia que corrigisse. O senhor não mandou, não? Não, ainda não. Aí vai precisar mandar — criticou.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) saiu em defesa do depoente.
— Muito me preocupam os caminhos que estamos trilhando nesta CPI. A cada vez, a cada dia eu me convenço mais. A diferença é abissal, é uma coisa assim, acintosa quando a gente vê a cortesia com que foi tratado aqui o ex-ministro [Luiz Henrique] Mandetta. Como a gente diz no jargão do futebol, jogada ensaiada. E a intimidação de um cidadão, de um cidadão que merece respeito, que não merece ser humilhado, que não merece ter ali uma indução. Isso pega mal para os trabalhos da CPI — disse.
O presidente Omar Aziz reagiu.
— Ele não está sendo humilhado, ele está sendo bem tratado. Sabe o que acontece? Humilhado é 425 mil mortes neste Brasil. Essas pessoas estão sendo humilhadas porque não tem vacina no Brasil, essas pessoas estão sendo humilhadas. Ele? Ele está muito bem protegido, todo mês tem o dinheirinho dele para comer. Que humilhação? Humilhação é o povo pobre que não tem dinheiro para comer, rapaz! — disse.
Fonte: Agência Senado
Ministro do Supremo foi citado em delação premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral como recebedor de repasses ilegais
Com IstoÉ
A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de investigação contra o ministro do STF Dias Toffoli para apurar supostos repasses ilegais ao magistrado envolvendo a venda de decisões judiciais. O pedido da PF, feito com base na controversa delação premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, está sob análise do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. A informação foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmada pelo Estadão por fontes que acompanham o caso.
Em um dos trechos da delação premiada, Cabral acusa Toffoli de receber cerca de R$ 4 milhões para ajudar dois prefeitos do Estado do Rio em processos que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro atuou na Corte Eleitoral de 2012 a 2016. De acordo com o delator, os pagamentos teriam sido efetuados pelo ex-secretário de obras do Rio Hudson Braga e teriam alcançado o escritório da advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli.
No início do ano passado, Fachin homologou o acordo de colaboração premiada firmado por Cabral com a PF, alvo de críticas da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da força-tarefa da Lava Jato no Rio, que alegam que o delator não apresentou fatos novos. O acordo foi validado pelo Supremo por envolver autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, como políticos e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Após homologar o acordo e autorizar a abertura de 12 inquéritos, Fachin encaminhou a Toffoli os processos para que o então presidente do STF analisasse se seria o caso de redistribuí-los para outro integrante da Corte. Toffoli pediu um parecer da PGR, que opinou então pelo arquivamento das investigações.
Na delação, que segue mantida sob sigilo, Cabral se comprometeu a devolver aos cofres públicos R$ 380 milhões recebidos como propina enquanto foi governador. Diferentemente de delações fechadas pela PGR, a PF não estabeleceu previamente os prêmios a serem concedidos ao colaborador. O relator da Lava Jato no STF, no entanto, determinou que o acordo não poderá ser usado para reduzir penas já decretadas pela Justiça. O ex-governador fluminense já foi condenado a penas que ultrapassam 340 anos de prisão.
Preso desde novembro de 2016, Cabral admitiu ter recebido propina durante seu governo no início em 2019, quando chegou a dizer que seu "apego a poder e dinheiro é um vício". Desde então o ex-governador passou a confessar crimes cometidos em depoimentos à Justiça, chegando a citar os ex-prefeitos Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos).
Em nota divulgada pelo STF, Toffoli disse "não ter conhecimento dos fatos mencionados e disse que jamais recebeu os supostos valores ilegais". O ministro também refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções. O gabinete de Fachin não se manifestou.
Acusações
Entre os elementos trazidos por Cabral no acordo, estão citações a dezenas de autoridades do mundo da política e do Judiciário. Segundo uma fonte que teve acesso ao teor da colaboração, o ex-governador do Rio aborda a indicação de magistrados a tribunais.
As primeiras tratativas entre Cabral e a Polícia Federal começaram no início de 2019, na época em que Cabral confessou pela primeira vez os crimes cometidos. "Meu apego a poder e dinheiro é um vício", disse o ex-governador, em fevereiro de 2019.
Ex-governador convocou reuniões em que coagia servidores comissionados a votar em candidatos de sua coligação nas eleições de 2012
Com Assessoria
A 1ª Vara Federal de Campo Grande (MS) condenou o ex-governador de Mato Grosso do Sul André Puccinelli por improbidade administrativa. Na sentença, entre outras penas, a Justiça determina a suspensão dos direitos políticos por cinco anos, que começam a correr após o trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos contra a condenação). A Ação de Improbidade Administrativa foi ajuizada pelo Núcleo de Combate à Corrupção (NCC) do Ministério Público Federal (MPF) em MS em janeiro de 2016 e acusava André Puccinelli de coagir servidores comissionados de duas secretarias de Estado (de Trabalho e Assistência Social - Setass - e de Desenvolvimento Agrário e Turismo - Seprotur) a apoiar e votar em candidatos de sua coligação nas eleições municipais de 2012.
De acordo com o MPF, além da prática de ilícito eleitoral, a conduta do ex-governador violou os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, tal como atentou contra os princípios da impessoalidade e moralidade administrativa. Vídeo gravado por pessoa presente em uma das reuniões mostra Puccinelli listando, nominalmente, servidores das secretarias de Estado e ordenando que os comissionados informassem em quais candidatos votariam para os cargos de prefeito e vereador. O político aparece fazendo anotações e orientando alguns de seus subordinados a manter a intenção de voto em candidatos da coligação por ele apoiada.
Em trechos da reunião, realizada no diretório do então PMDB, Puccinelli, ao notar a ausência de servidores, enfatiza a consequência da falta: “Exonerando”. A coação foi replicada entre os presentes no encontro: “Olha, já te chamou e você ficou com falta (…) Ia ser exonerado quem não veio”.
Para o MPF, “o vídeo e o áudio juntados no processo são suficientes para constatar a óbvia coação praticada por André Puccinelli contra comissionados a ele subordinados, em benefício de candidatos apadrinhados e dele mesmo, com quebra da isonomia, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade administrativa”.
Relembre o caso - Em 2012, reunião de André Puccinelli com servidores comissionados da Setass foi gravada e divulgada nos meios de comunicação de Campo Grande. O encontro, reconhecido judicialmente por Puccinelli, foi classificado pelo político como reunião ordinária entre correligionários do PMDB em busca de votos para os candidatos no pleito de 2012. Contudo, para o Ministério Público Federal, não há dúvidas da influência direta do ex-chefe do Executivo estadual no voto de seus subordinados.
“Se aquela reunião foi mero encontro de pessoas engajadas na campanha eleitoral de 2012, por que o recorrido fazia ameaças claras de exoneração quando algum comissionado não respondia à sua chamada? Se a reunião não era um ato do chefe do Executivo, e sim de um militante político, qual o porquê da chamada nominal dos comissionados? Se não era obrigatório o comparecimento dos servidores comissionados, por que foram feitas óbvias ameaças de exoneração em alto e bom som pelo governador? Ainda: por que estavam presentes a secretária de Estado de Administração e o diretor-geral da Setass? Não há respostas para essas perguntas se considerarmos a reunião como mera aglomeração de militantes políticos de um partido. Não, não se tratava de simples reunião de correligionários, mas de um ato de claro abuso de poder”, frisou o MPF.
Na sentença, a Justiça conclui que “não é lícito ao réu, na qualidade de governador (superior hierárquico), indagar seus subordinados acerca de seus candidatos a prefeito e vereador, anotando suas respostas e ainda advertindo-os que não poderiam mais mudar de opinião. Trata-se de conduta gravíssima, uma vez que praticada com intenção de violar direito previsto constitucionalmente: voto direto e secreto.”
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, enxerga com extrema clareza os desafios da época em que vivemos. Pandemia no encalço, as expectativas para o futuro são algo distante. “Pensar no futuro requer asas, mas não conseguimos ainda sair do rés-do-chão. Saúde como direito fundamental se converte no imperativo de termos vacina para todos como direito universal e gratuito”, diz, nesta entrevista à coluna.
Por Ana Dubeux -Correio Braziliense
Para frente, aposta na libertação e na solidariedade e que a sociedade do hiperconsumo pode dar margem à sociedade dos bens essenciais, com tecnologia e capacidade de reinvenção. Mas sabe que o caminho é longo. Nas palavras do ministro, a pandemia de covid-19 transformou o planeta numa espécie de sala de emergência. “A humanidade está cindida entre o desejo e o querer. Depende racionalmente da ciência e, ao mesmo tempo, quiçá há quem sonhe com soluções mágicas.”
Transitando entre as necessidades práticas da Justiça, como a adequação ao mundo tecnológico para dar respostas rápidas à sociedade, e os valores humanos necessários ao enfrentamento da pandemia, Facchin acredita que vivemos um tempo desafiador em todos os sentidos. Sobre as lições da pandemia, ele enumera cinco, entre elas: “a responsabilidade tanto pelo trajeto singular quanto pelo laço social (por meio da educação cidadã) e “a autoridade como lugar de merecimento e não posto formal autoexplicativo”.
Segundo Fachin, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir de fevereiro do próximo ano, as eleições de 2022 trazem à tona um imperativo categórico: preservar o sistema eleitoral brasileiro. “Lamentavelmente, há mais parasitas do que hospedeiros. O populismo totalitário ronda a democracia brasileira. É fundamental esse alerta, porquanto é antessala do golpe. O mais grave é essa visão personificada do povo em contraste com as instituições. Precisamos sair da crise sem sair da democracia.” , alerta o ministro.
Entrevista / Luiz Edson Fachin
Como a Justiça e o Direito se adaptaram para as novas demandas da sociedade diante da pandemia?
A incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e aos diversos patamares do processo eletrônico se deu de modo rápido, consideradas as circunstâncias, e não houve solução de continuidade. No STF, em 2020, ainda na Presidência do ministro Dias Toffoli, a gestão foi eficiente e de resposta imediata. Com a presidência do ministro Luiz Fux, os procedimentos das sessões virtuais, o trabalho remoto, o planejamento flexível e a preocupação com as adaptações foram mantidas e aprofundadas com zelo. Diante do quadro do possível, a adaptação em geral foi mais que satisfatória.
Há, contudo, problemas, como, por exemplo, na realização de audiências de custódia e a utilização de salas virtuais. Há, também, desafios para estudar e aplicar o Direito em tempos de pandemia, porquanto não apenas conceitos como também práticas são questionadas. E com razão. É um desafiador tempo para ponderar e refletir. Temos ainda muito a aprender e a melhorar.
O futuro vai relembrar O processo de Kafka, ou um processo justo, célere e eficiente? Eis o que temos diante de nós, juízes e jurisdicionados. O sistema de prestação jurisdicional está impactado pela tecnologia, e é importante que o Judiciário (assim entendido o sistema de Justiça: juízes, advogados públicos e privados, procuradores e o Ministério Público, além dos órgãos como Polícia Federal e Receita Federal) acompanhe a evolução tecnológica ocorrida na sociedade.
Há novidades batendo às portas, surgem as cortes on-line ou cortes virtuais. Elas partem da percepção de que os tribunais não são um espaço físico, mas um serviço prestado à população, uma vez que os jurisdicionados não estão interessados na arquitetura das cortes, mas no resultado que essas instituições produzem.
Ainda assim habitamos um mundo de paradoxos, de contradições e de desigualdades. Vivemos a era dos smartphones, das vídeochamadas, das redes sociais, dos bancos digitais, dos livros eletrônicos, do trabalho remoto, dos aplicativos móveis, das plataformas de serviços de streaming e on demand, das compras on-line. Porém, ao mesmo tempo, vivemos numa sociedade assimétrica e desigual. Segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (TIC – Domicílios 2019), 74% da população brasileira declarou ser usuária da internet. O percentual de domicílios com acesso à internet é de 71%. Quando se considera somente a área urbana, esse percentual é de 75% e ,somente a rural, 51%. No recorte com classe social, 99% dos domicílios da classe A teêm acesso à internet, ao passo que, quando se considera as classes D e E, esse percentual é de 50%.
Lembremo-nos de Franz Kafka, que em seu livro O processo, narra a parábola intitulada “Diante da lei”: será que vamos superar a percepção de que há um sistema judicial antiquado, custoso, lento ou ininteligível, que enfraquece a confiança no processo judicial? Um Estado que não tem uma instituição transparente, eficiente e forte para a resolução de controvérsias não é capaz de sustentar o Estado de Direito democrático.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
A pandemia da covid-19 transformou o planeta numa espécie de sala de emergência. Transformou o presente. A humanidade está cindida entre o desejo e o querer. Depende racionalmente da ciência e, ao mesmo tempo, quiçá há quem sonhe com soluções mágicas. Pensar no futuro requer asas, mas não conseguimos ainda sair do rés-do-chão. Saúde como direito fundamental se converte no imperativo de termos vacina para todos como direito universal e gratuito. A sociedade justa, livre e solidária desenhada pela Constituição da República é um mundo ainda não nascido e que requer acolhimento, pedagogia da solidariedade, práticas democráticas, respeito aos direitos humanos, pluralidade e tolerância.
Esses valores devem ser o núcleo de atração de uma sociedade que não ‘normalize’ o intolerável nem ‘banalize o mal’, para lembrar Hannah Arendt na pungente reflexão sobre as justificativas do injustificável. No momento em que respondo essas questões ,há mais de 400 mil mortos pela covid e 28 mortos na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. As funções públicas precisam estar à altura desses desafios, começando por reconhecer as falhas e as tragédias, senão colapsaremos, e a vida será mesmo absurdamente descartável.
É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
O tempo é de luto, de tensão permanente, de recessão democrática e de indicadores contundentes de barbárie. É um tempo em que tortura e execução precisam ser prontamente repelidas. O alívio, portanto, não é fuga. Sob a minha óptica, o olhar poético não é, necessariamente, transcendente ou metafísico, é real, concreto, no cimento de muita dor e na tragédia emerge a flor da poesia, coletiva ou pessoal, como se lê nos versos de Florbela Espanca, cuja originalidade, força e tom são poucos conhecidos entre nós brasileiros, e espelham “expressão que, por supremamente pessoal, se volve em colectiva” (como escreveu sobre os sonetos dela o poeta José Régio). Nela, assim como na poesia, há eloquência no silêncio, no engenho, na estética, e um olhar que dialoga com a vida e se projeta a partir da realidade. Encontro conforto no escutar, no meditar, no contemplar e no orar em família, como também em boas leituras, a exemplo das obras que trazem o pensamento do professor Sidarta Ribeiro.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Muitas foram as alterações. Em termos de trabalho, creio que são conhecidas as mudanças pelas quais passou o Supremo Tribunal Federal, a fim de se adaptar à realidade do distanciamento social. Os encontros entre os ministros são agora virtuais, nas chamadas reuniões por videoconferência, as audiências são feitas por aplicativos de chamada virtual, as reuniões com a nossa assessoria também e, infelizmente, também o encontro com os nossos familiares tem se limitado a essa incrível e paradoxal tecnologia que nos aproxima de forma inédita, mas que ainda está longe de oferecer o conforto que a proximidade do tato e do afeto proporciona. Essas mudanças de rotina — que se tornaram o novo normal — tem sua razão de ser e não são exclusividade da Suprema Corte brasileira, uma vez que outros tribunais também têm feito uso de tecnologias semelhantes.
Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
A recodificação do que virá depende muito do comportamento individual e coletivo de todos, especialmente do modo de produção de bens, valores e serviços. Criatividade e ousio são ingredientes desse caminho a construir. Afazeres com planejamento flexível, trabalho remoto, pode corresponder à tecnologia a serviço da vida. Minha aposta é na libertação e na solidariedade. A sociedade do hiperconsumo pode dar margem à sociedade dos bens essenciais, com tecnologia e capacidade de reinvenção. A todos, cidadãs, cidadãos, juízes e jurisdicionados, é lançado um desafio: cada uma e cada um tem direito a respirar. Esse oxigênio requer um ar que transmita justiça e ética. Não creio que seja uma esperança vã, especialmente para as gerações do futuro.
O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva a distância?
Sim, exige mesmo o equilíbrio entre a omissão cega e o ativismo irresponsável, o que demanda firmeza e serenidade. Sinto-me integrante da comunidade Matersol (Manos da Terna Solidão), orientada espiritual e intelectualmente pelos padres Paulo Botas e Eduardo Spiller Pena, e, mesmo à distância, temos dialogado com o combustível da esperança fornecido pelas palavras do Papa Francisco, por “uma nova imaginação do possível”.
Que ensinamento este momento nos deixa?
Há esperanças, mesmo na tragédia. Contudo, num mundo sem limite, como escreveu Jean-Pierre Lebrun, nasce e se desenvolve um ser indiferente, que não pertence a nada e não participa de nada, a não ser de seu próprio nicho, e esse ‘humano’ fruto da pandemia que pode representar um individual pragmático totalitário, que despreza as instituições, o respeito ao outro, à tolerância e a diversidade.
Cabe resistir a isso, ter serenidade e firmeza para o diálogo, para a retomada das pontes que compreendem no dissenso caminhos de legitimação das decisões.
O século XX foi alcunhado por Hobsbawn como a era dos extremos. Será o século XXI a era dos despojos, dos restos de humanidade, de barbárie, de autocracias, de autoritarismos? Ou da esperança renovada?
A boa notícia é que há indícios de despertar. Entendo que em sobressaltos ligamos os sensores. Vivemos um ’chiaroscuro’, por isso mesmo, há monstruosidades e há seres solidários, há riscos de um colapso gravitacional do sentido de humanidade e há sopros de esperança.
Extraio cinco lições desse tempo pandêmico: a) a responsabilidade tanto pelo trajeto singular quanto pelo laço social (por meio da educação cidadã); b) a legitimidade dos procedimentos; c) a necessidade de justificação e respectivo escrutínio; d) a importância da racionalidade e da redução do grau de indeterminação que resulta de critérios irracionais; e) a autoridade como lugar de merecimento e não posto formal autoexplicativo.
Como o senhor vive em Brasília há cinco anos, como “sentiu“ a cidade neste ano de pandemia?
No ano de 2020 ,a escuridão tomou o lugar da luz com a cronificação da pandemia. Creio que todas as cidades, seus núcleos diversos e suas diferentes camadas, assim foram tomadas, tanto Brasília quanto Curitiba. Desde o assombro nos meses iniciais de fevereiro e março até o final do ano, a realidade foi vista apenas nos sintomas, e o quadro se mostrou realmente volátil, ambíguo, incerto e complexo desde o começo desse 2021, projetando-se para os próximos anos. À luz das orientações das autoridades sanitárias, adaptei a vida pessoal, familiar e profissional na medida do possível. Para todos, embora em graus diferentes, tem sido uma razia em relação ao que considerávamos como ‘normal’.
Como vê a perda de tantos brasilienses na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
É uma tristeza e uma tragédia. Há erros, como todas as atividades humanas. Alguns muito graves. Nada obstante, estamos no meio dessa travessia, precisamos de uma vocação ecumênica, de um chamamento que não esbarre em interesses menores ou em contrates ideológicos, necessitamos de uma pauta que una as pessoas e de uma agenda solidária. Para a emergência sanitária, quiçá impende responder com efetivas políticas públicas de saúde. Para a emergência social, impende ter políticas sociais inclusivas, especialmente no acesso à educação para todos.
Para a emergência econômica, políticas de igualdade substancial, de acesso de todos a um patamar mínimo de dignidade existencial, com liberdade e responsabilidade.
Para a crise de gestão, ações coordenadas na sociedade e no Estado, em suas diversas esferas e instâncias. Para a recessão democrática agravada na pandemia, manter e consolidar a democracia representativa, melhorar a qualidade dos processos nas consultas (eleições, plebiscitos, referendos), e não normalizar o depois como se fosse apenas um rascunho do tempo precedente. Não há uma única bula, cada povo, sociedade, Estado e governos devem encontrar, dentro da vida aberta e plural, seus caminhos.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
É imprescindível. Lamentavelmente, há mais parasitas do que hospedeiros. O populismo totalitário ronda a democracia brasileira. É fundamental esse alerta, porquanto é antessala do golpe. O mais grave é essa visão personificada do povo em contraste com as instituições. As eleições de 2022 trazem à tona um imperativo categórico: preservar o sistema eleitoral brasileiro.
Precisamos sair da crise sem sair da democracia. O caminho passa pela política e pelo espaço público, com atuação franca e desinteressada. Cada gesto, cada comportamento, conta como exemplo. É mais do que hora da comunhão na diversidade. O país não pode esperar mais. Saídas passam por elevar o grau de institucionalização, pelo urgente enfrentamento dos efeitos assimétricos da pandemia.
Grupo quer posicionar sigla no chamado 'centro radical' e barrar diálogo que ex-presidente tem mantido com caciques do partido
Por Pedro Venceslau
As articulações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atrair o apoio do MDB na disputa presidencial de 2022 causaram reação de uma ala do partido, que já prepara uma contraofensiva. Desde que teve suas condenações na Lava Jato anuladas e retomou seus direitos políticos, Lula tem mantido diálogo com caciques emedebistas na tentativa de restabelecer a aliança da época em que o PT foi governo.
Ex-líder da bancada ruralista na Câmara e próximo ao presidente Jair Bolsonaro, o deputado Alceu Moreira (RS), presidente da Fundação Ulysses Guimarães, lidera o grupo anti-Lula do MDB. O parlamentar gaúcho vai iniciar a partir do dia 15 um ciclo de debates e consultas aos filiados para posicionar institucionalmente a legenda no chamado "centro democrático".
Organizados pela Fundação Ulysses Guimarães, os eventos serão virtuais e vão reunir quadros como o ex-presidente Michel Temer, que foi vice nos dois mandatos de Dilma Rousseff e assumiu o cargo após o impeachment da petista, em 2016. "Não passa de um devaneio o MDB apoiar Lula. O centro é ser radical contra o radicalismo. Se há um partido que é de centro é o MDB", disse Moreira.
O movimento para barrar o avanço de Lula no partido conta com o apoio de Temer e dirigentes emedebistas do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, Estados que historicamente se alinham contra o PT em eleições presidenciais.
Derrotado na eleição para presidência da Câmara por uma frente que contou com o apoio do Palácio do Planalto, o presidente nacional do partido, deputado Baleia Rossi (SP), mantém um discurso neutro e evita se alinhar a alguma das correntes internas, mas prega que o MDB se afaste dos extremos.
Para o dirigente, o partido deve reabrir o debate com outras forças políticas interessadas em quebrar a polarização entre Lula e Bolsonaro em 2022.
Ex-presidentes Lula e José Sarney
"Sabemos das diferenças regionais do MDB, por isso o melhor caminho para o partido é construir um candidato de centro. Vamos discutir todas essas questões com a executiva nacional do partido nos próximos meses", disse Rossi ao Estadão.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) vai na mesma linha. "Basta ver a história do partido: um guarda chuva para todas as tendências ideológicas e políticas que é capaz de unir os diferentes contra os extremos, a favor de uma alternativa democrática, seja com candidatura própria ou como aglutinador de uma terceira via", disse Tebet.
Um dos nomes colocados como alternativa de centro, o governador de São Paulo, João Doria, também está empenhado em obter apoio do MDB para sua candidatura à Presidência, em 2022. Embora a cúpula do MDB fale sobre o lançamento de um candidato próprio ao Planalto, este cenário é visto como menos provável. A ideia é apoiar um candidato e, no máximo, ser vice de alguma chapa. Não há, porém, um consenso sobre quem apoiar.
Em São Paulo, Baleia tem um acordo com Doria. A tendência é que o MDB apoie a candidatura do vice-governador Rodrigo Garcia para a disputa ao Palácio dos Bandeirantes. Garcia hoje está no DEM, mas deve migrar para o PSDB.
Palanques regionais
Lula, por sua vez, passou a semana em Brasília em busca de apoio à sua pretensão eleitoral. Ele almoçou na sexta-feira, 7, com o também ex-presidente José Sarney (MDB-MA). Um dos temas da conversa, na casa do emedebista, foi a montagem de palanques estaduais em 2022.
Como revelou a Coluna do Estadão, Lula telefonou para caciques emedebistas do Norte e do Nordeste e disse que representa o "centro" no tabuleiro eleitoral. Ainda que não tenha o compromisso do apoio do MDB para o seu projeto presidencial, o petista quer amarrar alianças regionais fortes que possam garantir a ele apoio nos Estados. Exemplos disso são Alagoas, onde o grupo de Renan Filho (MDB) busca permanecer no comando, e Pará, governado por Helder Barbalho (MDB), pré-candidato à reeleição. Lula é próximo dos pais dos dois governadores.
Para o ex-presidente, o apoio do MDB garantiria uma estrutura partidária forte no Norte e Nordeste, além de mais tempo de TV no horário eleitoral gratuito e a narrativa de que está construindo um projeto que vai além do campo da esquerda tradicional.