Na primeira grande derrota do governo Lula no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira, 3, por 295 votos a 136, um projeto que derruba parte dos decretos que alteram as regras de saneamento, editados no início de abril pelo presidente.

 

Por Giordanna Neves e Amanda Pupo

 

Agora, o texto segue para votação no Senado. O projeto foi relatado pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP) e atinge normas que deram sobrevida à operação das estatais de saneamento.

 

O movimento foi articulado por aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), e pela oposição. Logo que os decretos foram publicados, a Casa reagiu e avisou o governo que colocaria em votação projetos para derrubar os atos do governo caso o Planalto não ajustasse as regras.

 

A reação aos textos surgiu, basicamente, por dois motivos: pela avaliação de que os decretos desrespeitaram o texto do marco legal do saneamento, em vigor desde 2020, e pela “segunda chance” dada às empresas públicas de saneamento.

 

O relatório aprovado pela Câmara suspende artigos dos dois decretos editados pelo presidente no início de abril. Em relação a um deles, derruba as normas que possibilitam que empresas públicas estaduais de saneamento prestem serviços a microrregiões ou regiões metropolitanas (RM) em contrato sem licitação. Esse modelo, que o governo Lula tentou validar pelo decreto, é considerado pelo mercado uma afronta ao marco legal do saneamento, lei que obriga os municípios a abrir concorrência para contratarem um operador de água e esgoto.

 

Se o Senado também votar para suspender esse artigo, poderá significar uma derrota em especial para o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), ex-governador da Bahia. Isso porque o modelo de prestação direta em região metropolitana poderia ser aplicado para regularizar a prestação de serviços em Salvador, capital do Estado baiano.

 

Sobre o outro texto presidencial, o relatório aprovado derruba o artigo que possibilita que estatais incluam no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira operações que hoje estão irregulares. Pelas regras anteriores a edição dos decretos de Lula, os municípios que estão nessa situação teriam de promover uma nova licitação para contratar seu prestador de serviços. Com o decreto, foi possibilitada uma sobrevida a essas operações das estatais.

 

Os deputados também aprovaram suspender o artigo 10 do decreto 11.466, que esticou até 31 de dezembro de 2023 a fase de comprovação de capacidade econômico-financeira das estatais. Antes do ato do Executivo, o prazo já tinha se encerrado em março do ano passado.

 

“O prestador poderá incluir no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira eventuais situações de prestação dos serviços, por meio de contratos provisórios não formalizados, ou de contratos, instrumentos ou relações irregulares ou de natureza precária, hipóteses em que a prestação deverá ser regularizada junto ao titular ou à estrutura de prestação regionalizada, até 31 de dezembro de 2025, e a regularização estará condicionada à efetiva comprovação da capacidade econômico-financeira do prestador”, diz o artigo que a Câmara votou para derrubar.

 

Lira chegou a pautar na semana passada o requerimento para conferir urgência ao PDL – instrumento pelo qual o Congresso derruba decretos editados pelo Executivo. Uma tentativa de negociação com o Planalto, contudo, deu alguns dias extras para o governo Lula tentar convencer a Câmara a manter os textos.

 

O prazo de uma semana dado para uma tentativa de acordo, contudo, se esgotou. A derrota do governo na área de saneamento acontece num contexto ainda maior de preocupação para Lula. Nesta quarta, o presidente da Câmara voltou a reclamar da articulação do governo com o Congresso. Apesar de Lira não estar presidindo a sessão, o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos), afirmou que o assunto seria votado por orientação do alagoano.

 

No início de abril, Lula assinou dois decretos que modificam o Marco Legal do Saneamento e abrem caminho para que estatais estaduais continuem operando os serviços de água e esgoto sem licitação – quebrando, assim, um dos fundamentos da lei sancionada em 2020, que prevê justamente aumentar a concorrência e melhorar a qualidade da infraestrutura. O marco também determina universalizar os serviços de água e esgoto até 2033, com fornecimento de água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.

 

 

 

Posted On Quinta, 04 Mai 2023 05:12 Escrito por

A Polícia Federal e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sabia do esquema de fraude em cartões de vacinação da Covid-19

 

POR FABIO SERAPIÃO E CONSTANÇA REZENDE

 

Em representação encaminhada a Moraes, a PF aponta o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, como principal articulador do esquema.

 

Segundo a PF, Bolsonaro tinha ciência da inserção fraudulenta dos dados no sistema do Ministério da Saúde.

 

"Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", diz a PF.

 

A polícia cita como indícios do conhecimento de Bolsonaro o fato de o certificado de vacinação do ex-presidente ter sido emitido nos dias 22 e 27 de dezembro do Palácio do Planalto.

 

Em decisão que autorizou a busca e apreensão nesta quarta-feira (3) na casa do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, além da prisão contra alguns de seus mais próximos ex-assessores, Moraes disse não ser crível que Mauro Cid tenha articulado o esquema à revelia e anuência de Bolsonaro.

 

O ministro afirma que, no atual estágio das investigações, não daria para acreditar nessa posição, defendida pela PGR (Procuradoria-Geral da República), mesmo tendo reconhecido a existência de comprovação da materialidade da inserção de dados falsos de Bolsonaro e sua filha no sistema do Ministério da Saúde (ConecteSus).

 

Ele também citou como argumento "o notório posicionamento público de Jair Messias Bolsonaro contra a vacinação, objeto da CPI da Pandemia e de investigações nesta Suprema Corte".

 

"É plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas Eleições Gerais de 2022", disse Moraes.

 

Na representação, a PF detalha minuto a minuto como foram as alterações no sistema e a emissão do cartão de vacinação de Bolsonaro.

 

Segundo a PF, as informações coletadas mostram como ele se uniu ao secretário de Governo de Duque de Caxias, João Brecha, que foi preso, e aos assessores Mauro Cid e Marcelo Câmara para inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema.

 

A ação, diz a PF, configura que Bolsonaro tenha cometido o crime de inserção de dados falsos em sistema de informação.

 

"Tais condutas, contextualizadas com os elementos informativos apresentados, indicam que as inserções falsas podem ter sido realizadas com o objetivo de gerar vantagem indevida para o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro relacionada a fatos e situações que necessitem de comprovante de vacinação contra a Covid-19", diz a PF.

 

 

Posted On Quinta, 04 Mai 2023 05:05 Escrito por

Ex-presidente afirmou que o tratamento recebido pelos agentes da corporação foi de 'cortesia' nesta quarta-feira (3)

Por Plínio Aguiar

 

 

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, nesta quarta-feira (3), que não tem dúvida de que a operação da Polícia Federal (PF) da qual foi alvo tinha a intenção de esculachá-lo. O ex-chefe do Executivo ressaltou, porém, que o tratamento recebido pelos agentes foi de cortesia.

 

"Não há dúvida que eu chamo de operação para te esculachar. Podiam perguntar sobre vacina, cartão, eu responderia sem problema nenhum. Agora uma pressão enorme, 24 horas por dia, o dia todo, desde antes de assumir a presidência até agora, não sei quando isso vai acabar. O que eu fico emocionado é que mexer comigo sem problema, mas quando vai para a esposa, para filhos, aí o negócio, é desumano", afirmou.

 

A declaração foi dada pelo ex-presidente em entrevista a uma rádio. Mais cedo, Bolsonaro foi alvo de operação feita pela PF para investigar a atuação de uma associação criminosa que inseria dados falsos de vacinação nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde.

"Por volta das 6h15 da manhã, eu já estava acordado, eu acordo por volta de 4h30, no máximo 5h, e tocou a campainha. Já procurei saber o local adequado, quem estava lá fora, não ia abrir a porta da minha casa só porque tocou a campainha 6h15 da manhã. Veio o pessoal uniformizado, daí certifiquei que eram policiais mesmo", contou.

 

Na sequência, Bolsonaro chegou a dizer que sentiu que policiais federais que estavam trabalhando durante a operação se sentiram constrangidos com a situação. "Abri a porta, convidei para entrar e fui tratado muito bem. Em nenhum momento houve exagero, voz mais alta, falta de educação, muito pelo contrário. Acredito até que eu senti constrangimento em alguns policiais federais. Foram corteses comigo."

O ex-presidente relatou também que ligou para seu advogado e informou aos agentes que não existem senhas para entrar em seu celular, que foi apreendido pela PF. "O [celular] da Michelle [Bolsonaro] foi visto lá, tem reconhecimento facial, e deixaram com ela", disse.

 

"Houve apreensão de pistola minha, mas aí eu falei para o policial que, quando eu cheguei ao Brasil, tinha dois carros blindados. O que eu apurei é que foi ordem direta do presidente Lula para tirar carro blindado de mim. Eu não posso ficar na minha casa desarmado. É um local que o condomínio não oferece a devida segurança. Então, peço a vocês uma providência se é possível ficar com a minha pistola ou não. Vocês já sabem qual a numeração, certinho. Aproximadamente uma hora depois e deixaram a pistola em casa", contou.

 

 

 

Posted On Quarta, 03 Mai 2023 16:00 Escrito por

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou nesta terça-feira (2) a votação do PL das Fake News, numa tentativa de evitar a primeira derrota da articulação política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

POR DANIELLE BRANT, VICTORIA AZEVEDO E RANIER BRAGON

No início da sessão, o relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), pediu a retirada de pauta do texto, sob argumento de que recebeu várias propostas para serem incluídas na proposta.

 

Segundo ele, "mesmo após todos os encontros e ouvindo todas as bancadas", não houve tempo útil para examinar todas as sugestões.

 

O deputado então pediu a Lira mais tempo para incorporar as sugestões feitas, "de modo que possamos ter uma posição que unifique o plenário da Câmara dos Deputados num movimento de combater desinformação, garantir liberdade de expressão, responsabilidade para as plataformas e transparência na internet".

 

Lira, em resposta, disse que queria ouvir os líderes partidários e lembrou que colocar ou não o projeto em pauta é prerrogativa do presidente da Câmara. "Eu estou sendo justo com o país, não com radicalismos", disse.

 

Pouco depois, Lira pediu a líderes partidários que opinassem sobre o pedido do relator. Líder do PP na Câmara, André Fufuca (MA) concordou com a retirada de pauta.

 

"Eu gostaria pela boa fé e bom entendimento pudéssemos adiar essa votação e retirar de pauta a matéria para que todos possam construir uma matéria com ampla maioria que todos tenham certeza que estão votando que é melhor não apenas ao parlamento mas ao Brasil", disse.

 

Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), se manifestou de forma divergente e cobrou que o texto fosse votado nesta terça ou que já tivesse outra data para a votação. A bancada do Novo também pediu que a proposta fosse apreciada nesta sessão.

 

Lira, no entanto, acatou o pedido da maioria dos partidos e decidiu retirar o projeto de pauta. "O pedido do relator para mim já é suficiente", disse. "Portanto, de ofício, o projeto não será votado na noite de hoje." Cobrado por deputados da oposição sobre uma nova data, Lira se recusou a marcar nova votação.

 

Mais cedo, o presidente da Câmara já havia sinalizado que, se não houvesse apoio suficiente, postergaria a votação. "Se não tiver voto, meu intuito é que não vote hoje", afirmou, ao chegar à Câmara no final de tarde desta terça (2).

 

O adiamento ocorre após pressão das chamadas big techs, da bancada evangélica e do bolsonarismo, que apelidaram o texto de "PL da Censura". Questionado sobre se o adiamento poderia enterrar a proposta, Lira negou. "O que enterra é a derrota. A derrota enterra."

 

A urgência da proposta foi aprovada na última terça-feira (25) por 238 votos a favor e 192 contrários. Acordo feito por líderes partidários previa a votação do mérito nesta terça. Ao longo da semana, no entanto, o projeto começou a enfrentar resistência crescente.

 

Para tentar contornar os entraves, o relator do PL amenizou o texto. Ele incluiu dispositivo para tentar assegurar que conteúdos postados por esses religiosos e seus fiéis não fossem derrubados por plataformas por serem considerados ofensivos à população LGBTQIA+.

 

A mudança foi insuficiente para aplacar a resistência dos evangélicos. No sábado (29), o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, anunciou que o partido votaria contra o projeto. Ele disse que os votos favoráveis a uma tramitação mais célere não se confundem com a posição em relação ao mérito do tema.

 

"Ninguém assumiu o compromisso de votar o projeto propriamente dito", declarou. "É verdade que ele [relator] fez vários ajustes no texto, acatou muitas sugestões da bancada evangélica, de vários parlamentares de vários partidos, inclusive do Republicanos, mas o texto continua ruim."

 

Nesta terça, representantes de bancadas religiosas divergiram sobre o teor da proposta. Pela manhã, pastores e bispos alinhados à esquerda manifestaram apoio ao projeto, criticando a postura das plataformas digitais. À tarde, integrantes da frente parlamentar evangélica disseram que votarão contra o texto.

 

"Teremos 95% da bancada votando contrariamente ao projeto", afirmou o segundo vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

 

Segundo ele, 45% dos parlamentares começaram agora seus mandatos. "Eles não participaram do debate que foi conceitual no grupo de trabalho na legislatura passada", continuou. "Muitos se assustaram com as reações de seus eleitores."

 

Para aprovar o texto, Orlando Silva também retirou a previsão de uma agência reguladora, entidade que a oposição vinha apelidando de Ministério da Verdade. Deputados viam risco de interferência ideológica na agência, com a retirada de conteúdos de opositores.

 

Mesmo após as mudanças, muitas bancadas ainda se mostravam divididas sobre a votação do texto, caso do PSD, do MDB e do Podemos.

 

Além da resistência no Congresso, o projeto também tem sido bombardeado pelas big techs. Na segunda-feira (1º), o Google posicionou um link abaixo da caixa de busca, com os dizeres: "O PL das fake news pode piorar sua internet". O link, retirado nesta terça, direcionava para um post do blog do Google com inúmeras críticas ao projeto.

 

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, qualificou o PL das Fake News de vago. Ele também defendeu que a empresa já adota medidas para moderar conteúdo de ódio e que a responsabilidade por violência nas escolas não é só das plataformas.

 

A votação do PL das Fake News ganhou força no governo Lula após os ataques golpistas de 8 de janeiro e depois dos ataques a escolas em São Paulo e em Blumenau (SC).

 

O texto em discussão traz, entre outros pontos, uma série de obrigações às plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo.

 

O relatório estipula ainda que a imunidade parlamentar material prevista na Constituição se estende às redes sociais. Além disso, determina que contas de presidentes, governadores, prefeitos, ministros, secretários e outros cargos são consideradas de interesse público. A partir disso, proíbe que os detentores restrinjam a visualização de suas publicações por outros usuários.

 

Para as redes sociais há obrigações, por exemplo, de produção de relatórios de transparência e de identificação de todos os conteúdos impulsionados e publicitários.

 

Segundo o texto, as decisões judiciais que determinarem a remoção imediata de conteúdo ilícito relacionado à prática de crimes referidos na lei deverão ser cumpridas pelas empresas em até 24 horas, sob pena de multa entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão por hora de descumprimento.

 

 

 

 

Posted On Quarta, 03 Mai 2023 05:44 Escrito por

 

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve envolvido em boa parte das principais controvérsias debatidas no País. Trata-se de um cenário desafiador para um tribunal que, como todo órgão do Judiciário, deve ser rigorosamente imparcial, política e ideologicamente. Sua firme atuação em defesa das instituições democráticas foi muitas vezes entendida como ativismo judicial, o que explicita, entre outras causas, uma grande incompreensão sobre o papel de uma Corte constitucional no Estado Democrático de Direito. A missão do STF não é agradar à maioria, mas fazer valer a força normativa da Constituição em sua plenitude.

 

História por Notas & Informações

Do Estadão

 

Às vezes, no entanto, o próprio Supremo parece não compreender adequadamente seu papel constitucional, invadindo as atribuições do Congresso. Isso se expressa, por exemplo, no recebimento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) manifestamente ineptas, como a que questiona a Lei das Estatais, como já criticamos neste espaço (ver o editorial Cabe ao STF rejeitar a judicialização da política, dia 20/2/2023).

 

O grande problema, no entanto, é que a intromissão do Supremo no campo da política tem sido mais do que um desvio esporádico. Tornou-se frequente e vem sendo considerada natural. Já não causa escândalo. No mês passado, por exemplo, o STF começou a julgar a Adin 5090, que discute a constitucionalidade da aplicação da Taxa Referencial (TR) na correção dos saldos das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Trata-se de um caso realmente desolador, em que o Supremo corre o risco não apenas de atropelar a competência do Legislativo, mas de menosprezar sua jurisprudência sobre a matéria. O julgamento da ação foi suspenso por pedido de vista do ministro Kassio Nunes.

 

A Adin 5090 questiona um sistema vigente desde a Lei 8.177/1991, que definiu regras para a desindexação da economia. O tema foi levado diversas vezes ao Judiciário. Em 2014, o STF rejeitou apreciar a matéria. Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que não competia ao Judiciário substituir a TR por outro índice de correção monetária. Um mínimo de estabilidade na jurisprudência é respeito não apenas à segurança jurídica, mas ao próprio Judiciário.

 

Há motivos razoáveis para criticar a sistemática atual e postular mudanças no modo de correção do FGTS. O ponto é: esse debate deve ser feito no Congresso, e não no STF. A escolha do índice a ser aplicado ao saldo das contas é uma decisão política, com consequências sobre diversos temas políticos, sociais e econômicos. Por exemplo, mudar a forma de correção do FGTS afeta o financiamento imobiliário para a população de baixa renda.

 

No momento em que o STF toma para si esse tipo de decisão, a Corte passa, na prática, a gerir uma série de questões que não lhe competem, reduzindo a responsabilidade do Congresso sobre temas centrais da vida nacional. Basta ver que, nos dias de hoje, boa parte da equação fiscal, a afetar inúmeras políticas públicas, depende não dos parlamentares eleitos, mas das escolhas que serão feitas pelos ministros do Supremo.

 

O decurso do tempo não faz com que uma lei inconstitucional se torne constitucional. Mas é preciso um pouco de realismo. No caso do FGTS, por exemplo, são mais de três décadas de vigência de uma sistemática de correção e, até o momento, a Corte não tinha notado nenhuma inconstitucionalidade. Agora, num rompante de iluminação, o plenário do STF vai descobrir que o índice de correção fere a Constituição? Além disso, em julgamentos assim, a discussão sobre o passado torna-se, muitas vezes, mais importante do que sobre o futuro, dando aos ministros um poder discricionário absolutamente irrazoável em relação à retroatividade ou não dos efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade.

 

Para cumprir sua imprescindível missão em defesa da Constituição, o STF precisa ter autoridade. Entre outros fatores, essa autoridade é construída pelo respeito às competências institucionais. A Corte tem de saber onde termina seu papel e onde começa o do Congresso.

 

 

Posted On Quarta, 03 Mai 2023 05:33 Escrito por
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