Texto de comissão de juristas reúne argumentos apresentados em outros pedidos de impeachment já protocolados na Câmara e atribui 23 crimes de responsabilidade ao presidente
POR DANIELLE BRANT E THIAGO RESENDE
Em meio à denúncia de cobrança de propina por vacina, a oposição e movimentos sociais protocolaram nesta quarta-feira (30) o superpedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas sem apoio político para que o processo prospere na Câmara dos Deputados.
Cerca de 120 pedidos foram reunidos em um só, apontando mais de 20 tipos de acusações.
A denúncia do empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde, foi incluída como um pedido de investigação, mas não ainda como um suposto crime do presidente.
Na terça-feira (29), a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), indicou que o superpedido poderá futuramente ser ampliado para incluir a denúncia envolvendo a negociação de propina revelada pelo jornal Folha de S.Paulo. "Podemos adendar a peça", disse.
O superpedido de impeachment é resultado de uma articulação de partidos de oposição a Bolsonaro e ex-aliados do presidente. Esse grupo reúne cerca de 140 deputados. Para eventual impeachment passar pela Câmara, são necessários 342 votos dos 513 deputados.
Assinam o superpedido centrais sindicais, movimentos sociais, deputados da oposição e de centro-direita, associação de juristas e personalidades, entre outros.
No texto, os autores da ação lembram que, até esta quarta, já foram protocolados 122 denúncias de prática de crimes de responsabilidade junto à Câmara dos Deputados -seis delas foram arquivadas.
Apesar do ciclo de desgaste político do presidente e da baixa tração nas pesquisas eleitorais de 2022, o centrão permanece disposto a barrar a iniciativa de opositores ao governo. A fissura nessa aliança traz mais riscos para Bolsonaro no projeto de ser reeleito.
O centrão é um consórcio de partidos que se juntou a Bolsonaro quando o Palácio do Planalto passou a liberar cargos de indicação política e pagamento de verbas das emendas ao Orçamento.
Por ora, está mantida a blindagem para que o atual mandato seja concluído. Além disso, com o desgaste provocado pelas denúncias envolvendo a negociação da Covaxin, a avaliação é que esse grupo ganhou ainda mais poder de barganha junto ao Executivo.
O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los.
Se o pedido for aceito, a denúncia é encaminhada a uma comissão especial e depois ao plenário da Casa. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para o processo seguir para o Senado.
A próxima etapa seria uma votação para o Senado confirmar ou não a abertura da investigação. Se o processo for aberto na Casa, o presidente da República é afastado até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice.
ENTENDA O SUPERPEDIDO DE IMPEACHMENT
Alguns dos partidos e entidades que assinam o documento
PT
PDT
PSB
PCdoB
PSOL
ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia)
Coalizão Negra por Direitos
Ambientalistas, como Rafael Echeverria Lopes e Enilde Neres Martins
MBL (Movimento Brasil Livre)
Advogado Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República
Ex-aliados de Bolsonaro, como deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP)
Alguns dos crimes mencionados no pedido
Crime contra a existência política da União
Ato: fomento ao conflito com outras nações
Crime contra o livre exercício dos Poderes
Ato: ameaças ao Congresso, STF e interferência na PF
Tentar dissolver ou impedir o funcionamento do Congresso
Ato: declarações do presidente e participação em manifestações antidemocráticas
Ameaça contra algum representante da nação para coagi-lo
Ato: disse que teria que sair na porrada com senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), membro da CPI da Covid
Opor-se ao livre exercício do Poder Judiciário
Ato: interferência na PF
Ameaça para constranger juiz
Ato: ataques ao Supremo
Crime contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Usar autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder
Ato: trocas nas Forças Armadas e interferência na PF
Subverter ou tentar subverter a ordem política e social
Ato: ameaça a instituições
Incitar militares a desobedecer a lei ou infração à disciplina
Ato: ir a manifestação a favor da intervenção militar
Violar direitos sociais assegurados na Constituição
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Crime contra a segurança interna do país
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Permitir a infração de lei federal de ordem pública
Ato: promover revolta contra o isolamento social na pandemia
Crime contra a probidade na administração
Ato: gestão da pandemia e ataques ao processo eleitoral
Expedir ordens de forma contrária à Constituição
Ato: trocas nas Forças Armadas
Proceder de modo incompatível com o decoro do cargo
Ato: mentiras para obter vantagem política
Negligenciar a conservação do patrimônio nacional
Ato: gestão financeira na pandemia e atrasos no atendimento das demandas dos estados e municípios na crise de saúde
Crime contra o cumprimento das decisões judiciárias
Ato: não criar um plano de proteção a indígenas na pandemia
Blindar subordinados em caso de delitos
Ato: não pediu investigação de suposta irregularidade na Covaxin
O CAMINHO DO IMPEACHMENT
O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los.
O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Jair Bolsonaro. Ele pode decidir sozinho o destino dos pedidos e não tem prazo para fazê-lo.
Nos casos encaminhados, o mérito da denúncia deve ser analisado por uma comissão especial e depois pelo plenário da Câmara. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para autorizar o Senado a abrir o processo.
Iniciado o processo pelo Senado, o presidente é afastado do cargo até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice. Se for condenado por pelo menos 54 dos 81 senadores, perde o mandato.
Os sete presidentes eleitos após a redemocratização do país foram alvo de pedidos de impeachment. Dois foram processados e afastados: Fernando Collor (1992), que renunciou antes da decisão final do Senado, e Dilma Rousseff (2016).
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) ameaçou, na noite desta terça-feira (29/6), “explodir a República” após tomar conhecimento pelo Metrópoles de uma representação apresentada pelo presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, para pedir a perda de mandato do congressista
Por Caio Barbieri
“Tomei conhecimento agora da representação que o PTB entrou contra mim no Conselho de Ética da Câmara. Se de fato for pra frente, na primeira sessão [do órgão interno], as provas que o Brasil inteiro quer que eu apresente serão entregues na sessão e, me desculpe, mas 2022 vai ser bem diferente. Só isso que eu tenho pra dizer”, resumiu.
“Já que o ‘Bob’ quer explodir a República, então que ele o faça, porque até agora eu só falei a verdade e tentei minimizar os danos. Se eles querem aumentar o tom, vamos aumentar o tom, eu não tenho dificuldade nenhuma em aumentar o tom”, continuou.
Perda de mandato
O ex-deputado Roberto Jefferson ingressou com uma representação para que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), avalie encaminhar o deputado Luis Miranda para o Conselho de Ética da Casa. O pedido foi protocolado na noite desta terça-feira (29/6).
Na peça, o cacique – conhecido defensor bolsonarista – elenca uma série de argumentos alinhados com discursos dos senadores da base governista que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 e que tentaram desconstruir a versão apresentada pelo congressista e o irmão, Luis Ricardo Miranda – servidor concursado do ministério – sobre as suspeitas do negócio milionário.
De acordo com Jefferson, Luis Miranda teria se utilizado “da periclitante circunstância da pandemia mundial da Covid-19 a fim de criar uma narrativa com o único objetivo de prejudicar o presidente da República”. Por isso, o político condenado no processo do Mensalão pede a perda do mandato do autor das denúncias contra o governo Bolsonaro.
“Por ilação lógica, ao passo que o Parlamentar, ora Representado, levou a uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado Federal narrativa diversa dos fatos (dos quais ele tem total conhecimento) com o fito de prejudicar o Presidente da República, indubitavelmente infringiu o Código de Ética da Câmara dos Deputados (…). Assim, deixa de cumprir a Constituição ao cometer ilícito grave, desvalorizando as instituições, exercendo o mandato sem respeito à vontade popular, de má-fé e de maneira ímproba, desrespeita a autoridade do Presidente da República, e abusa da imunidade parlamentar para cometer ilícitos e violar inúmeros dispositivos”.
Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deverão já nesta semana procurá-lo para verificar se há possibilidade de ele interferir
Por Caio Junqueira
O governo vai sondar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sobre a possibilidade de encerrar a CPI da Pandemia. O governo também quer que haja recesso parlamentar de duas semanas a partir do dia 17 de julho, o que suspenderia os trabalhos da comissão.
Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deverão já nesta semana procurá-lo para verificar se há possibilidade de ele interferir para impedir a prorrogação dos trabalhos da CPI.
Isso pode ocorrer se houver um recurso ao plenário contra a prorrogação, ou se Pacheco simplesmente não ler o requerimento de prorrogação.
O governo pretende trabalhar com Pacheco o argumento de que a CPI tem ofuscado o trabalho do Senado e dominado todos os holofotes da Casa, deixando de lado a agenda legislativa que ele tenta conduzir.
A ideia de tentar barrar a prorrogação já existia, mas ganhou força depois de sexta-feira (25), quando o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) disse que ouviu do presidente Jair Bolsonaro que o polêmico contrato para aquisição de vacinas Covaxin era “rolo” de Ricardo Barros.
São remotas, contudo, as chances de Pacheco acatar a movimentação do governo contra a prorrogação da CPI. Seus interlocutores têm-lhe dito que se ele, por exemplo, não ler o requerimento de prorrogação, poderá ficar exposto politicamente como alguém que impediu o avanço de uma investigação.
O presidente do Senado também já foi avisado que, se acatar um recurso ao plenário, haveria grandes chances de ele ser derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pelos mesmos motivos que levaram à abertura da CPI: a CPI é um direito da minoria.
Presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pode impedir a prorrogação da CPI se assim desejar.
Cada vez mais nas mãos do principal bloco do Congresso, Bolsonaro pode ver desidratar o apoio do grupo em meio às denúncias que respingam no governo, ao aumento de protestos de rua e ao crescimento de Lula nas pesquisas de voto
Por Luiz Calcagno
A CPI da Covid tornou-se a balança do Centrão na Câmara. Os trabalhos do colegiado passaram a servir de termômetro para que o bloco político mais poderoso do Congresso decida se continuará com o presidente Jair Bolsonaro. Principalmente, depois do depoimento à comissão do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e do irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda. Eles denunciaram um esquema de compra superfaturada da vacina Covaxin. O Centrão segue com o chefe do Planalto, mas o grupo não se comprometerá se o governo entrar em queda livre.
O namoro de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segue firme. Mas a dinâmica do relacionamento também mudou. Para cientistas políticos, o parlamentar assumiu como uma figura fiel ao presidente. Hoje, porém, a proeminência é do aliado e não do mandatário. Para completar o cenário, há a percepção, da parte de parlamentares, de que, apesar das constantes derrotas em votações, o vento está soprando a favor da oposição, com pesquisas mostrando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva bem-avaliado, enquanto o chefe do Executivo vive o pior momento de sua gestão.
Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), se a acusação contra Bolsonaro e seu líder de governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), se confirmarem, há forte risco de o mandatário perder a governabilidade. “A CPI, hoje, tem mais força do que o Centrão em termos de sustentação da governabilidade. Se a CPI encontrar provas da culpa do presidente e de líderes do bloco nesses fatos, isso tem potencial de desidratar a relação, e o Centrão vai procurar o caminho”, frisou. “O vento, hoje, sopra a favor da oposição. Até o dia anterior ao depoimento dos irmãos Miranda, tínhamos uma CPI da imprudência sanitária. E, agora, é a CPI da provável prevaricação do presidente.”
O líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), confirmou que a oposição trabalha com insistência para quebrar essa liga. “A Câmara não pode chancelar a crueldade do governo Bolsonaro. Acredito que esse quadro vai começar a mudar. Ele sabia que Ricardo Barros estava envolvido. Não fez nada, manteve o líder. Não é possível que o Parlamento vá se submeter a essa lógica”, criticou. A oposição entregará, na quarta-feira, um “superpedido” de impeachment contra o chefe do Planalto e organiza manifestações para o próximo sábado.
O petista destacou, no entanto, que a deterioração da relação entre o presidente e o Centrão é um processo. “O certo é que os dois movimentos estão acontecendo, a comprovação das maracutaias e o desgaste de Bolsonaro na sociedade. E, na medida em que for comprovado, aumentará mais o desgaste. Um terceiro elemento são as mobilizações sociais, que estão crescendo”, ressaltou.
O vice-líder do governo, Evair de Melo (PP-ES), negou o quadro. “A base está sólida e organizada. O impacto da CPI é zero. Essa conversa que deputados da base estão insatisfeitos... É claro que tem alguém que está fazendo velha política e não está conseguindo. Por estar filiado a partido da base, se diz base, mas nunca foi. O modelo objetivo do governo não satisfaz”, rebateu.
Eleições
Na visão do estrategista político Orlando Thomé, o povo nas ruas é uma preocupação, mas a distância até as eleições em 2022 conta a favor de Bolsonaro. “O que pode mudar essa balança é a denúncia em relação à corrupção no caso da Covaxin. Mas ainda é muito difícil saber o alcance delas”, disse. “E é importante a reação do governo com a coletiva da semana passada, do ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e de Élcio Franco (assessor da Casa Civil), que indica que isso pode ser um calcanhar de aquiles. Mas, se porventura não se criarem as condições para o impeachment, minha opinião é que o presidente recupera a queda que teve, pois tem uma base sólida de apoiadores na faixa acima de 25%.”
Para o analista político Melillo Dinis, do portal Inteligência Política, o rompimento entre Bolsonaro e Lira não é questão de “se”, mas de “quando”. “O namoro já mudou. Antigamente, o Lira é que, para ser eleito e construir as suas relações internas e externas à Câmara, era fiel a Bolsonaro. Com o passar dos meses, é Bolsonaro que, cada vez mais, precisa ser fiel a Lira. E ambos vão trair um ao outro”, arriscou.
Na opinião de Dinis, a postura crítica ao governo, do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), é uma das evidências. “Ele bateu tanto no Bolsonaro, sendo da base, que nem precisa de oposição. Se o vice-presidente, homem de confiança de Lira, já está vociferando esse conjunto de críticas e impropérios, imagine o deputado de perfil baixo que não é líder”, comparou.
Ameaças
Em pronunciamento na semana passada, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, acompanhado do assessor da Casa Civil Élcio Franco, rebateu as denúncias dos irmãos Miranda. Ele negou superfaturamento do contrato da Covaxin e disse que não houve favorecimento a ninguém. Lorenzoni afirmou que o governo pedirá abertura de investigação pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela Controladoria-Geral da União (CGU) sobre as declarações do deputado Luis Miranda. “O senhor vai explicar e pagar pela irresponsabilidade, pela má-fé, pela denunciação caluniosa e pela produção de provas falsas”, ameaçou.
Ela teria enviado um e-mail à Comissão Parlamentar de Inquérito com os pontos a serem abordados em seu depoimento
Por Mariana Costa*
A ex-mulher de Eduardo Pazuello, Andréa, procurou a CPI da COVID se dizendo disposta a depor. A informação foi divulgada, neste domingo (27/6), pelo colunista do jornal "O Globo", Lauro Jardim.
Andréa teria enviado um e-mail para a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, com os pontos que poderia abordar sobre atos do ex-marido, enquanto ocupava o Ministério da Saúde.
Os membros da CPI avaliam se ela vai ser chamada para prestar depoimento. Segundo o colunista, a decisão final sobre ouvi-la deve ocorrer após uma conversa pessoal entre o presidente da CPI da COVID, senador Omar Aziz (PSD-AM) e Andréa, que mora em Manaus.
*Estagiária sob supervisão do subeditor João Renato Faria