O pesquisador brasileiro Luiz Osório Leiria, durante pesquisa de pós-doutorado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, identificou uma substância produzida pelo organismo que ajuda a controlar os níveis de glicose e pode ser uma alternativa para o combate a diabetes. Atualmente ele é pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

 

Por Camila Boehm 

 

Em artigo publicado na revista Cell Metabolism, Leiria descreve pela primeira vez as funções de tal substância, o lipídio 12-HEPE, um tipo de gordura que é produzida e liberada pelo tecido adiposo marrom. O tecido adiposo marrom está principalmente relacionado à regulação térmica do organismo por meio da produção de calor. Já o tecido adiposo branco é aquele relacionado com a obesidade e tem a função é acumular gordura quando há excedente energético disponível.

 

Na pesquisa, Leiria descobriu que camundongos obesos tratados com o lipídio 12-HEPE apresentaram maior eficiência na redução dos níveis de glicose no sangue depois de receberem uma injeção com glicose concentrada, na comparação com os camundongos que não tinham recebido o tratamento com o lipídio.

 

“Mostramos que o 12-HEPE foi capaz de melhorar a tolerância à glicose em animais obesos, o que se deve à capacidade deste [lipídio] de promover a captação da glicose no tecido adiposo e no músculo. Aumentar a tolerância à glicose significa dizer a capacidade de transportar a glicose para os tecidos após uma ingestão alta de alimento (com glicose) reduzindo os níveis de glicose no sangue”, disse Luiz Osório Leiria.

 

O pesquisador demonstrou que o efeito benéfico do lipídio se deu pela capacidade do 12-HEPE promover a captação de glicose tanto no músculo quanto no próprio tecido adiposo marrom.

 

Diabetes
A importância da descoberta para um possível tratamento de pessoas com diabetes se dá porque os pacientes nessa condição têm seus níveis de glicose no sangue elevados e precisam de medicação para reduzir esses níveis. Leiria identificou, na pesquisa, que o lipídio 12-HEPE havia realizado a função de diminuir o nível de glicose no sangue entre os camundongos obesos.

 

“É cedo pra dizer, mas pode significar sim [um novo tipo de tratamento], pois no diabetes tipo 2 que ocorre intolerância à glicose, ou seja, ocorre um defeito da capacidade do organismo em captar a glicose após uma refeição e com isso a glicemia permanece elevada por muito tempo”, explicou.

 

Nos testes clínicos realizados com pacientes humanos, ao coletar amostras de sangue de pessoas magras e saudáveis, assim como de pacientes com sobrepeso e obesos, verificou-se que a quantidade de 12-HEPE do primeiro grupo foi maior do que no sangue dos pacientes com sobrepeso e obesos.

 

Ou seja, a pesquisa sugere a possibilidade de que a redução dos níveis desses lipídios na corrente sanguínea de pessoas obesas contribua, de alguma forma, para o aumento da glicose no sangue destes pacientes. A substância ainda não foi testada como tratamento em humanos, mas o pesquisador afirma que pretende fazer os testes no futuro.

 

Nos testes in vitro em células adiposas provenientes de humanos, os resultados mostraram que 12-HEPE aumentou a captação de glicose. “Em humanos, sabemos duas coisas: os níveis do lipídio são reduzidos em humanos obesos e, quando indivíduos tomam uma droga (Mirabegron) que ativa o tecido adiposo marrom, o lipídio é liberado no sangue”, contou Leiria.

 

Um remédio já comercializado no país chamado Mirabegron, indicado para o tratamento de uma disfunção urinária conhecida como bexiga hiperativa, tem também a capacidade de ativar o tecido adiposo marrom. A pesquisa de Leiria mostrou que pacientes tratados com esse medicamento têm níveis mais elevados de 12-HEPE no sangue.

Posted On Segunda, 19 Agosto 2019 05:11 Escrito por

Esquema fraudou licitações do Rodoanel Sul e do Sistema Viário Metropolitano; ação de improbidade administrativa pede o ressarcimento dos danos aos cofres públicos

 

Com Assessoria do MPF

 

O Ministério Público Federal ajuizou ação contra Paulo Vieira de Souza e Mário Rodrigues Júnior, ex-diretores da empresa estatal paulista Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), por atos de improbidade administrativa que geraram enriquecimento ilícito e danos milionários aos cofres públicos.

 

O processo movido pela Força Tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo requer o ressarcimento do prejuízo superior a R$ 571 milhões causado pela formação de um cartel nas obras do trecho sul do Rodoanel – obra com recursos da União – e em sete grandes projetos do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Metropolitano, na capital paulista. O MPF busca ainda a devolução de mais de R$ 21 milhões recebidos por ex-diretores da Dersa na forma de propina. Além de Paulo Vieira e Mário Rodrigues, a ação aponta a participação de outros dois agentes públicos e 18 construtoras no esquema de corrupção e cartel.

 

As investigações mostraram que o ajuste prévio entre as empresas e o poder público, visando a eliminar a concorrência nas licitações do Rodoanel Sul, teve início em 2004, com a cessão de material sigiloso da Dersa à Andrade Gutierrez. Entre junho de 2004 e maio de 2005, as cinco grandes empreiteiras do país (Andrade Gutierrez, Camargo Correa, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão) se reuniram frequentemente para tratar do projeto, que seria dividido em cinco lotes. Ao “G5” somaram-se outras cinco construtoras: CR Almeida, Constran, Galvão Engenharia, Mendes Júnior e Serveng. Entre junho de 2005 e abril de 2006, o cartel evoluiu com tal tranquilidade, que foi montado um escritório coletivo onde representantes das 10 empresas estudavam conjuntamente o projeto do Rodoanel.

 

As últimas oito empresas a integrarem o esquema foram habilitadas a partir de novembro de 2005, após a publicação do edital de pré-qualificação do trecho sul do empreendimento. Para manter o conluio já existente, os integrantes do cartel decidiram oferecer benefícios diversos às novas habilitadas, para que elas não ameaçassem o rateio dos cinco lotes entre as dez empresas anteriormente ajustadas. Assim, as construtoras Cetenco/Sobrenco, SA Paulista, EIT e Construbase/Carioca deveriam desistir das licitações ou oferecer apenas propostas de cobertura, de forma a dar falsa aparência de legitimidade às disputas. Em troca, receberam vantagens como subcontratos em lotes do próprio Rodoanel ou obras no Sistema Viário Metropolitano.

 

De responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, as obras do Sistema Viário incluíam as avenidas Roberto Marinho, Chucri Zaidan, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Marginal Tietê e Jacu Pêssego e o Córrego Ponte Baixa. Contudo, a contratação da Dersa para o gerenciamento das licitações permitiu que o conluio iniciado no Rodoanel fosse levado para estes outros empreendimentos viários.

 

Agentes públicos – As empreiteiras integrantes do cartel acordavam entre si a escolha dos lotes nas obras que ganhariam, bem como combinavam as propostas de cobertura. Já as empresas que não faziam parte do ajuste eram inabilitadas por meio da atuação de agentes públicos. Além de Paulo Vieira de Souza, atuou no esquema o ex-secretário de Aviação Civil do Ministério dos Transportes Dario Rais Lopes, que entre 2003 e 2007 foi presidente da Dersa e secretário estadual de Transportes. Lopes teve grande relevância para o sucesso do cartel, desde a cessão de informações internas da estatal à participação em reuniões onde os conluios eram tratados.

 

A ação cita ainda o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Mario Rodrigues Júnior, que foi diretor de engenharia na Dersa entre 2003 e 2007. Ele participou de reuniões com os membros do cartel e recebeu pelo menos R$ 2 milhões em propina em troca de sua atuação no direcionamento das licitações. O terceiro agente público envolvido no cartel é Marcelo Cardinale Branco, que ocupou a presidência da Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo (Emurb) e foi secretário municipal de Infraestrutura e Obras entre 2006 e 2010. Branco ajudou a fraudar o caráter competitivo de cinco licitações do Sistema Viário Metropolitano, assegurando a inabilitação dos concorrentes de fora do esquema desde ao menos 2009.

 

Já Paulo Vieira de Souza foi peça chave no estabelecimento do cartel a partir de 2007, quando se tornou diretor de engenharia da Dersa e passou a ser o responsável internamente pela fiscalização da execução do Rodoanel Sul. Ele realizou sistematicamente reuniões com os integrantes das construtoras, coordenando a distribuição prévia dos trechos a serem construídos e as fraudes às licitações, além de receber R$ 19 milhões em propinas.

 

Segundo as provas coletadas, o ex-diretor da Dersa solicitou e recebeu quantias indevidas no percentual de 0,75% a 5% dos valores relativos a cada medição das obras, inclusive requisitando às empresas envolvidas o pagamento antecipado. As propinas eram condição para que as construtoras fossem contempladas na divisão dos projetos, bem como para garantir a celebração de termos aditivos que aumentassem o valor dos contratos.

 

Prejuízo – Os danos aos cofres públicos causados pelo esquema puderam ser facilmente percebidos após a descoberta de duas tabelas elaboradas pela Odebrecht. Na planilha do “amor”, a empreiteira indicava os valores de cada lote do Rodoanel Sul no caso de o ajuste prévio entre as empresas funcionar. Já no outro quadro, da “briga”, eram elencados preços mais competitivos, que seriam cobrados na hipótese de haver concorrência real entre as construtoras. A comparação dos valores mostra que, devido ao funcionamento do cartel, as obras ficaram cerca de 10% mais caras, gerando um prejuízo de R$ 281 milhões ao erário.

 

Aplicando-se a mesma porcentagem aos projetos do Sistema Viário, que também foram alvo do esquema, conclui-se que, nessas obras, o montante cobrado a mais chegou a R$ 290 milhões. Dessa forma, o prejuízo total causado pela falta de disputa legítima entre as empreiteiras somou R$ 571 milhões.

 

“Não há dúvida de que o esquema engendrado garantiu não apenas a ausência de concorrência real entre os licitantes, mas possibilitou, de forma livre e direta, o aumento nos preços cobrados pelas etapas dos procedimentos licitatórios, acarretando enriquecimento ilícito aos 'pseudoconcorrentes' e lesão ao patrimônio público pelos serviços supervalorizados”, ressaltaram os procuradores da Força Tarefa na ação de improbidade.

 

Pedidos – Os quatro agentes públicos e as 18 construtoras envolvidas no cartel deverão responder pelos atos de improbidade administrativa que geraram dano ao erário e ofensa aos princípios da administração pública, tais quais a honestidade, a imparcialidade e a legalidade. Em relação a Mario Rodrigues Júnior e Paulo Vieira de Souza, o MPF requer que eles também sejam condenados pelas práticas que levaram ao enriquecimento ilícito, em virtude do recebimento de propinas. O mesmo vale para as empresas Camargo Corrêa, OAS, Constran, e Andrade Gutierrez, que foram responsáveis pelo pagamento das vantagens indevidas.

 

As sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) incluem o ressarcimento dos prejuízos causados, a perda dos valores recebidos indevidamente, a suspensão dos direitos políticos e a perda de eventuais funções públicas ainda desempenhadas, além do pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do acréscimo patrimonial. A empresa Carioca Engenharia não consta do polo passivo da ação em razão dos termos do acordo de leniência firmado por ela com o MPF. Quanto à empresa Odebrecht, o pedido foi apenas declaratório, em razão da existência de acordo de leniência cujos efeitos abarcam os fatos que são objeto da ação.

 

Ação penal – Na esfera criminal, Paulo Vieira de Souza foi condenado a 27 anos de prisão por seu envolvimento na formação do cartel nas obras do Rodoanel Sul e do Sistema Viário Metropolitano. A sentença da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo foi expedida em fevereiro deste ano. Em março, ele foi denunciado pelo MPF pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter exigido propina de construtoras em diversos empreendimentos viários gerenciados pela Dersa no Estado. Dos R$ 126 milhões que o acusado mantém no exterior, pelo menos R$ 27 milhões seriam oriundos desses crimes. Paulo Vieira teve nova prisão preventiva decretada em março e se encontra atualmente no Centro Médico-Penal de Curitiba (PR).

 

Posted On Segunda, 19 Agosto 2019 05:05 Escrito por

Parece pouco-caso, mas não é. Há anos, a primeira-dama se afastou das familiares com passagem pela polícia

 

Por Hugo Marques e Nonato Viega - revista VEJA

 

Em abril passado, VEJA publicou uma reportagem que começava assim: “Maria Aparecida Firmo Ferreira tem 79 anos, é cardíaca, sofre de Parkinson, locomove-se com dificuldade e mora num casebre que fica na parte mais miserável de Brasília — a favela Sol Nascente, conhecida pela violência, dominada pelo tráfico de drogas e conflagrada por facções que usam métodos similares aos das milícias cariocas. Sem se preocupar com tudo isso, dona Aparecida, como é conhecida, enfrenta uma odisseia diária. Aposentada, ela divide seu tempo entre cuidar de um filho deficiente auditivo, ir ao posto de saúde buscar remédios e bater papo com os vizinhos. (…) Ninguém, ou quase ninguém da vizinhança, sabe que ela é avó da primeira-dama Michelle Bolsonaro. A neta agora famosa, o presidente da República e a pobreza são assuntos que parecem despertar sentimentos conflitantes em dona Aparecida. Faz mais de seis anos que ela não vê a neta que ajudou a criar. A avó não foi convidada para a posse, nem ela nem sua filha, mãe de Michelle, Maria das Graças. Passados três meses de governo, ela não recebeu convite para uma visita ao Palácio da Alvorada, a residência oficial, que fica a apenas 40 quilômetros da favela. Por quê? Ela diz que não sabe responder”. Na última semana, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma nova reportagem mostrando que Maria Aparecida, a avó, estava internada fazia dois dias no corredor de um hospital público de Brasília, aguardando vaga para realizar uma cirurgia ortopédica. Sem nenhuma assistência da neta, ela sofria sozinha a dor pela fratura da bacia.

 

Pois o que parecia um desprezo profundo da primeira-dama com a família de origem humilde esconde, na verdade, problemas bem mais complexos. Dona Aparecida, a avó, nem sempre foi a pessoa de saúde frágil e indefesa que hoje cobra um pouco de atenção da neta. Antes de se aposentar, ela tentou ganhar a vida traficando drogas. VEJA localizou nos arquivos da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais do Distrito Federal o processo que detalha o dia em que Maria Aparecida Firmo Ferreira, então com 55 anos, foi presa em flagrante. Em 1997, a avó da primeira-­dama era conhecida nas ruas como “Tia” e, segundo a polícia, sua principal atividade era vender drogas no centro de Brasília. Em julho daquele ano, ela foi surpreendida com 169 “cabecinhas de merla”, um subproduto da cocaína. No auto de prisão, ao qual VEJA teve acesso, os policiais contaram ter recebido uma denúncia anônima de tráfico numa região que fica a apenas 3 quilômetros do Palácio do Planalto. Ao chegarem ao local indicado, eles encontraram Aparecida. Dentro de uma sacola que ela carregava, além da “merla”, estavam dois relógios e dezesseis vales-transporte. Na delegacia, ela confessou o crime.

 

TRÁFICO – Maria Aparecida Firmo Ferreira, avó da primeira-dama: em julho de 1997, ela foi presa em flagrante vendendo drogas no centro de Brasília. Condenada a três anos de prisão, cumpriu pena em um presídio feminino (Cristiano Mariz/.)

 

No depoimento que prestou, a avó da primeira-dama contou que cada pacotinho da droga era vendido a 5 reais. Na Justiça, ela mudou a versão. Alegou que a sacola apreendida não era sua e que teria confessado o crime por pressão dos policiais. Havia, porém, testemunhos de clientes. Aparecida acabou condenada a três anos de reclusão, em regime fechado. A defesa ainda recorreu, sem sucesso. Uma das desembargadoras que votaram contra a libertação foi Sandra de Santis, esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello. No processo, ao qual VEJA também teve acesso, a avó da primeira-dama, depois de condenada, escreveu uma carta ao juiz confessando o crime e pedindo clemência: “É certo que transgredi a lei, mas o preço altíssimo que pago por meu delito transformou-se completamente. Sou uma senhora de princípios renovados”, dizia.

 

Na penitenciária feminina do Gama, onde foi cumprir a pena, Maria Aparecida mostrou que os seus princípios não estavam tão renovados assim. Em maio de 1999, quando já estava presa havia um ano e oito meses, tentou subornar um agente, oferecendo-­lhe dinheiro para que a levasse até sua casa. O plano era o seguinte: ela fingiria que estava doente, a direção do presídio autorizaria sua ida a um hospital e, no caminho, a guarda desviaria a rota, permitindo que Maria Aparecida fizesse uma visita à família. Por causa dessa infração, ela ficou na solitária e teve os benefícios de progressão de pena suspensos — e só deixou a penitenciária, em liberdade condicional, em agosto de 1999, depois de cumprir dois anos e dois meses de cadeia. Sua punição foi oficialmente considerada extinta em 2000.

 

 

IDENTIDADE – Maria das Graças Firmo, a mãe de Michelle: a polícia descobriu que ela tinha dois registros civis — um deles, falso (./.)

 

Na reportagem publicada em abril, Maria Aparecida contou ter ajudado a criar Michelle, reclamou da ausência da neta e lamentava não ter sido sequer convidada para a cerimônia de posse do presidente Bolsonaro — nem ela nem a filha, Maria das Graças, a mãe de Michelle. O passado, confidencia um familiar da primeira-dama, também deixou marcas na relação entre mãe e filha. Maria das Graças igualmente esteve na mira da Justiça. Em 1988, quando Michele tinha 6 anos, a polícia descobriu que sua mãe possuía dois registros civis — um verdadeiro e o outro falso. De acordo com o primeiro, o verdadeiro, Maria das Graças Firmo Ferreira nasceu no dia 11 de junho de 1959, tinha 1,60 metro e era filha de Ibraim Firmo Ferreira. No outro, o falso, não havia o nome do pai, o da mãe fora alterado (de Maria Aparecida Mendes para Maria Aparecida Firmo Ferreira), ela ficara nove anos mais nova (o ano de nascimento passou para 1968) e sua altura tinha aumentado em 13 centímetros (1,73 metro). Tratava-se, portanto, de outra pessoa.

 

+ Michelle Bolsonaro e a linguagem de sinais

A então Delegacia de Falsificações e Defraudações de Brasília instaurou inquérito policial para investigar Maria das Graças. Os agentes apuraram que a mãe da primeira-dama havia solicitado a segunda identidade oito anos depois de obter a primeira. Para isso, usou uma certidão de nascimento adulterada expedida no município de Planaltina de Goiás, distante 440 quilômetros do local onde ela realmente nasceu e foi registrada (Presidente Olegário, em Minas Gerais). A fraude foi constatada quando a polícia comparou as impressões digitais dos dois prontuários de identificação arquivados na Secretaria de Segurança e descobriu tratar-se da mesma pessoa. Intimada a depor, Maria das Graças contou que perdera a carteira de identidade e a certidão de nascimento. Ao fazer um novo registro civil, decidiu excluir o nome do pai, porque ele “abandonou a família”, e, “aconselhada por duas amigas”, também alterou a data do seu nascimento — mas nada disso tinha nenhuma “intenção criminosa”, segundo ela.

 


AMEAÇAS – Favela Sol Nascente: acusado de pertencer à milícia local, tio da primeira-dama continua preso preventivamente (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

 

Maria das Graças usou a certidão de nascimento adulterada para emitir um novo CPF. Não há no inquérito informações sobre eventuais negócios ilícitos realizados por ela com os documentos falsos. Em 1989, o Ministério Público remeteu o inquérito para a Justiça. Maria das Graças foi indiciada por falsidade ideológica, que prevê pena de até cinco anos de prisão em regime fechado, porém, em 1994, depois de ficar mais de cinco anos parado na Vara Criminal, o processo foi arquivado. O juiz responsável pelo caso justificou a decisão argumentando que o crime estava prescrito. Procurada por VEJA, a mãe de Michelle apresentou uma nova versão para a história: “Isso aí foi um negócio que meu pai tinha arrumado para mim. Não quero mexer com isso, não quero falar sobre isso”. Ibraim Firmo, o pai, foi assassinado em 2015.

 

VEJA apurou com familiares da primeira-dama que o distanciamento entre ela, a mãe e a avó se deu justamente por causa desses problemas do passado. Um parente que pediu anonimato contou que, pouco depois de Jair Bolsonaro decidir concorrer à Presidência, Michelle procurou a mãe para que ela resolvesse pendências que ainda existiam sobre sua documentação. Ofereceu ajuda, mas Maria das Graças recusou, e as duas se afastaram. A mãe nega qualquer entrevero com a filha. “Eu não vou lá (no Palácio da Alvorada) porque não gosto de palácios e, para a Michelle vir aqui, é muita gente para vir junto e fica tudo muito difícil”, diz. “Estamos ótimas, é tudo mentira, fofoca.”

 

Rolos com a Justiça têm sido uma tradição familiar. João Batista Firmo Ferreira, sargento aposentado da Polícia Militar de Brasília, foi um dos poucos familiares de Michelle convidados para a cerimônia de posse do presidente Bolsonaro. É — ou era — o tio preferido da primeira-dama. Em maio passado, no entanto, ele foi preso, sob a acusação de fazer parte de uma milícia que age na Sol Nascente, onde mora com a mãe, Maria Aparecida, a avó de Michelle. De acordo com o Ministério Público, João Batista e mais sete PMs participariam de um esquema ilegal de venda de lotes na favela. Um delator contou que os policiais atuavam como o braço armado da quadrilha, dando suporte ao negócio irregular através de ameaças e até eliminação de desafetos. O sargento está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília.

 

O processo que apura a ligação do ex-policial com a milícia da Sol Nascente tramita em segredo de Justiça. Os advogados do PM dizem que o envolvimento dele no caso é um grande mal-entendido. João Batista, de acordo com essa versão, teve a prisão decretada após uma improvável coincidência. Ele construiu uma casa e tentava vendê-la. Um policial amigo indicou um comprador. Esse amigo, porém, estava sendo monitorado pelo Ministério Público. As conversas entre os dois foram gravadas e, para os investigadores, elas comprovariam que João Batista e o colega estavam vendendo lotes irregulares e dividindo as comissões. Logo depois de fechado esse último negócio, inclusive, foi realizada uma transferência de dinheiro da conta de João Batista para a do policial. De acordo com os advogados, o depósito seria uma comissão pela corretagem. Essa versão, no entanto, não convenceu a Justiça.

 

No mês passado, a defesa de João Batista ingressou com um pedido de relaxamento da prisão preventiva, alegando que o sargento tem bons antecedentes e residência fixa. O juiz do caso, no entanto, ressaltou que a gravidade das condutas dos policiais apuradas pelos investigadores, entre elas participar de organização criminosa, justificava a manutenção da prisão — e negou o pedido. Pessoas próximas ao sargento contaram a VEJA que o fato de ser parente de Mi­chelle Bolsonaro não ajudou em nada a situação dele, muito pelo contrário. Na cadeia, detido há quase noventa dias numa área da penitenciária reservada a policiais, João Batista não recebeu a visita nem tipo algum de ajuda ou solidariedade de ninguém da família.

 

Procurada, a primeira-dama não quis se pronunciar sobre os familiares. No governo, Michelle vem desempenhando um bom papel, ocupando o cargo de presidente do conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, órgão responsável por projetos na área social. Depois da publicação da reportagem da Folha sobre a avó, dona Maria Aparecida foi transferida para outro hospital e operada. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou que não houve interferência alguma do Palácio do Planalto na mudança. Questionado sobre o caso e fiel ao seu estilo, o presidente Bolsonaro classificou o episódio todo como uma baixaria. De fato, é. Agora, entende-se a distância que a primeira-dama, tão ciosa de sua imagem e preocupada com causas sociais, impôs aos enrolados membros de sua família.

 

Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648

Posted On Sexta, 16 Agosto 2019 08:03 Escrito por

Procurador responde a 12 reclamações junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, incluindo queixas de parlamentares, como Kátia Abreu e Renan Calheiros

 

Por iG

 

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Francisco Rezek será o advogado de Deltan Dallagnol na defesa contra as reclamações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O procurador trocou de advogados e recebeu o trabalho de Rezek como recomendação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

 

Francisco Rezek foi ministro do Supremo por duas ocasiões: de 1983 a 1990 e de 1992 a 1997. Após deixar a Corte, passou a atuar apenas com advocacia. O principal trabalho com Deltan Dallagnol será livrar o procurador das 12 reclamações que ele possui no CNMP, entre elas estão queixas de parlamentares, como os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PDT-TO).

 

O chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná ainda responde por queixas da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que impetrou a reclamação após a divulgações de mensagens trocadas entre o procurador e o então juiz Sergio Moro, no episódio conhecido como Vaza Jato.

 

Na terça-feira (13), o CNMP decidiu acatar o pedido para dar continuidade a investigação que pede punição a Dallagnol por ter criticado o STF em uma entrevista à Rádio CBN. A reclamação foi feita pelo atual presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

 

 

Posted On Quinta, 15 Agosto 2019 16:46 Escrito por

A questão é como ficam os bens dos delatores, tão criminosos quanto os dalatados

 

Por Edson Rodrigues

 

Uma nova delação do ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Antonio Palocci, implica, entre outros nomes, a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, o ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel e o ex-senador Lindbergh Farias.

 

O documento foi homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e o conteúdo da delação de Palocci foi divulgado pela revista Veja . Segundo o ex-ministro, em 2010, a Odebrecht repassou R$ 2 milhões para Gleisi por meio de caixa dois. Já a OAS teria repassado mais R$ 800 mil.

 

Ainda de acordo com a delação, foram repassados R$ 3,2 milhões para a campanha de  Lindbergh Farias. Já para a campanha do ex-governados de Minas Gerais Fernando Pimentel , a Camargo Correa teria fornecido R$ 2 milhões. Tião Viana, ex-governador do Acre, teria recebido R$ 1,5 milhão.

 

Foram ao todo 12 políticos e 16 empresas delatadas por Palocci . Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também teriam sido citados. O governo do Líbano teria doado R$ 3,5 milhões para a campanha de Lula em 2002, também por caixa dois. Já a Camargo Correa teria repassado R$ 50 milhões para a campanha de Dilma em 2010, com a intenção de obter apoio do governo federal para anular uma operação contra a empresa no Superior Tribunal de Justiça.

 

E O DELATOR?

 

Já há uma ala da Justiça que chama a delação premiada  de “distorção premiada”, já que, na maioria dos casos, os delatores conseguem manter bens sabidamente adquiridos com dinheiro sujo.

 

A tumultuada delação de Joesley Batista, um dos donos da JBS, que quase levou o ex-presidente Michel Temer a perder o mandato e acabou rescindida quando se constatou manipulação por parte dos delatores, centrou foco na discussão sobre os limites do Ministério Público para fechar acordos de colaboração premiada. No caso da JBS, a reação negativa aos termos do acordo – total imunidade, multa considerada baixa em relação à severidade do cometido e impossibilidade de as empresas do grupo serem processadas nessas investigações – foi reverberada pela imprensa e levantou dúvidas sobre se os irmãos, que corromperam meia República em troca de benefícios financeiros, teriam recebido vantagens excessivas.

 

No entanto, os acordos fechados com outros colaboradores também têm sido alvo de críticas de juristas e estudiosos das delações premiadas, e representam um risco a um dos principais instrumentos dos procuradores da Lava Jato.

 

A zona obscura na legislação provoca situações espantosas, como os acordos fechados com a promotoria em que os bens dos delatores são destinados às suas famílias. O doleiro Alberto Youssef, por exemplo, também envolvido na Lava Jato, fez praticamente um testamento com os bens obtidos por meio do crime. Na cláusula 7 do acordo, o Ministério Público autorizou que ele deixasse um apartamento para as filhas e um para sua ex-mulher. Também ficaram à disposição das filhas um Volvo XC60 e um VW Tiguan. Bottino considera esta cláusula totalmente questionável. “Como é possível o delator poder usufruir de um bem que é produto de um crime?”

 

Na mesma zona de indefinição estão os benefícios que podem ser concedidos a quem decidir colaborar. O ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, acertou com o Ministério Público que cumpriria nove meses em regime semiaberto, com prestação de serviço à comunidade. A multa a ser paga foi estipulada em 75 milhões de reais. Já Pedro Barusco terá que cumprir a pena integralmente em regime domiciliar, enquanto Alberto Youssef teve direito ao regime de cumprimento de pena diferenciado, que começou com regime fechado e progrediu para o aberto sem cumprir os requisitos intermediários desse tipo de pena.

 

Alguns outros benefícios concedidos aos delatores também entram na mira da imprensa. Um deles foi a permissão para que Alberto Youssef tivesse atendimento de seu médico particular dentro da prisão. Como todos os outros presos têm que ser atendidos por médicos do serviço público, não existe uma explicação plausível para a vantagem concedida ao doleiro.

 

Afinal, é muito bom ser delator!!!

 

Posted On Quinta, 15 Agosto 2019 13:27 Escrito por
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