Manifestação do MPF aponta outras inverdades propagadas, além das já indicadas na ação da DPU

 

 

Da Assessoria do MPF

 

 

O Ministério Público Federal (MPF) entrou, nesta terça-feira (4), com pedido na Justiça Federal para reforçar e complementar os pedidos da Defensoria Pública da União (DPU) em ação pela condenação do estado do Pará por divulgar informações inverídicas. Para o MPF, o estado propaga desinformação por meio de vídeo publicado pelo governador do estado, Helder Barbalho, acerca de ocupação dos indígenas mobilizados pela manutenção da educação presencial.

 

Além das duas fake news já citadas pela ação da DPU – de que jamais teria havido a possibilidade de ensino virtual indígena e de que, nas tratativas de negociação, o governo do Pará teria atendido 100% das demandas das comunidades indígenas –, o MPF aponta à Justiça estas outras desinformações divulgadas pelo governo do Pará:

 

a de que os manifestantes que ocupam a sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) representam apenas uma etnorregião do estado do Pará;

 

a de que o movimento de ocupação causou danos ao prédio público da Seduc;

 

e a desinformação de que os funcionários da Seduc estão impedidos de trabalhar por causa da ocupação.

 

Etnias diversas – Segundo o MPF, a alegação de que a ocupação da Seduc representa apenas uma etnorregião é uma tentativa de desqualificar a legitimidade das representações indígenas presentes. A manifestação, que teve início em 14 de janeiro, conta com a participação de lideranças de diversas etnias e regiões do estado, incluindo Arapyun, Jaraki, Tupinambá, Munduruku, Munduruku Cara-Preta, Borari, Tupayú, Maytapú, Sateré-Maué, Tapuia, Kumaruara, Wai-Wai, Katwena, Xerew, Hiskaryana, Mawayana, Paritwoto, Tikyana, Kaxuyana, Tiriyó, Xikrim, Tembé e Warao.

 

 

O MPF destaca que os povos indígenas que ocupam a Seduc manifestaram repúdio à proposta do governo estadual de criação de um grupo de trabalho para discutir a nova lei, por meio de uma carta aberta. Lideranças da etnia Tembé, localizada no nordeste do estado, também emitiram um manifesto de repúdio à criação unilateral do grupo de trabalho, alegando falta de legitimidade representativa em sua composição.

 

A pauta da ocupação é clara: a revogação da Lei Estadual nº 10.820, de 19 de dezembro de 2024, promulgada sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais do Pará, e a exoneração do atual secretário de educação do Estado, Rossieli Soares da Silva. O MPF ressalta que a ocupação da Seduc é um ato legítimo de protesto contra medidas que afetam diretamente os povos indígenas.

 

“Ao Estado não é autorizada a intromissão na estrutura de organização social e política dos povos indígenas - especialmente sob o pretexto de pôr fim à mobilização por ampla e legítima reivindicação de direitos à educação de qualidade, presencial e diferenciada etnicamente. Essa incursão viola o princípio da autodeterminação dos povos, de base constitucional expressa”, alertam procuradoras e procuradores da República de todo o Pará.

 

Nenhum dano – O MPF afirma que a ocupação é pacífica, organizada e sem qualquer depredação patrimonial, atos de violência ou excesso no direito de manifestação. As lideranças indígenas, com representações pluriétnicas de diversos povos de diferentes regiões do Pará, estão nas dependências da Seduc expressando sua legítima reivindicação por direitos, realizando reuniões entre si e com instituições, assim como manifestações ritualísticas, com indumentárias tradicionais ancestrais e uso de instrumentos de canto.

 

A inspeção judicial realizada na última sexta-feira (31), na sede da Seduc, acompanhada pelo MPF, DPU, Procuradoria-Geral do Estado e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), demonstrou que a ocupação, após 18 dias, não causou qualquer dano ao patrimônio público, cujos problemas estruturais, como rachaduras e vazamentos, são decorrentes do próprio descaso com o prédio. O MPF argumenta que a alegação de danos ao patrimônio serve ao interesse de estigmatizar os ocupantes como pessoas violentas e inflexíveis ao diálogo, devendo haver retratação.

 

Sem obstáculos – O MPF contesta a alegação de que a ocupação impede totalmente o funcionamento da Seduc, afirmando que a secretaria pode continuar operando concomitantemente com a presença da manifestação pacífica. A alegação de obstrução total visa unicamente criar um falso cenário de caos para mais uma vez estigmatizar a manifestação indígena.

 

Segundo o MPF, a fala do governador de que a ocupação do órgão impede totalmente a prestação de serviço na segunda maior secretaria de Estado não é verdadeira. A ocupação não impede o funcionamento da secretaria e a prestação do relevante serviço público educacional, devendo haver retratação também nesse ponto, defende o MPF.

 

“O cenário posto, portanto, corrobora o contexto fático diametralmente oposto àquele ofertado pelo pronunciamento do governador Helder Barbalho, tornando falsas suas alegações, notadamente considerando os valores constitucionais da liberdade de reunião, manifestação e controle social de políticas públicas, por comunidades tradicionais diretamente afetadas por elas”, conclui o MPF.

 

Pedidos à Justiça – O MPF pede à Justiça que sejam consideradas todas as cinco fake news e que o MPF seja incluído no processo como coautor da demanda judicial.

 

Por fim, o MPF reforça os pedidos da DPU, para que:

 

o estado do Pará e a empresa Meta Platforms, responsável pelo Facebook e Instagram, sejam obrigados a excluir o vídeo;

 

Barbalho seja obrigado a se retratar nas redes sociais;

 

as comunidades indígenas possam apresentar direito de resposta nas redes sociais do governador;

 

o estado do Pará seja obrigado a excluir outros conteúdos falsos;

 

a Funai seja obrigada a proteger a honra e a integridade das comunidades indígenas vítimas de notícias falsas em relação ao movimento de ocupação da Seduc;

 

o estado do Pará seja obrigado a pagar R$ 10 milhões por dano moral coletivo, valor a ser revertido para as comunidades indígenas que estão ocupando a Seduc.

 

 

Posted On Quarta, 05 Fevereiro 2025 08:13 Escrito por

Desembargador Pedro Nelson Coutinho tomou posse na CGJUS para o biênio 2025/2027

 

 

Da Assessoria

 

 

Ao tomar posse como corregedor-geral da Justiça do Estado do Tocantins para o biênio 2025/2027, o desembargador Pedro Nelson Coutinho elencou a transformação e resolutividade como pilares da gestão. A proposta de trabalhar de forma conjunta e colaborativa com a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO) e a Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat) foi destacada pelo magistrado em seu pronunciamento na tarde desta segunda-feira, dia 3, durante a abertura do Ano Judiciário de 2025 e posse da mesa diretora do TJTO.

 

O corregedor ressaltou que atuará com um olhar para "equalização de forças de trabalho" do primeiro grau. “Precisamos olhar para o primeiro grau de jurisdição com a dignidade e o respeito que ele merece com o intuito de promover a equalização da força de trabalho, assim como encontrar o melhor caminho para comarcas, varas, secretarias, CPEs, etc”,

 

O desembargador também fez questão de comentar que a união e apoio do colegiado serão essenciais para que “seja refletida no nosso trabalho em busca da paz social, da confiança da população e, sobretudo, para fortalecer a confiança que temos naqueles que entregaram suas vidas para se dedicar à magistratura como um sacerdócio.

 

 

Trabalho belíssimo

 

Jacqueline Adorno, Pedro Nelson Coutinho e o também desembargador Desembargador Marco Villas Boas

 

O então empossado Corregedor-Geral destacou o “trabalho belíssimo” que a desembargadora Maysa Vendramini realizou na CGJUS entre 2023/2025 e relembrou também que há dois anos o TJTO elegeu uma administração composta essencialmente de mulheres que atuaram “com seriedade, brilhantismo, decência e, sobretudo, muita competência”. “Foi um enorme prazer tê-las no comando do nosso Poder Judiciário. Desembargadoras Etelvina Maria Sampaio Felipe, Ângela Prudente, Maysa Vendramini e Jacqueline Adorno, vossas excelências são um exemplo e um orgulho para o Poder Judiciário do Tocantins”, afirmou.

 

Os pilares da gestão

 

Ao discorrer sobre os pilares “transformação e resolutividade”, tocou mais uma vez no propósito da união de esforços. “Juntos buscaremos construir um ambiente colaborativo e inovador, onde cada desafio será uma oportunidade para crescermos e alcançarmos resultados significativos”.

 

Sobre a transformação, a meta é promover “as mudanças necessárias, por meio do diálogo contínuo, reduzindo burocracias não necessárias, progresso de quadros tecnológico e eficiência”. “Para projetar a transformação necessária em busca da tão sonhada justiça social, é primordial enxergar a desesperança e é preciso determinação e coragem para fazer a coisa certa, e humildade para refluir quando necessário e reformular os caminhos.”

 

Já a resolutividade foi definida com objetivo de estar em convergência com o princípio da transformação. A meta do corregedor-geral é que "cada problema identificado não fique sem resposta, sempre atentos às inovações de cada tempo e mudanças sociais, que nem sempre acompanham as mudanças legislativas”. “O reflexo desta atuação deverá sempre se pautar naquilo que vivemos na atualidade e para que possamos garantir para todos os magistrados a autonomia, independência e liberdade cujo reflexo é garantido para o bem-estar social”, ressaltou.

 

Defesa do Judiciário

 

 

O desembargador fez uma defesa do sistema de Justiça. “É necessário que unamos forças pela garantia da liberdade na construção de uma sociedade justa, livre e fraterna e para que possamos mostrar a importância do poder que exercemos e que pacifica, trazendo a paz social e garante o estado democrático de direito. Estes poderes enfraquecidos sempre terão um lado do processo enfraquecido e não é isto que queremos para o nosso país”, argumentou. “Precisamos de juízes sérios, competentes, independentes e com suas prerrogativas garantidas para que julguem de maneira correta e garantindo a tranquilidade a quem procura o Poder Judiciário. Tudo isto só será possível se houver uma simbiose perfeita entre Presidência e Corregedoria através de muito diálogo, trabalho e foco comum e pensando na instituição acima de tudo”, concluiu.

 

Disse ainda o orgulho que tem do tribunal, dos seus membros e do trabalho que é desenvolvido por todos. “Assim como tenho orgulho dos juízes e servidores que fazem um brilhante trabalho nas comarcas e comissões. Vocês todos enchem de esperança o meu coração pelo trabalho sério, devotado e competente que fazem. Minha reverência.”

 

Ao finalizar, agradeceu ao desembargador Adolfo Amaro Mendes, seu vice-corregedor, e aos magistrados que o auxiliarão em seu plano de gestão, os juízes auxiliares Marcelo Laurito Paro e Manuel Faria Reis Neto, que farão parte da equipe. Ao final do pronunciamento, homenageou pessoas que julga importantes na sua vida e da família.

 

 

Posted On Terça, 04 Fevereiro 2025 02:28 Escrito por

Com Assessoria

 

 

O Promotor de Justiça Saulo Vinhal da Costa foi eleito pelo Colégio de Procuradores de Justiça para coordenar o Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente (Caoma) durante mandato complementar, que terminará em 26 de abril de 2026.

 

Presente à sessão extraordinária desta segunda-feira, 3, em que foi realizada a eleição, ele se apresentou como candidato, comprometendo-se a trabalhar com foco no reflorestamento de áreas rurais com identificação de “passivos ambientais”, especialmente quanto a casos de desmatamentos e queimadas ilegais.

 

Saulo Vinhal também pontuou sobre a necessidade de envolver o Ministério Público e a sociedade no projeto de sequestro de carbono Redd+, apresentado pelo governo estadual.

 

Também concorreu ao cargo o Promotor de Justiça Vilmar Ferreira de Oliveira. Um terceiro inscrito para a eleição, o Promotor de Justiça Rui Gomes Pereira da Silva Neto, retirou a candidatura.

 

A eleição para mandato complementar se deu em razão da posse do ex-coordenador Francisco Brandes Júnior na presidência da Associação Tocantinense do Ministério Público (ATMP).

 

O Caoma

O Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente (Caoma) é órgão do MPTO com atribuição de prestar assessoramento técnico aos Promotores de Justiça. Para isso, conta com um corpo de especialistas composto por biólogo, engenheiro ambiental, engenheiro florestal, engenheiro agrônomo, geógrafo e outros.

 

Perfil do eleito

Saulo Vinhal da Costa nasceu em Patos de Minas (MG). Ingressou no Ministério Público do Tocantins (MPTO) em 01/10/2018. Ao longo da carreira, atuou nas Promotorias de Justiça de Wanderlândia e Xambioá. Atualmente, é titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tocantinópolis. Também coordena o Grupo de Trabalho para o Apoio ao Exercício da Função Eleitoral (GT-Eleitoral).

 

 

Posted On Terça, 04 Fevereiro 2025 02:25 Escrito por

Cortes realizam sessões solenes de abertura do ano, sem julgamentos na pauta

 

 

Por João Rosada

 

 

Os tribunais superiores retomam os trabalhos nesta segunda-feira (3) após o recesso forense do Poder Judiciário. A tradicional sessão de abertura do ano judiciário será realizada em cada tribunal, sem julgamentos, apenas com discursos dos ministros para marcar o início das atividades.

 

No Supremo Tribunal Federal (STF), a sessão está marcada para as 14h e deve contar com um discurso do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. Apesar do retorno na segunda-feira, os julgamentos serão retomados apenas a partir de quarta-feira (5).

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também realizará sua sessão às 14h, com a participação da Corte Especial, colegiado que reúne os 15 ministros mais antigos do tribunal.

 

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a sessão ocorrerá às 19h, com a presença dos sete ministros da Corte. A presidente, ministra Cármen Lúcia, fará o discurso de abertura.

 

Já o Tribunal Superior do Trabalho (TST) realizará sua sessão também às 14h. O presidente da Corte, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, fará um pronunciamento em que apresentará um balanço das atividades do último ano e projeções para 2025.

 

STF em fevereiro

 

Os julgamentos no STF serão retomados a partir desta quarta-feira (5). O primeiro item da pauta trata da validade da revista íntima em presídios brasileiros.

 

O tema estava sendo discutido no plenário virtual e já havia maioria de votos para considerar a prática inconstitucional. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento ao apresentar um pedido de destaque, levando o caso para o plenário físico.

 

Para o mesmo dia, está pautada a ação que discute a violência e a letalidade policial nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro. Ainda não há votos nesse julgamento.

 

O processo ficou conhecido como “ADPF das Favelas”. O termo refere-se ao tipo de ação — uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — utilizada para questionar violações a direitos fundamentais garantidos na Constituição.

 

A ação foi movida em 2019 pelo PSB, por entidades de direitos humanos e movimentos sociais.

 

As organizações e o partido pedem que o STF reconheça a existência de graves violações aos direitos cometidas pelas forças de segurança nas favelas cariocas. Também solicitam que sejam determinadas medidas para reduzir esse quadro.

 

Foi nessa ação que, em 2020, o Supremo decidiu restringir operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia.

 

 

 

 

Posted On Segunda, 03 Fevereiro 2025 14:43 Escrito por

Presentes de uso pessoal integram acervo privado

 

 

Fernando Capez

 

 

No já famoso affair “Bolsonaro e seus presentes”, há algumas premissas que ajudam a entender porque tais bens são de sua propriedade e não da União: (1) não existe nenhuma lei ou regulamento dizendo que presentes de uso pessoal doados a presidentes da República pertençam à União; (2) na ausência dessas regras, não cabe ao poder público suprir a lacuna com interpretações genéricas, diante do princípio da estrita legalidade, ao qual se submete a administração pública; (3) segundo o regulamento em vigor, só não pertencem ao presidente da República os presentes trocados em cerimônias oficiais; (4) segundo o TCU, os presentes de caráter personalíssimo pertencem ao presidente da República; (5) o TCU acaba de decidir que o presidente Lula pode manter em sua propriedade um valioso relógio ganho em 2005; (6) o fundamento da decisão do TCU não foi o fato de o relógio ter sido doado a Lula em 2005, mas a ausência de lei e regulamento disciplinando a matéria; (7) o julgamento se aplica também a Dilma e Bolsonaro, pois o fator temporal é irrelevante neste caso, ou seja, não importa se os presentes foram doados há 20 ou há 3 anos, eles são de propriedade do presidente que os recebeu; (8) não cabe ao Poder Judiciário afirmar a existência do crime de peculato, com base no princípio da moralidade administrativa, pois, segundo a legislação em vigor, os presentes não integram o patrimônio da União; (9) se os bens não são da União, não há que se falar em apropriação de bens públicos; (10) de acordo com a CF, artigo 5º, XXXIX, só a lei pode criar crimes, pois não há crime sem lei que o defina (princípio da reserva legal), logo, interpretações judiciais não fabricam delitos.

 

Delito putativo: desnecessária ocultação da venda legal de bem privado

A partir dessas premissas, a conclusão jurídica é a de que os relógios e joias recebidos por Jair Bolsonaro são de sua propriedade, e não da União. Sendo assim, toda a questão relacionada à tentativa de venda desses bens torna-se irrelevante. Os bens integravam o acervo privado de Bolsonaro e, nessa qualidade, poderiam ter sido licitamente vendidos ou mantidos em seu poder.

 

A ação subsequente de alienação não altera o fato em sua origem: o bem era de propriedade privada. Se porventura alguém pensava estar agindo ilegalmente, esse equivocado juízo pessoal diz respeito a ele, não ao ex-presidente. Não basta a intenção de cometer um ilícito penal, é necessário que objetivamente haja uma ação definida pela legislação como crime.

 

O CP pune fatos, não intenções (pensiero non paga gabella; cogitationis poena nemo patitur). Independentemente do que o assessor pensava estar fazendo, não houve crime algum. Trata-se do chamado delito putativo por erro de tipo. O agente imagina estar praticando um crime, mas realiza um fato irrelevante do ponto de vista criminal. É o delito imaginário, previsto em nosso CP no artigo 17 como crime impossível pela impropriedade absoluta do objeto.

 

O sujeito pensa estar praticando crime, quando, na verdade, realiza um irrelevante penal. É o caso do tolo que vende talco, imaginando ser cocaína. Subjetivamente, o fato é censurável, mas objetivamente não há crime por total ausência de perigo ao bem jurídico. Os exemplos se seguem: tentar assassinar um cadáver; praticar ato obsceno, tirando a roupa numa praia de nudismo etc. No caso em tela, para que houvesse peculato, seria necessário tratar-se de coisa alheia, pois ninguém se apropria do que já lhe pertence. O que sujeito achou que fazia não importa para o Direito Penal.

 

Nosso artigo anterior publicado nesta ConJur

Em 11 de julho, aqui em Controvérsias Jurídicas, publicamos um artigo no qual já havíamos tratado da questão, ao afirmar que Bolsonaro não havia cometido crime porque os presentes recebidos integravam seu patrimônio privado.

Spacca

Os argumentos foram os seguintes: (a) não há nenhuma lei que diga o contrário; a Portaria nº 59/2018 definia joias e relógios como bens personalíssimos; o TCU decidiu que presentes dessa natureza não integram o patrimônio da União, mas pertencem ao presidente que os recebeu; o Departamento de Documentação Histórica da Presidência da República, ao ser consultado afirmou que os presentes recebidos por Bolsonaro integravam seu acervo privado; o Decreto federal 4.344/2002, em seu artigo 3º, dispõe que só presentes trocados em cerimônias oficiais, pertencem à União; o mesmo Decreto, em seu artigo 6º, II, estabelece direito de preferência à União para a aquisição dos presentes doados ao presidente (obviamente, se a União tem direito de preferência para adquirir os presentes recebidos pelo presidente, é porque tais bens a ele pertencem, já que a União não iria comprar algo que já é seu.

 

Decisão do TCU em 2016 manteve esse entendimento

Em agosto de 2016, o TCU, embora tenha afastado o critério das cerimônias oficiais, manteve o fundamento do caráter personalíssimo, entendendo que tais presentes pertencem ao Presidente, e não o acervo público da União (Acórdão 2255/2016 — Pleno TCU, relator ministro Walton Alencar Rodrigues). Os presentes doados intuito personae, isto é, motivados por relações pessoais entre líderes de governo, para manifestar simpatia, admiração ou afeto pessoal, pertencem ao homenageado. Lula, Dilma e Bolsonaro estão rigorosamente na mesma situação: relógios, joias ou quaisquer outros bens personalíssimos que porventura tenham recebido, por absoluta ausência de lei a respeito, a eles pertencem.

 

Não houve crime de peculato

Esse crime está previsto no artigo 312, caput, do CP, e consiste em o funcionário público apropriar-se de dinheiro, bem móvel ou valor que não lhe pertencem. O pressuposto lógico é o de que o sujeito se aproprie do que não é seu. Ninguém se apropria daquilo que já lhe pertence. Em nosso sistema constitucional, não há crime sem lei que o defina (CF, artigo 5º, XXXIX), e não existe nenhuma lei que afirme que presentes de cunho pessoal recebidos por presidentes da República, pertençam à União.

Se não pertencem à União, não há que se falar em apropriação de coisa alheia, logo não existe peculato. O fato é atípico, isto é, irrelevante, por ausência do verbo “apropriar-se”. A tentativa de suprir essa lacuna mediante emprego de retórica jurídica configuraria ataque direto ao princípio da reserva legal. Somente a lei define e descreve delitos. O emprego de princípios constitucionais vagos e imprecisos para justificar a fabricação mental de delitos só existe em regimes absolutistas, nos quais, a vontade unipessoal do ditador suplanta a vontade objetiva da lei. Sem a ciência jurídica, o que resta é o arbítrio e a insegurança.

 

Nova decisão do TCU: não há sequer ilícito administrativo

No último dia 7 de agosto, menos de um mês após a publicação de nosso artigo, o pleno do TCU decidiu que não existe sequer infração administrativa, ao declarar o caráter personalíssimo de um relógio de alto valor recebido pelo presidente Lula em 2005.

 

No julgamento do TC 032.365/2023-3, relator Ministro Jorge Oliveira, o TCU reconheceu não haver lei regulando presentes recebidos por presidentes da República. É importante destacar que a decisão do TCU não limitou seus fundamentos ao caso específico do presidente Lula, mas concluiu que qualquer presente de caráter personalíssimo pertence ao presidente da República que o recebeu, diante da absoluta lacuna legislativa acerca do tema.

 

A lei, como corretamente entendeu o TCU, enquanto regra geral, abstrata, e impessoal, não pode ser substituída por uma interpretação subjetiva. A decisão do TCU lembrou ainda que o presidente Lula moveu a ação nº 5001104-15.2017.4.03.61140, que tramitou no TRF da 3ª Região, com a finalidade de defender seu direito de ficar com o bem, dado seu caráter personalíssimo.

 

Os argumentos da ação movida por Lula para ficar com o relógio, são exatamente os mesmos: ausência de regra legal regulando a questão, lacuna que persiste até os dias de hoje. Em seu voto, o eminente ministro relator aborda com incrível precisão exatamente este ponto: “Ocorre que a materialização do princípio da moralidade, em especial com fins potencialmente sancionatórios, só é isenta de dúvidas ou interpretações destoantes diante do estabelecimento de normas positivadas, já que é a clareza da regra que proporciona efetividade ao princípio, por natureza vago e abstrato. O direito sancionatório exige a anterioridade de lei específica. Portanto, expresso minha convicção de que, na ausência de norma geral e abstrata sobre o tema, não há base suficiente para exigir que os presente recebidos pelo Presidente da República devam ser incorporados ao patrimônio público. Enquanto não for editada lei específica, não consigo vislumbrar fundamento jurídico para que o Tribunal de Contas crie obrigações aos Presidentes e ex-Presidentes da República para incorporação ao patrimônio público de itens que possam ser enquadrados como bens personalíssimos”.

 

O TCU lembrou que o Decreto 1.171/1994 e o Decreto 4.081/2002 não se aplicam a presidentes da República, assim como a Lei 8.394/1991 e o Decreto 4.344/2002, que a regulamenta. Nenhuma dessas normas trata de recebimento de presentes por presidentes. Desse modo, “a ausência de norma própria a definir objetivamente o que pode ser considerado item de natureza personalíssima impede que o TCU determine a incorporação desses bens ao patrimônio da União”.

 

Decisão se aplica a todos os presidentes: mesmos fundamentos

Os fundamentos apresentados pelo TCU são claros e não deixam dúvidas de que a decisão se aplica a qualquer outro presidente da República, dado seu caráter erga omnes e seus fundamentos objetivos. Não há regra destinando tais bens ao acervo da União. Essa decisão é de 7 de agosto deste ano, posterior a todas as datas em que os presentes de todos os presidentes foram recebidos.

Se não é nem ilícito administrativo, obviamente não pode ser crime

É até possível, pela independência das instâncias, que haja ilícito administrativo, sem que haja infração penal, mas o contrário é impossível. Eu posso ser multado por estacionar em local proibido (ilícito administrativo), mas isso não significa que cometi um crime (o fato não está previsto como crime).

 

Mas o que não chega a ser nem ilícito administrativo, jamais será infração penal. Por exemplo: se o Fisco diz que não devo imposto, não existe crime contra a ordem tributária; se não estacionei em local proibido, não existe infração administrativa, logo jamais poderá haver infração penal; se a não devolução de um bem não configura nem ato ilícito, é claro que não pode ser crime.

 

Ministério Púbico: fiscal da lei não pode oferecer denúncia sem crime

Essa decisão do TCU, pela força de seus fundamentos, e, principalmente, a ausência de lei ou regulamento afirmando que os presentes pertencem à União, não pode ser ignorada pelo Ministério Público, ao qual incumbe a missão constitucional de fiscalizar a lei e defender o regime democrático (CF, artigo 127), sem subordinar-se a nada além da ordem jurídica e o Estado de Direito.

 

Erro de tipo inevitável: desconhecimento da elementar ‘apropriar-se’

Eis o quadro geral da questão: (a) existe um decreto federal em vigor dizendo que só pertencem à União presentes trocados em cerimônias oficiais; (b) os presentes não foram doados em cerimônia oficial de troca de presentes; (c) esse mesmo decreto federal diz que a União tem apenas direito de preferência para adquiri-los, caso o presidente queira vendê-los; (d) o TCU diz que presentes personalíssimos pertencem ao Presidente e não à União; (e) o Departamento de Documentação Histórica, ao ser consultado pela assessoria de Bolsonaro, afirma que os presentes integravam seu acervo privado; (f) o TCU, em nova decisão, afirma que, diante da ausência de legislação a respeito, os bens pertencem ao Presidente; (g) Bolsonaro recebia informações desencontradas de sua assessoria, dizendo que os presentes poderiam ser vendidos.

 

Ora, diante de tal situação é impossível ao ex-presidente ter tomado conhecimento de que os presentes recebidos poderiam, em tese, ser tratados como bens da União. Tal desconhecimento exclui a vontade de se apropriar, pois ninguém tem intenção de se apropriar do que julga ser seu. Sem esse conhecimento da situação de fato descrita como elemento do crime, fica excluído o dolo, isto é, a intenção de praticar o crime de peculato. Não houve peculato doloso.

 

O erro foi inevitável, excluindo-se também a culpa, já que até hoje não existe regra definindo se tais bens são públicos ou privados. Com isso, não há crime. É o artigo 20 do CP. Entendimento contrário, implicaria em presumir o dolo e ressuscitar a responsabilidade objetiva do direito medieval para fins não jurídicos.

 

Fernando Capez

é advogado, procurador de Justiça aposentado do MP de SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, do Procon-SP e ex-secretário de Defesa do Consumidor.

 

 

 

Posted On Domingo, 02 Fevereiro 2025 05:05 Escrito por
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