O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira (13) que o governo federal adote medidas para impedir que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, usem o dinheiro que recebem para fazer apostas online.
Com Agência Brasil
Beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por meio de pix em agosto, de acordo com relatório do Banco Central. Dos apostadores, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por pix para as bets.
A decisão foi tomada no âmbito de uma ação apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A CNC citou os impactos econômicos, sociais e para a saúde dos apostadores e pediu que o STF declarasse inconstitucional a lei que regulamenta as bets.
O partido Solidariedade e a Procuradoria-Geral da República também apresentaram ações questionando e pedindo a derrubada da lei. Diante da complexidade do tema, o ministro marcou duas audiências públicas, que aconteceram nesta semana, para discutir os efeitos das bets.
Associação de loterias apoia decisão de Fux
Após a decisão do ministro, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) divulgou uma nota em que afirmou que a liminar “vai ao encontro do jogo responsável defendido pelo mercado de apostas”, e que a considera “positiva e necessária”. A associação disse, ainda, que as medidas “já vinham sendo defendidas pelas casas de apostas”.
“Ao contrário das empresas que pretendem continuar à margem da lei a partir de 2025, as bets comprometidas com o jogo íntegro e responsável, entre elas as associadas da ANJL, não compactuam com divulgação de apostas para menores de idade e nem com o uso de recursos que tenham o potencial de prejudicar financeiramente as famílias brasileiras mais vulneráveis”, diz o comunicado.
“Por fim, a associação reitera que é de interesse do mercado e das associadas a regulamentação do setor e a medida do ministro Fux é um importante avanço. A ANJL sempre estará aberta ao diálogo para contribuir para um mercado sólido e responsável.”
Ordem tem efeito imediato
Fux também afirmou na decisão que os debates nas audiências apresentaram evidências “dos relevantes e deletérios impactos” da publicidade de apostas na saúde mental de crianças e adolescentes e das apostas nos orçamentos familiares de pessoas beneficiárias de programas sociais e assistenciais.
“Verifica-se que o atual cenário de evidente proteção insuficiente, com efeitos imediatos deletérios, sobretudo em crianças, adolescentes e nos orçamentos familiares de beneficiários de programas assistenciais, configura manifesto periculum in mora, que deve ser afastado de imediato, sob pena de a inaplicação de normas já editadas, até janeiro de 2025, agravar o já crítico quadro atual”, escreveu Fux.
A ordem do ministro tem efeito imediato, mas terá de ser analisada pelos demais colegas em julgamento que ainda será marcado para ser realizado no plenário do tribunal
Lula tem se reunido com ministros que compõem a junta de execução orçamentária (JEO) para discutir corte de gastos
Com Agências
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), negou, nesta terça-feira (12/11), ter recebido convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para discutir o corte de gastos no orçamento da União.
O petista tem se reunido, desde a semana passada, com os ministros que compõem a junta de execução orçamentária (JEO) para tratar da revisão nas contas públicas com o intuito de manter o equilíbrio fiscal.
Arthur Lira se mostrou descontente com o Palácio do Planalto por não ter sido procurado para dialogar a respeito do corte de gastos, visto que a ideia do Ministério da Fazenda é enviar ao Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei (PL) sobre o tema.
Lira chegou a procurar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir o tema e destacou a necessidade de desvincular subsídios da saúde.
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por outro lado, foi convidado por Lula para ir ao Palácio do Planalto nesta quarta-feira (13/11).
Procuradoria-Geral da República questiona constitucionalidade das leis federais
Com portal R7
A PGR (Procuradoria-Geral da República) entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal), nesta segunda-feira (11), contra as duas leis que autorizaram as apostas virtuais no país, conhecidas como bets.
São alvos da ação as leis 14.790/2023 e 13.756/2018. Além delas, a ação pede a inconstitucionalidade do conjunto de portarias editadas pelo Ministério da Fazenda que regulamentam a modalidade de apostas de quota fixa.
No pedido, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, afirma que as leis são inconstitucionais por ferirem direitos fundamentais, como à saúde e à alimentação. “Entra em linha de choque com princípios da ordem econômica e do mercado interno e com o dever do Estado de proteção da unidade familiar. Além disso, despreza a imposição constitucional de outorga de serviços públicos por concessão ou permissão, mediante licitação. Desvia-se, igualmente, de restrições constitucionais à propaganda de produtos de alto risco para a saúde”, afirma.
Além disso, ele afirma que as leis não conseguem proteger os consumidores. “A legislação é insuficiente para proteger direitos fundamentais dos consumidores, em face do caráter predatório que o mercado de apostas virtuais ostenta."
Gonet ainda faz um pedido cautelar, ou seja, de urgência já que ele argumenta que “não deve ter continuidade a situação de graves e danosas consequências, sobretudo para pessoas em diferentes situações de vulnerabilidade, gerada pela deficiência na proteção de bens e valores constitucionais postos em tensão com o serviço criado pela lei".
Mercado das bets
As apostas esportivas são liberadas no Brasil desde 2018, por uma lei sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB). No fim do ano passado, uma lei que regulamenta o mercado foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesta semana, o STF realiza audiências públicas sobre o tema. Nesta segunda-feira (11), o ministro Luiz Fux disse que a lei das bets precisa de “ajuste imediato”. Fux é o relator de outra ação que questiona a constitucionalidade das leis.
“Os problemas que foram aqui aventados, relativos às comunidades carentes, aos problemas mentais e aos outros graves problemas que foram destacados, leva-nos à ideia de que este julgamento tem que ser urgente”, disse.
Hacker afirmou em depoimento na CPMI que ex-presidente teria usado um suposto grampo ilegal para monitorar Moraes
Com Assessoria do TJ
O TJDFT (Tribunal de Justiça do DF e Territórios) manteve a condenação de Walter Delgatti Neto a 10 meses de prisão por calúnia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. O hacker disse, durante depoimento na CPMI do 8 de Janeiro do Congresso Nacional, que Bolsonaro teria usado um suposto grampo ilegal para monitorar o ministro Alexandre de Moraes.
A defesa de Delgatti apelou da condenação, afirmando que “inexiste materialidade do crime de calúnia”. A desembargadora Leila Arlanch, entretanto, pontua que “o réu não apresentou qualquer prova que confirmasse a veracidade de sua versão, esclarecendo que apagou as mensagens trocadas com a Deputada Carla Zambelli”.
Como agravante, a magistrada afirma que o crime de calúnia foi cometido perante várias pessoas, “uma vez que as declarações se deram em uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, ou seja, perante deputados, senadores, servidores públicos, com transmissão ao vivo, o que as tornou acessíveis a um grande número de pessoas no país e no exterior”.
A Justiça manteve a pena de 10 meses e 20 dias e o regime inicial semiaberto. Atualmente, Delgatti está preso em Araraquara (SP) por outro caso, relacionado a uma investigação sobre tentativa de invasão ao sistema do Poder Judiciário. Ele ganhou notoriedade em 2019 ao admitir a invasão aos celulares de procuradores do MPF e do então juiz Sergio Moro, todos envolvidos na Operação Lava Jato.
No ano passado, Delgatti foi condenado a 20 anos e um mês de prisão em outro processo, relacionado à Operação Spoofing, deflagrada em 2019 para apurar o vazamento de diálogos de procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato.
A defesa de Delgatti afirma que vai recorrer da decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Texto pode voltar à pauta do principal colegiado da Casa nesta semana; especialistas apontam problemas na proposta
Por Guilherme Resck
Um projeto de lei complementar que autoriza os estados e o Distrito Federal a definirem penas mais pesadas para os crimes atualmente previstos na legislação, o que hoje apenas a União pode fazer, quase foi votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados no último dia 30 e pode voltar à pauta do colegiado, o principal da Casa, nesta semana.
A votação não ocorreu porque os deputados Bacelar (PV-BA), Delegada Katarina (PSD-SE), Erika Kokay (PT-DF), Helder Salomão (PT-ES), Laura Carneiro (PSD-RJ) e Patrus Ananias (PT-MG) pediram vista (mais tempo para análise) e foi concedida. O prazo, porém, terminou na terça-feira (5).
O projeto foi apresentado pelo deputado federal Lucas Redecker (PSDB-RS) em 2019. O texto original autoriza os estados e o DF a tipificar condutas como crime ou contravenção, definindo as respectivas penas privativas de liberdade ou restritivas de direitos, nas hipóteses de:
1 - Crimes contra a vida;
2 - Crimes contra a pessoa;
3 - Crimes contra o patrimônio;
4 - Crimes contra a liberdade sexual;
5 - Crimes contra a Administração Pública estadual;
6 - Crimes contra a Administração Pública municipal;
7 - Tráfico ilícito de substâncias entorpecentes;
8 - Comércio, posse, transporte e utilização de arma de fogo e respectiva munição.
Em outras palavras, uma conduta poderia ser considerada crime num estado e em outro não. Ou então condutas poderiam ser crimes em diferentes estados, mas com penas diferentes. O projeto diz ainda que os estados e o DF ficam autorizados a legislar sobre questões processuais penais relativas a esses delitos que elenca.
O relator da proposta na CCJ é o deputado Coronel Assis (União-MT). Em seu parecer sobre o texto, apresentado em 11 de setembro, o parlamentar vota pela aprovação do projeto, mas na forma de um substitutivo (versão com diferenças em relação à original) que ele elaborou.
Coronel Assis apresenta o substitutivo por entender que o texto original promove de forma muito ampla a autorização para os estados e o DF legislarem sobre questões de direito penal e direito processual penal e, por isso, extrapola os limites traçados pela Constituição.
A nova versão diz que os estados e o DF ficam autorizados, nos termos do parágrafo único do artigo 22 da Constituição, a legislar sobre seis questões de direito penal, desde que de forma mais gravosa do que a prevista na legislação federal. São elas:
1 - Definição de penas aos crimes previstos no ordenamento jurídico vigente, respeitando-se o limite de tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade previsto no Código Penal;
2 - Definição dos regimes de cumprimento de pena, de suas espécies, das regras para fixação do regime inicial e para progressão;
3 - Estabelecimento dos requisitos para concessão de livramento condicional, suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo e transação penal;
4 - Definição de espécies e formas de cumprimento das penas restritivas de direitos;
5 - Fixação de critérios para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos;
6 - Previsão de efeitos genéricos e específicos da condenação.
Na prática, a Assembleia Legislativa de um estado ficaria autorizada a aprovar proposta para aumentar no território estadual a pena mínima para o crime de homicídio simples, por exemplo. De acordo com o Código Penal, esse delito é punível com prisão de seis a 20 anos.
O artigo 22 da Constituição citado estabelece que é atribuição privativa da União legislar sobre direito penal e direito processual penal. Porém, o parágrafo único desse artigo, ao qual o substitutivo se refere também, diz que uma lei complementar poderá autorizar os estados a legislar sobre questões específicas dessas matérias. Com essa previsão do parágrafo único, o relator defende que o substitutivo está dentro dos limites trazidos pela Carta Magna.
A reportagem, Coronel Assis afirmou que a nova norma contribuiria para um combate mais efetivo da criminalidade e melhoraria a segurança pública. "O crime é regionalizado. Nós não temos a mesma forma de tratar segurança pública, por exemplo, de um estado do Sul para um estado do Norte, para um estado do Nordeste", argumenta.
O deputado ressalta que, pelo substitutivo, os estados não estariam autorizados a criar um crime — competência que continuaria sendo do Congresso Nacional —, mas poderiam aumentar a pena mínima de um delito existente. Coronel Assis fala ser importante haver "penas fortes" para poder combater crimes como o homicídio.
O autor Lucas Redecker é deputado Federal pelo Rio Grande do Sul (PSDB)l
"Eu acho que é um projeto muito inteligente, porque na verdade quem paga a conta do sistema penitenciário e da permanência dessa pessoa que quebrou esse contrato social e hoje está lá pagando a sua dívida para a sociedade são os estados, em sua grande maioria", pontua. "O governo federal tem cinco presídios federais, com uma população carcerária de certa forma pequena".
Nas palavras do parlamentar ainda, "não é um projeto ideológico, é um projeto extremamente técnico, e que vai dar a possibilidade de se fazer algo mais contra o crime". Eu acho que o brasileiro está chegando num limite e não quer mais viver sob o jugo de facções criminosas".
Coronel Assis salienta que trabalhará pela aprovação da proposta. "Estamos conversando com vários outros parlamentares, e tivemos durante a leitura do relatório, durante a apresentação do projeto uma manifestação muito positiva por parte daqueles parlamentares que compõem a CCJ", diz. Para m projeto de lei complementar ser aprovado. Isso significa que, na comissão, precisa de pelo menos 34 votos favoráveis. No plenário da Câmara, onde precisará ser votado depois ainda se for aprovado na comissão, precisa de pelo menos 257.
Especialistas veem problemas no projeto
A reportagem procurou especialistas do campo do direito e uma especialista em segurança pública para comentar o projeto de lei complementar. Todos observam problemas na proposta.
Segundo o professor da FGV Direito Rio Álvaro Jorge, não está claro hoje qual o limite da possibilidade que o parágrafo único do artigo 22 da Constituição traz de uma lei complementar autorizar os estados a legislar sobre questões específicas de direito penal e direito processual penal. Isto é, não está claro o que se pode entender como "questões específicas".
"Será que isso permite que os estados ampliem de fato os tipos penais que estão previstos na legislação federal? Esse tema ainda não foi testado no Supremo Tribunal Federal", fala Álvaro Jorge.
De acordo com o professor, alguns autores acham que o termo "questões específicas" não permite que os estados criem regras genéricas sobre direito penal, mas que podem "criar regras específicas sobre determinado tipo de comportamento em determinado local do estado, como criminalizar uma conduta que eventualmente não está criminalizada no nível federal".
Álvaro Jorge salienta que não há ainda nem precedente da delegação da União para os estados da atribuição de legislar sobre questões específicas de direito penal e processual penal, nem existe delimitação "de exatamente qual seria essa interpretação das questões específicas que vão poder ser tratadas".
O professor diz não ver também qualquer dado que demonstre relação entre a capacidade de se criar normas penais no nível estadual e eventualmente melhorar a capacidade de combate ao crime. "A verdade é que o nosso Código Penal é bastante extenso, e nenhuma organização criminosa deixou de ser combatida no Brasil por falta de lei. Ou quando isso ocorreu, logo em seguida foram criadas normas penais adequadas".
Para Álvaro Jorge, o projeto "parece mais uma ação desesperada diante do quadro de violência que se apresenta no país, tentando alguma nova alternativa, do que propriamente alguma coisa que seja pensada e faça sentido do ponto de vista dos dados concretos".
Além disso, ele fala que, considerando a realidade brasileira, fica "muito preocupado" em relação a se deixar que os estados definam o que seria uma conduta reprovável sem um debate maior como ocorre no Congresso, o que prevê a versão original do projeto.
"Você tem constantemente, tantos nos níveis municipais quanto estaduais, exemplos de leis muito esdrúxulas que são feitas. Portanto, essa capacidade de legislar sobre direito penal, se for mal utilizada, pode trazer consequências bastante graves, porque a gente está falando da perda de liberdades, direito de ir e vir das pessoas", diz o professor.
A professora Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (CCAS), da Fundação Getulio Vargas (FGV), fala achar o projeto "muito preocupante", pois permite aos estados legislarem sobre uma ampla parte do Código Penal.
"A gente não tem no Brasil, a nível estadual, maturidade para estar discutindo essas coisas. A gente está falando de 27 Assembleias Legislativas e governos que podem aprovar coisas bastante radicais", avalia Joana. "Temos que levar em conta que estamos num cenário polarizado, que esse tema da segurança pública está com muita atração".
Para a professora ainda, "o Brasil não tem um problema de legislação penal, ele tem um problema de execução penal, que é o cumprimento das leis, a transição de regime, e tem um problema de ineficiência na efetividade das políticas públicas de segurança".
Segundo Joana, a mudança da legislação não é a prioridade na discussão da segurança pública "e muito menos ainda deixar isso a cargo dos estados fazerem, para cada um ir para uma direção".
O doutor em direito processual Maurício Zanoide, professor da Faculdade de Direito da USP, avalia que tanto a versão original como o substitutivo apresentado pelo relator estão autorizando os estados e o DF a legislar não sobre questões específicas do direito penal, mas sim sobre o próprio direito penal, e, portanto, ultrapassam os limites da Constituição.
O especialista ressalta que autorizar os estados a legislar sobre a matéria representa ainda uma mudança em "estrutura histórica e tradicional do direito brasileiro".
De acordo com o professor, diferentemente do que ocorre no Brasil, o direito americano e o direito mexicano têm códigos de processo penal estaduais e federais, e órgãos penais estaduais e federais. "Mas para isso eu preciso de toda uma hierarquia e de uma preparação de arcabouço jurídico que compatibilize as normas federais existentes com as estaduais que eventualmente venham ter", acrescenta.
Na avaliação do advogado Marcelo Buttelli, mestre e doutor em ciências criminais pela PUCRS, o projeto é "um retumbante retrocesso em termos de racionalidade legislativa".
Conforme o especialista, o que o a matéria propõe, na prática, "é oferecer uma solução para um problema que, em realidade, não existe", pois não se tem notícia de que algum estado esteja "reivindicando a necessidade de editar suas próprias normas penais e processuais penais como forma de contornar seus desafios em matéria de segurança pública".
O advogado afirma que, no país, o problema da ineficiência do sistema de justiça criminal "reside não tanto na lei, mas na sua própria aplicação pelos operadores do direito". "Nesse sentido, o projeto pouco tem a contribuir para mudar esse estado de coisas".
Buttelli é coordenador-adjunto do Departamento de Política Legislativa Penal do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Ele destaca também que, caso a proposta seja aprovada, há risco de ser subvertida "uma das poucas características que ainda permitem qualificar como racional o nosso ordenamento jurídico-penal".
Ele se refere à "uniformidade que resulta da codificação da legislação penal, uma garantia fundamental que, bem compreendida, é expressão do direito constitucional de todos e de cada um de receber tratamento igualitário perante a lei, sem distinções de qualquer natureza".
O especialista fala que o projeto tem outro "problema grave": ele não dispõe sobre a revogação do Código Penal, de modo que as normas dos códigos penais estaduais, após serem aprovadas, iriam concorrer com as normas que compõem o direito penal federal. "Diante dessa possibilidade de sobreposição de normas, qual valeria em um caso concreto?", indaga.
"Pela ordem natural das coisas, leis estaduais não costumam se sobrepor às chamadas leis federais, que, como regra, acabam prevalecendo em termos hierárquicos".
Dessa forma, prossegue Buttelli, os códigos penais estaduais só poderiam ter vigência no caso de condutas não disciplinadas pela legislação federal. "Se as coisas são assim, acaba sendo difícil imaginar quais comportamentos poderiam ser disciplinados por uma legislação penal estadual, pois poucas condutas escapam à legislação federal, uma das mais extensas do mundo".
Na visão do advogado também, dar aos estados e ao DF liberdade para a formação dos seus próprios códigos penais e processuais penais acabaria criando "um caos normativo sem precedentes na história do direito brasileiro". Além disso, uma "impossibilidade prática em torno da criação de políticas criminais ou de segurança pública de abrangência interestadual ou nacional".
PEC da Segurança Pública
No mês passado, o governo federal apresentou a governadores, no Palácio do Planalto, a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, elaborada pelo Executivo e que tramitará no Congresso.
A PEC dá status constitucional para o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018 por lei ordinária, e inclui no rol de competências da União a responsabilidade de estabelecer a política nacional de segurança pública e defesa social, que compreenderá o sistema penitenciário.
Além disso, altera as competências da Polícia Federal (PF), que passaria a atuar como polícia judiciária contra crimes ambientais e de repercussão interestadual e internacional. A Polícia Rodoviária Federal (PRF), por sua vez, se tornaria Polícia Ostensiva Federal e atuaria em rodovias, ferrovias e hidrovias federais.
O deputado Coronel Assis diz ver a PEC com "muita preocupação". "Eu entendo que segurança pública é um assunto muito sério, ele não pode ser tratado de forma unilateral. Eu não posso simplesmente construir uma PEC, chamar governadores, representantes de Poderes e apresentar isso para eles", fala o parlamentar.
Segundo ele, "tinha que ser uma discussão muito ampla, irrestrita, assimétrica, no sentido de buscar todas as contribuições para que a gente possa melhorar e lutar contra o crime, que é o que todo mundo quer".
Ainda de acordo com o deputado, a proposta centraliza as diretrizes da segurança pública em um único órgão, o Ministério da Justiça, e esse "não é o caminho", por o crime ser regionalizado e haver formas diferentes de tratar a segurança pública entre os estados.
Coronel Assis fala achar "muito perigosa, temerosa" a reformulação da PRF, pois a Polícia Ostensiva Federal será "recheada de atribuições" e "quando tudo é prioridade, nada é priorizado".
Na avaliação da professora Joana Monteiro, porém, a PEC ainda é "tímida", e dizer que é ruim centralizar as diretrizes da segurança pública no Ministério da Justiça é "uma besteira", pois nas outras áreas, como educação e saúde, "é o governo federal que dá as diretrizes". "Diretrizes é dar direção, não é forçar a fazer, mandar fazer", acrescenta.
O advogado Marcelo Buttelli avalia que não é correto afirmar que a PEC estaria conferindo um protagonismo indevido ao Ministério da Justiça em relação à definição das diretrizes a serem observadas pelo Estado brasileiro em assunto de segurança pública.
"A meu sentir, a PEC em questão pretende, no limite, constitucionalizar algo que, há tempos, já deveria figurar no texto constitucional", pontua. O especialista se refere a "um plano nacional composto por diretrizes claras e factíveis" elaboradas pela União com o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.
"Veja-se, portanto, que o que se propõe é que o processo de definição das diretrizes que determinarão os rumos da política pública de segurança no Brasil seja iniciado, não monopolizado, pela União".