Em alegações finais, advogados negam ligação com 8 de janeiro e solicitam anulação da delação de Mauro Cid
Por Paola Cuenca
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou, em alegações finais apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (13), que ele não atuou para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após as eleições de 2022.
Os advogados alegam que não há provas de que Bolsonaro tenha incentivado ou coordenado ações para inviabilizar a transição de governo. Eles também afirmam que os atos golpista de 8 de janeiro, que resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, não tiveram relação com ordens ou articulações do ex-presidente.
A defesa pede a absolvição por falta de provas e solicita a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, argumentando que o acordo foi obtido de forma irregular e sob pressão. Segundo os advogados, a colaboração é “delação manipulada desde o seu primeiro depoimento e, portanto, imprestável” e não pode servir de base para condenação.
Além de rejeitar as acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR), os advogados afirmam que a denúncia é baseada em interpretações políticas e narrativas sem respaldo em provas concretas. A defesa sustenta que não é possível condenar um ex-presidente da República com base em conjecturas ou ilações desprovidas de evidência material.
Caso o processo seja mantido, a defesa requer que o crime de golpe de Estado seja absorvido pelo de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O pedido se baseia no princípio de que o crime mais grave engloba o mais brando.
No documento, os advogados também questionam a competência do STF para julgar o caso, defendendo que o processo deveria ser enviado à primeira instância por Bolsonaro não possuir mais foro privilegiado. O mesmo argumento foi apresentado pelas defesas de Anderson Torres e Walter Braga Netto.
Eles pedem ainda a anulação do processo por suposto “cerceamento de defesa”, alegando que diligências essenciais, como a obtenção de mensagens de aplicativos e informações de dispositivos eletrônicos, foram negadas pelo relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes.
Também como alternativa, caso os ministros mantenham o processo no STF, a defesa requer que o julgamento seja realizado pelo Plenário, e não pela Primeira Turma.
Julgamento do Núcleo 1
A entrega das alegações finais pelos réus do grupo considerado crucial na trama golpista é a última etapa antes de Moraes concluir seu relatório e voto, que abrirá o caminho para o julgamento do caso. Na Primeira Turma do STF, os ministros decidirão se absolvem ou condenam os acusados. O prazo para envio termina nesta quarta-feira (13). Além de Bolsonaro, integram o “Núcleo 1”:
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; e
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil.
Todos são acusados de:
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
Tentativa de golpe de Estado;
Participação em organização criminosa armada;
Dano qualificado;
Deterioração de patrimônio tombado.
CNI, FIESP e Abicalçados avaliam como positivas as medidas anunciadas pelo governo Lula; FIEMG diz que as medidas são "paliativas"
Por Gabriela Vieira
Em resposta ao Plano de Contingência assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira (13), os setores e empresas afetadas pelo tarifaço aplicado pelos Estados Unidos ao Brasil avaliam, em sua maioria, como positiva as medidas de socorro.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia como positivo o plano anunciado e afirma que as medidas contemplam muitas demandas feitas pelas indústrias, federações e associações setoriais, além de trazer um "alívio" ao colocar como prioridade a negociação e a realização de medidas, caso necessárias.
A medida provisória que cria o Plano Brasil Soberano, especifica uma linha de crédito no valor de R$ 30 bilhões para exportadores. Segundo o presidente da CNI, Ricardo Alban, as medidas darão um respiro à indústria nacional. “Não queremos só respirar, mas caminhar e, neste primeiro momento, o Plano Brasil Soberano representa abertura de mercado e reflete o esforço contínuo de manter o diálogo e buscar soluções”, destacou.
Ricardo Alban também destacou que a necessidade de manter negociações com outras nações para ampliar o leque de opções. "Temos de exacerbar novos acordos bilaterais e do Mercosul, principalmente com a União Europeia", afirmou.
A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) considerou que as propostas emergenciais divulgadas pelo governo federal são importantes para a preservação das empresas. Por outro lado, o presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, afirma que o pacote contemplou, em parte, as solicitações da indústria calçadista nacional.
Segundo Haroldo, o setor reconhece, porém, a importância de medidas como a ampliação do Reintegra para 3% a todos os exportadores, a linha de crédito e a suspensão do pagamento de tributos por um ano. “Além das medidas já anunciadas, tratando-se de um setor intensivo em mão de obra, seguimos na expectativa de novas medidas voltadas à manutenção dos empregos”, afirmou.
Minas e São Paulo
Minas Gerais é um dos Estados mais afetados pelo tarifaço do presidente norte-americano Donald Trump, já que está entre as entidades da federação que mais exportam produtos para os Estados Unidos, em conjunto com São Paulo e Rio de Janeiro.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) afirmou que as medidas são paliativas e não resolvem a raiz do problema.
"É urgente que o Brasil mantenha negociações firmes e produtivas com o governo norte-americano, buscando reverter as tarifas e resguardar uma relação comercial estratégica. Se não houver rapidez na implementação e clareza nas regras, o risco é que os recursos e incentivos fiquem no papel”, afirma Flávio Roscoe, presidente da Federação.
Já a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) se posicionou na outra ponta. “Medidas para preservar empregos, diversificar mercados e assegurar condições justas de comércio internacional são importantes e demonstram compromisso com a defesa dos setores produtivos nacionais”, afirmou a entidade paulista.
Plano de Contingência
O presidente Lula assinou nesta quarta-feira (13) o plano de socorro ao setor produtivo brasileiro que prevê um conjunto de medidas para amparar empresas que tiveram prejuízo com o tarifaço de 50% anunciado pelos Estados Unidos
Entre as medidas estão uma linha de crédito no valor de R$ 30 bilhões para exportadores, mudança nas regras do seguro de crédito à exportação e em fundos garantidores, prorrogação de suspensão de tributos e compras governamentais.
O plano consiste em três eixos: fortalecimento do setor produtivo, proteção dos trabalhadores brasileiros e diplomacia comercial e multilateralismo. A MP já passou a valer, mas precisa ser votada no Congresso Nacional em até 120 dias para não perder a validade.
Medida vai destinar R$ 30 bilhões para os setores afetados pelas tarifas impostas por Donald Trump
Com portal R7
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta quarta-feira (13) a MP (Medida Provisória) Brasil Soberano, que vai destinar R$ 30 bilhões de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço de 50% imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Quero dizer para os empresários e para os trabalhadores que a gente vai tentar fazer o que estiver no nosso alcance para minimizar o problema que foi criado. Nós vamos continuar vendendo as coisas que os EUA não querem comprar, nós vamos procurar outros países”, afirmou Lula.
A cerimônia de assinatura foi realizada no Palácio do Planalto, com a presença do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
No discurso, o vice-presidente Geraldo Alckmin detalhou que a MP vai ampliar o Reintegra para todas as empresas que exportam para os Estados Unidos. A iniciativa vai permitir que as empresas exportadoras recebam de volta parte dos valores pagos em impostos.
“Na área da indústria teremos o Reintegra. Para a pequena empresa, as micro e pequenas, já tinham [acesso à medida]. Agora as que exportam para os Estados Unidos terão esse acesso. Vão ser 3% de retorno dos impostos pagos”, explicou.
Alckmin também citou o drawback. “Aquilo que eu importo eu não pago imposto, mas se eu frustro a minha exportação, eu teria que pagar o imposto do que eu importei, além de multas e sanções. O senhor está prorrogando por mais um ano o drawback”, citou.
Ele acrescentou que a MP contempla “medidas de crédito e fundo garantidor, compras governamentais, e [ações] na área tributária, enfim um conjunto de medidas buscando atender o setor produtivo para garantir emprego, garantir a produção e abertura de mercado.”
Também presente na cerimônia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou as frentes do plano de contingência: linhas de crédito, compras públicas de mercadorias perecíveis e devolução de créditos tributários. “É uma leva de proposições que vão atenuar esse impacto inicial. Vamos ficar atentos e monitorando nossas exportações e o comportamento do mercado”, disse.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, classificou as sanções dos Estados Unidos como “chantagem”. “O plano é para proteger nossas empresas e exportações, a economia e as famílias brasileiras, e os empregos. Uma grande responsabilidade que mais uma vez devemos compartilhar com o Congresso Nacional”, disse.
Ela acrescentou: “O Brasil e o mundo são testemunhas que [as tarifas], [são] uma verdadeira chantagem, e foi provocada por aqueles que tentaram abolir o estado democrático de direito”, afirmou.
Veja as principais medidas
Linhas de crédito
R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) serão usados como funding para concessão de crédito permitindo taxas acessíveis.
Prioridades por: dependência do faturamento em relação às exportações para os EUA; tipo de produto e porte de empresa. Serão priorizados os mais afetados.
As pequenas e médias empresas também poderão recorrer a fundos garantidores para acessar o crédito.
O acesso às linhas estará condicionado à manutenção do número de empregos.
Prorrogação de prazos do regime de drawback
Extensão excepcional do prazo para comprovação da exportação de produtos fabricados a partir de insumos importados ou adquiridos no Brasil com suspensão tributária.
O governo vai prorrogar, por um ano, o prazo para que as empresas consigam exportar suas mercadorias que tiveram insumos beneficiados pelo regime. Esses produtos poderão ser exportados para os EUA ou para outros destinos. Com isso, elas não terão que pagar multa e juros se não conseguirem exportar aos EUA no prazo originalmente previsto.
A medida vale para as empresas que contrataram exportações para os Estados Unidos que seriam realizadas até o final deste ano. Dos US$ 40 bilhões exportados em 2024 para os Estados Unidos, US$ 10,5 bilhões foram realizados via regime de drawback.
A prorrogação não tem impacto fiscal, pois apenas posterga o prazo para cumprimento dos compromissos de exportação assumidos pelas empresas brasileiras.
Compras públicas: apoio a produtores rurais e agroindústrias
De forma extraordinária, por ato infralegal, União, Estados e Municípios poderão fazer compras para seus programas de alimentação (para merenda escolar, hospitais, etc.) por meio de procedimento simplificado e média de preço de mercado, garantidos a transparência e o controle dos processos.
A medida vale apenas para produtos afetados pelas sobretaxas unilaterais.
Modernização do sistema de exportação
Ampliação das regras da garantia à exportação, instrumento que protege o exportador contra riscos como inadimplência ou cancelamento de contratos.
As mudanças visam fortalecer empresas exportadoras de média e alta intensidade tecnológica e investimentos produtivos em economia verde.
O Plano Brasil Soberano permitirá que bancos e seguradoras utilizem essa garantia em mais tipos de operações.
Prevê mecanismos de compartilhamento de risco entre governo e setor privado, utilizando o Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE) como mecanismo de primeiras perdas, aumentando o acesso a crédito e reduzindo custos.
Fundos garantidores
Aportes adicionais de R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE), de R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), do BNDES, e R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia de Operações (FGO), do Banco do Brasil, voltados prioritariamente ao acesso de pequenos e médios exportadores.
Novo Reintegra para empresas afetadas
O Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra) para as Empresas Exportadoras devolve aos exportadores brasileiros parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva, na forma de crédito tributário, ajudando a reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado externo.
A medida antecipa os efeitos da Reforma Tributária, desonerando a atividade exportadora.
Atualmente, empresas de grande e médio porte de produtos industrializados têm alíquota fixada em 0,1%; enquanto micro e pequenas, por meio do programa Acredita Exportação, recebem de volta 3% de alíquota.
A medida aumenta em até 3 pontos percentuais o benefício para empresas cujas exportações de produtos industrializados foram prejudicadas por medidas tarifárias unilaterais. Ou seja, para continuarem competitivas no mercado norte-americano, grandes e médias empresas passam a contar com até 3,1% de alíquota, e as micro e pequenas, com até 6%.
Produtos atingidos pela nova tarifa
?Café — Maior exportador global, o Brasil tem nos EUA um dos principais compradores. Em 2024, as vendas atingiram quase US$ 2 bilhões, equivalentes a 16,7% do total exportado.
?Carne bovina — O mercado norte-americano absorveu 16,7% das exportações brasileiras do produto em 2024, o que corresponde a 532 mil toneladas e US$ 1,6 bilhão em receitas. A Minerva projeta queda de até 5% na receita líquida.
?Frutas — Mais de 1 milhão de toneladas foram enviadas ao exterior em 2024, e parte expressiva passará a ter tributação adicional.
?Máquinas agrícolas e industriais — O decreto prevê isenções para peças da indústria de papel e celulose e itens da aviação civil. Equipamentos fora desses segmentos serão integralmente tributados.
?Móveis — Alguns modelos escaparam da taxação, como assentos e estruturas metálicas ou plásticas utilizadas em aeronaves. O restante terá incidência da nova alíquota.
?Têxteis — A isenção restringe-se a itens específicos, como fio de sisal para enfardamento e materiais aeronáuticos.
?Calçados — Todos os modelos brasileiros passaram a ser taxados, agravando dificuldades de um setor já pressionado pela concorrência global.
Suco de laranja
Mesmo incluído na lista de exceções à sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos, o setor brasileiro de suco de laranja enfrenta perdas expressivas. O impacto imediato é estimado em R$ 1,54 bilhão, decorrente da inviabilidade econômica das vendas externas de subprodutos, que receberam a tarifa máxima e renderam US$ 177,8 milhões na safra anterior (cerca de R$ 973,6 milhões).
Soma-se a esse montante o efeito da cobrança de 10% sobre o suco in natura, calculado em US$ 103,6 milhões (R$ 566,7 milhões), com base nos volumes registrados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic) para a safra 2024/25.
A combinação de tarifas e retração de preços pode elevar as perdas totais do setor para além de R$ 2,9 bilhões. “Embora o setor esteja aliviado por ter sido incluído na lista de exceções, os impactos são significativos, principalmente em um contexto de mercado desafiador como o deste ano”, avalia o diretor-executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto.
Os subprodutos da cadeia citrícola são matéria-prima para as indústrias de bebidas e cosméticos.
Resultado foi influenciado por queimados do segundo semestre de 2024; Cerrado e Pantanal apresentaram queda na devastação
Por Camila Stucaluc
A área sob alertas de desmatamento na Amazônia teve alta de 4% em 2025 (de agosto de 2024 a julho de 2025) em comparação com o período anterior. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram derrubados 4.495 km² no período, área equivalente a três cidades de São Paulo. É o segundo número mais baixo da série histórica iniciada em 2016, perdendo apenas para 2024.
Entre os estados que concentram a maior área sob alerta de desmatamento na Amazônia no período, Rondônia registrou queda de 35% (com 194 km²), e Pará, de 21% (1.325 km²). Por outro lado, foi identificado aumento de 74% em Mato Grosso (1.636 km²) e de 3% no Amazonas (814 km²), impulsionados pelos incêndios no segundo semestre do ano passado.
Já no Cerrado houve redução de 21% nos alertas de desmatamento nos últimos 12 meses. O resultado (5.555 km²) reverteu a tendência de alta registrada desde 2021 no bioma, mas a área derrubada continua superando o total na Amazônia. No Pantanal, o desmatamento caiu 72% (319 km²) no mesmo período.
O resultado do Deter é um indicativo de tendência da taxa anual de desmatamento, que deverá ser divulgada até novembro deste ano. A taxa é medida sempre de agosto a julho pelo sistema Prodes do Inpe, que usa imagens de satélites precisas para identificar áreas sob alertas de desmatamento.
“Dentro da margem, podemos dizer que o desmatamento na Amazônia está estabilizado, mas nosso compromisso é o desmatamento zero até 2030”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Segundo ela, nos últimos 12 meses, foram realizadas mais de 9,5 mil ações fiscalizatórias na Amazônia, que resultaram em mais de 3,9 mil autos de infração, totalizando R$ 2,4 bilhões em multas.
Documento do Departamento de Estado dos EUA sobre direitos humanos é divulgado em meio a escalada de tensão diplomática com o Brasil
Por Leandro Prazeres - Da BBC News Brasil em Brasília
O Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou um relatório, nesta terça-feira (12/8), afirmando que a "situação dos direitos humanos no Brasil piorou" durante o ano de 2024.
A alegação faz parte do relatório anual sobre direitos humanos que o órgão elabora anualmente em relação a diversos países.
O documento do governo americano cita como exemplos de piora ações tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para supostamente censurar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, o bloqueio do X (antigo Twitter) e as mortes causadas por policiais militares em dois Estados governados por políticos bolsonaristas: São Paulo e Roraima.
"Questões significativas de direitos humanos incluíram relatos críveis de: assassinatos arbitrários ou ilegais; tortura ou tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante; prisão ou detenção arbitrária; e restrições graves à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, incluindo violência ou ameaças de violência contra jornalistas", diz um trecho do documento.
Na avaliação do Departamento de Estado, "o governo [brasileiro] nem sempre tomou medidas críveis para identificar e punir autoridades que cometeram abusos de direitos humanos".
A divulgação do relatório ocorre em meio a um momento de forte tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos desde que o presidente americano, Donald Trump, assumiu o segundo mandato, em janeiro.
Em julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre diversos produtos brasileiros, que passaram a entrar em vigor neste mês. Ele também atribuiu as tarifas ao processo criminal no qual Bolsonaro é réu no STF por seu suposto papel na trama golpista que resultou na invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Em entrevista à rádio BandNews FM na terça-feira (12/8), o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), voltou a comentar sobre a crise com os EUA e disse querer diálogo com Trump.
"Espero que algum dia eu possa encontrar com o presidente Donald Trump e conversar como dois seres humanos civilizados, dois chefes de Estado, como deve ser a relação", afirmou Lula.
Os Estados Unidos também revogaram vistos de viagens para ministros do STF como Alexandre de Moraes e impuseram sanções econômicas ao magistrado por meio da lei global Magnitsky, destinada a punir violadores de direitos humanos.
O governo brasileiro, por sua vez, já classificou as tarifas e as sanções a Moraes como uma "chantagem" e "interferência indevida" em assuntos domésticos.
Procurado, o STF disse por meio de sua assessoria de imprensa que não se manifestaria sobre o relatório.
Os governos de São Paulo e Roraima não responderam aos questionamentos enviados pela BBC News Brasil. O Palácio do Planalto e o Ministério dos Direitos Humanos também não responderam.
'Censura' e 'liberdade de expressão'
A atuação do STF em relação ao direito de expressão e à atuação de redes sociais no país foi a principal crítica do relatório à situação dos direitos humanos no Brasil.
"A situação dos direitos humanos no Brasil piorou ao longo do ano. Os tribunais tomaram medidas amplas e desproporcionais para minar a liberdade de expressão e a liberdade na internet, bloqueando o acesso de milhões de usuários a informações em uma importante plataforma de mídia social em resposta a um caso de assédio", diz um trecho do documento.
Em outro ponto, o relatório faz críticas diretas ao STF.
"A Constituição e a lei garantem a liberdade de expressão, inclusive para membros da imprensa e de outros meios de comunicação. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, restringiram a liberdade de expressão de indivíduos considerados, pela Corte, em violação à lei que proíbe discurso antidemocrático", diz o relatório.
O documento faz menção, ainda, a supostas ordens secretas proferidas por Moraes contra o X (antigo Twitter) relacionadas ao bloqueio de usuários e derrubada de conteúdo publicado por aliados do ex-presidente Bolsonaro.
"Registros judiciais revelam que o ministro Alexandre de Moraes ordenou pessoalmente a suspensão de mais de 100 perfis de usuários na plataforma de mídia social X (antigo Twitter), suprimindo de forma desproporcional a fala de defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro, em vez de adotar medidas mais restritas para punir conteúdos que incitassem ação ilegal iminente ou assédio".
O relatório diz que outras companhias, além do X também teriam sofrido com a suposta investida do STF contra a liberdade de expressão.
O documento citou ainda a multa imposta em agosto de 2024 por Moraes para quem tentasse acessar o X por meio de VPN — tipo de rede virtual privada que permitiria acesso a usuários mesmo com os provedores brasileiros cumprindo a medida judicial e bloqueando o acesso.
"Essa repressão ampla bloqueou o acesso dos brasileiros a informações e pontos de vista sobre uma série de questões nacionais e globais. Além disso, a proibição temporária, pelo tribunal, do uso de VPN, sob pena de multa, deteriorou ainda mais a liberdade de imprensa ao retirar proteções de privacidade de indivíduos cuja capacidade de denunciar casos de corrupção governamental dependia de poder fazê-lo de forma anônima", diz o documento.
Críticas a mortes causadas por PM de Tarcísio
O relatório do Departamento de Estado faz citações diretas a mortes causadas por ações policiais realizadas em Estados comandados por governadores bolsonaristas na seção "Execuções Extrajudiciais".
A principal menção é a casos ocorridos no Estado de São Paulo, comandado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), um ex-ministro do governo Bolsonaro e visto como um de seus possíveis sucessores na direita brasileira.
A principal citação é em relação às mortes ocorridas na chamada "Operação Escudo", realizada na Baixada Santista, em julho de 2023.
"Houve vários relatos de que a polícia cometeu assassinatos arbitrários ou ilegais ao longo do ano. Algumas mortes foram atribuídas a uma operação policial contra organizações criminosas transnacionais no Estado de São Paulo, no primeiro semestre do ano, e a uma operação policial realizada entre julho de 2023 e abril na Baixada Santista, região costeira que inclui o porto de Santos", diz o relatório.
A Operação Escudo foi desencadeada após a morte de um policial por um atirador que seria ligado ao tráfico de drogas — deixou ao menos 16 mortos no Guarujá, cidade do litoral de São Paulo.
A operação envolveu 600 agentes das polícias Civil e Militar de São Paulo no bairro Vila Zilda.
O governo federal criticou a ação policial, mas o Estado de São Paulo defende a operação.
Neste ano, um relatório sobre a Operação Escudo,elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e da Defensoria Pública de São Paulo, apontou o abuso de força policial. De acordo com o documento, a ação foi classificada como vingança contra jovens negros e pobres da Baixada Santista.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao governo de São Paulo sobre as menções feitas pelo relatório do governo americano, mas até o momento, nenhuma resposta foi dada.
O relatório também menciona uma suposta atuação de milícias formadas por policiais militares no Estado de Roraima, governado por Antônio Denarium (PP), que também é apoiador de Bolsonaro.
"Em abril (de 2024), a Polícia Civil do Estado de Roraima informou que lançou uma operação para expulsar um grupo de policiais militares de Roraima suspeitos de fazer parte de uma milícia e de um grupo de extermínio [...] Mais de 100 policiais foram investigados e várias prisões foram realizadas", diz o relatório.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao governo de Roraima, mas nenhuma resposta foi dada até o momento.
Trump ainda não indicou novo embaixador para ocupar representação dos EUA em Brasília
Escalada diplomática
O relatório sobre direitos humanos no Brasil do Departamento de Estado veio a público em meio ao que especialistas apontam ser o pior momento das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos.
O período de tensão se intensificou em julho, quando Trump ameaçou impor sanções de 50% sobre produtos brasileiros, e atravessou o mês de agosto com a imposição das tarifas e de sanções econômicas contra Alexandre de Moraes.
Na semana passada, o atrito entre os dois países ganhou novos contornos nas redes sociais. No dia 7 de agosto, a Embaixada americana em Brasília publicou, no X, uma mensagem na qual chamava Alexandre de Moraes de "principal arquiteto da censura e perseguição" contra Bolsonaro e seus apoiadores.
O texto acusava o magistrado de cometer "flagrantes violações de direitos humanos" e justificava as sanções impostas por Washington com base na Lei Global Magnitsky.
A postagem também alertava integrantes do Judiciário e de outros setores a "não apoiar nem facilitar" as ações de Moraes, afirmando que a situação estava sendo "monitorada de perto" pelo governo americano.
No dia seguinte, o Itamaraty convocou o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA, Gabriel Escobar, para uma reunião em Brasília.
Escobar é o diplomata de mais alto escalão da missão desde que Trump reassumiu o mandato e ainda não indicou um embaixador para o posto.
No sábado (9/8), a crise se intensificou quando o vice-secretário do Departamento de Estado, Christopher Landau, publicou novas críticas, acusando Moraes de exercer "poder ditatorial" e de "destruir a relação histórica de proximidade entre Brasil e Estados Unidos".
A embaixada republicou as declarações, reforçando o tom de confronto.
O Palácio do Planalto respondeu classificando as falas como "um ataque frontal à soberania" e acusou os Estados Unidos de "reiteradas ingerências" em assuntos internos.
Em nota, o governo disse que "não se curvará a pressões".
A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, foi além, chamando a publicação de "gravíssima ofensa ao Brasil, ao STF e à verdade", com um tom "arrogante".
O STF, por sua vez, não se pronunciou oficialmente sobre o episódio.