O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) liberou cerca de 22 mil pessoas presas indevidamente. O dado foi revelado pela ministra Rosa Weber, em sua última sessão como presidente do conselho antes de se aposentar, nesta terça-feira (26).
POR CONSTANÇA REZENDE
A análise foi feita no chamado "Mutirão Processual Penal", realizado durante 30 dias, de 24 de julho e 25 de agosto. Coordenado pelo CNJ, o programa teve apoio dos 27 tribunais de Justiça e dos seis tribunais regionais federais (TRFs) do país.
Rosa afirmou que não houve qualquer "benesse" para esses cidadãos e que, em uma primeira análise, pode-se verificar que há "bastante resistência da magistratura na aplicação das teses consolidadas pelo STF e que são de cumprimento obrigatório".
"A elas (pessoas presas indevidamente) juízes e juízas fizeram chegar a Constituição Federal, os tratados internacionais e a Lei de Execução Penal a partir de entendimentos firmados e assegurados em decisões do Supremo Tribunal Federal na matéria", disse.
"Os expressivos números alcançados em apenas 30 dias de mutirão são testemunhos da imprescindibilidade da vigência dessa política judiciária, de modo a torná-la permanente", acrescentou.
O grupo analisou cerca de 100.396 processos movimentados neste período. Após o estudo dos autos, chegou-se à conclusão de que havia prisão indevida em 21.866 casos.
Deste número, foram revistas prisões preventivas com duração maior do que um ano, de gestantes, de mães e mulheres responsáveis por crianças e de pessoas com deficiência presas cautelarmente e, também, de pessoas em cumprimento de pena em regime prisional mais gravoso do que o fixado na decisão condenatória.
Além de detidos em regime diverso do aberto que foram condenados pela prática de tráfico privilegiado (casos de menor gravidade, em que há bons antecedentes e nenhuma conexão com organizações criminosas).
Segundo o CNJ, os processos em que foram identificadas prisões cautelares com duração superior a um ano compuseram 49% dos casos revisados.
Somado aos casos que envolviam gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente, eles representam quase 60% dos processos que foram objeto de revisão durante o mutirão.
Os dados fornecidos pelos tribunais apontaram a existência de 6.304 processos que envolviam gestantes, lactantes, além de mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, em todo o território nacional.
Como resultado da ação do mutirão, a prisão preventiva foi revista em 51% dos casos. Em relação ao total de processos analisados, a revisão da prisão preventiva resultou, na maioria dos casos, na concessão de prisão domiciliar sem monitoração eletrônica.
Para o CNJ, o dado evidencia o impacto da utilização indiscriminada da prisão provisória nos índices de superlotação carcerária.
Os Mutirões Carcerários ocorreram no país desde 2008, e em 2014, foram suspensos. Neste ano, o projeto foi retomado.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu, por unanimidade, retirar as Forças Armadas e o STF (Supremo Tribunal Federal) da lista de entidades legitimadas a fiscalizar o processo eleitoral brasileiro. A decisão foi tomada em sessão plenária desta terça-feira (26).
POR CONSTANÇA REZENDE
Com a mudança, os órgãos deixaram de integrar o rol de instituições autorizadas a acompanhar as fases de auditoria das urnas e dos sistemas eleitorais, após a presença dos militares nesse processo ter sido explorada politicamente pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022.
O relator da instrução da mudança foi o ministro Alexandre de Moraes, presidente do tribunal. Ele afirmou que "não se mostrou necessário, razoável e eficiente a participação das Forças Armadas no rol das entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação e também na Comissão de Transparência Eleitoral".
"Se demonstrou, como todos pudemos observar, absolutamente incompatível com as funções constitucionais e legais das Forças Armadas estar também no rol das entidades fiscalizadoras", disse Moraes.
Sobre o caso do STF, Moraes destacou que a Suprema Corte já tem três dos seus integrantes no próprio TSE, o que tornava a sua permanência na lista desnecessária.
A participação das Forças Armadas na fiscalização das eleições esteve no centro da estratégia de Bolsonaro e aliados de questionar a confiança das urnas eletrônicas e colocar sob suspeita a lisura dos pleitos no Brasil.
As Forças Armadas foram incluídas na lista de entidades fiscalizadoras da eleição em 2021, por decisão do então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. A medida, cujo objetivo era reduzir as manifestações golpistas de Bolsonaro, foi vista na cúpula do Judiciário como um tiro no pé, já que a atuação dos militares deu ainda mais munição para Bolsonaro atacar as urnas e criar desconfiança no processo eleitoral.
Em novembro, dias após o segundo turno, o Ministério da Defesa terminou o seu relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral sem ter apontado nenhum indício de fraude.
O material da Defesa foi entregue ao TSE e apontou que os procedimentos estatísticos ocorreram sem ressalvas e que a análise dos boletins de urnas não identificou divergências. Considerou, porém, haver alguns problemas no processo e apontou sugestões de melhorias.
O relatório disse que não havia sido possível "fiscalizar o sistema [eletrônico de votação] completamente" e sugeriu ao TSE que fizesse uma investigação técnica para apurar eventuais riscos de mudança no código-fonte dos sistemas eleitorais por causa do possível acesso à rede durante a geração dos programas.
Na ocasião, Moraes agradeceu o envio do documento e disse que analisaria as recomendações no momento oportuno.
Antes da manifestação da Defesa, outros órgãos fiscalizadores haviam apontado a regularidade do processo eleitoral, como o TCU (Tribunal de Contas da União) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Nesta terça, além da modificação sobre as Forças Armadas, os ministros do TSE também incluíram nesta terça a realização do Teste de Integridade com Biometria a partir das eleições de 2024. A norma define as regras para a realização dos procedimentos de fiscalização do sistema eletrônico de votação
Um dia antes de deixar o comando da PGR (Procuradoria-Geral da República), Augusto Aras fez nesta segunda-feira (25) um discurso de despedida na sessão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) exaltando sua função para "manter o equilíbrio democrático neste país".
POR CÉZAR FEITOZA
"As palavras do ministro Toffoli hoje, um dia, adiante, serão detalhadas para que todo o povo brasileiro saiba que a democracia desse país preservada passou por essa instituição mantenedora, como é de seu dever constitucional, da ordem jurídica que sustenta o regime democrático, o Estado de Direito, que é o seu meio de trabalho, e a economia aberta de mercado."
O procurador-geral da República citava a declaração do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), horas antes, em outra cerimônia. O magistrado disse na ocasião que o Brasil poderia não permanecer numa democracia se não fosse a "força do silêncio" de Aras.
"Faço essas referências porque são coisas [que serão] contadas mais à frente da história. Porque poucas pessoas sabem, mas estivemos bem próximos da ruptura. E na ruptura não tem Ministério Público, não tem direitos, não tem a graça. A graça é ser amigo do rei", completou Toffoli.
Em sintonia, Augusto Aras contou que uma equipe do MPF (Ministério Público Federal) visitou instalações civis e militares, policiais militares, governadores e outras autoridades estaduais e municipais para "não permitir que a ordem constitucional fosse quebrada".
O procurador ainda disse que a polarização política chegou a "níveis extremamente complexos". "No momento de crise e polarização e radicalização, só há um caminho e um consenso possível, que é o consenso da Constituição", completou.
O discurso de despedida de Aras durou mais de 30 minutos e foi precedido de declarações elogiosas dos demais conselheiros do CNMP. Um dos principais atributos do procurador citados pelos presentes foi a capacidade de se manter inabalável perante a críticas.
Aras foi criticado durante sua gestão sob a acusação de ser omisso nas investigações que miravam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) responsável pela sua indicação e recondução mesmo fora das listas tríplices formadas pela categoria do Ministério Público.
"[Aprendi] com a leitura da vida de grandes homens, e falo no Winston Churchill, não ter medo de desagradar a imprensa, quem quer que seja, quando tenho a convicção do que fiz, faço e farei se encontra no grau daquilo que me convence de ser bom para a sociedade, da qual eu me incluo como cidadão", respondeu o procurador.
Católico fervoroso, Aras ainda contou que teve uma experiência divina antes de entrar na disputa pelo comando da PGR na gestão Bolsonaro, em 2019. O procurador comparou a experiência à do apóstolo Paulo, que, segundo a Bíblia, deixou de perseguir cristão e converteu-se após ter uma visão e conversar com Deus.
"Eu quero dizer que nunca pensei em ser PGR até o dia em que uma fagulha de luz passou pela minha mente e disse: levante-se e busque corrigir todas as injustiças dentro do Ministério Público que você não concorda", disse Aras.
"Quero dizer que naquela epifania que recebi uma pancada, uma queda, tipo [o apóstolo] Paulo, que ficou desacordado, eu acordei e disse: Senhor, dai-me os instrumentos e eu irei fazer aquilo que penso ser justo", continuou.
Aras concluiu dizendo que encontrou "muitas resistências, mas o novo sempre vem". "[A idade avançada,] ao contrário, me deu a maturidade para respeitar a diferença e buscar o consenso na divergência, sem me confrontar no sentido da arbitrariedade com quem quer que seja."
Julgamento de Davis Baek, João Giffoni, Jupira Rodrigues, Moacir dos Santos e Nilma Alves segue até 2 de outubro, de forma virtual
Por Gabriela Coelho e Rossini Gomes
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou nesta terça-feira (26) para condenar mais cinco réus envolvidos no atos extremistas de 8 de janeiro: Davis Baek, João Lucas Vale Giffoni, Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, Moacir José dos Santos e Nilma Lacerda Alves. Somadas, as penas chegam a 71 anos em regime fechado. Houve ainda a exigência de uma indenização de R$ 30 milhões, quantia que pode ser dividida de forma solidária entre os condenados. Os demais magistrados têm até 2 de outubro para votar pelo sistema virtual da Corte.
Os cinco foram presos durante os ataques que depredaram os prédios da praça dos Três Poderes e foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos crimes mais graves:
• abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
• golpe de Estado;
• associação criminosa armada;
• dano qualificado; e
• deterioração do patrimônio tombado.
Mais estarrecedora é a quantidade de vídeos e imagens postadas em redes sociais por inúmeros criminosos que se vangloriavam deste enfrentamento e reiteravam a necessidade de golpe de Estado com a intervenção militar e a derrubada do governo democraticamente eleito, tendo isto chegado diuturnamente ao conhecimento desta Corte em inúmeras representações da Polícia Federal.
ALEXANDRE DE MORAES, MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
• Moacir José dos Santos — 17 anos, sendo 15 anos e 6meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção e 100 dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 do salário mínimo.
A ação contra Moacir José dos Santos estava prevista para ser analisada junto com os outros três primeiros condenados no plenário físico, mas não houve tempo de começar o julgamento. De acordo com a PGR, Moacir, natural de Foz do Iguaçu (PR), seguiu com o grupo que ingressou no Palácio do Planalto e a liberdade dele gera perigo concreto à garantia da ordem pública, à instrução criminal e, em última análise, à própria aplicação da lei penal ou, em outras palavras, à eficácia e à efetividade do sistema de justiça criminal.
• João Lucas Vale Giffoni — pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção e 100 dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 do salário mínimo.
João Lucas Giffoni é psicólogo e mora em um bairro nobre de Brasília. Segundo a PGR, ele quebrou vidraças, espelhos, portas de vidro, móveis, lixeiras, computadores, totens informativos, obras de arte, pórticos, câmeras de circuito fechado de TV, carpetes, equipamentos de segurança e depredou espaços da Chapelaria, do Salão Negro, das Cúpulas do Congresso, do museu, móveis históricos e a ajudou a queimar o tapete do Salão Verde da Câmara dos Deputados, usando substância inflamável. A defesa disse que o homem "não comunga com qualquer ato que venha causar descontinuidade da democracia", além de mencionar "o repudio aos atos de vandalismo que causou prejuízos à Fazenda Pública".
• Jupira Silvana da Cruz Rodrigues — pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção e 100 dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 do salário mínimo.
Servidora pública aposentada, foi presa no interior do Palácio do Planalto no próprio dia 8 de janeiro. Moradora de Betim (MG), ela teve material genético dela analisado pela Polícia Federal em uma garrafa que deixou no Palácio do Planalto. A defesa disse, entretanto, que não existem elementos de informação que indiquem que a mulher se juntou a outros para o cometimento de crimes.
• Davis Baek — 12 anos de reclusão.
Morador de São Paulo, Davis Baek foi preso na praça dos Três Poderes com dois rojões, gás lacrimogêneo, balas de borracha, uma faca e dois canivetes. Os advogados que o defendem dizem que ele é inocente.
• Nilma Lacerda Alves — pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção e 100 dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 do salário mínimo.
Moradora de Barreiras, na Bahia, foi presa no Palácio do Planalto. Segundo a PGR, a mulher fazia parte de um grupo que destruiu obras de arte no Planalto. A defesa dela alegou que milhares de pessoas que estiveram nas manifestações não possuíam a intenção em cometer crimes e de fato não cometeram. "Todavia colocou na mesma seara as pessoas que cometeram as depredações e agiram de forma violenta juntamente com aquelas que estavam exercendo a cidadania e se manifestando de forma pacífica", disse a defesa.
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de liberar a contribuição assistencial deixou lacunas já usadas por sindicatos. Entidades chegam a exigir a quitação da taxa dos últimos cinco anos.
POR CRISTIANE GERCINA E WILLIAM CASTANHO
Há ainda cobranças em elevado percentual e entraves à recusa do pagamento. Especialistas consideram as práticas abusivas.
No dia 11 de setembro, a corte decidiu que é constitucional a cobrança de empregados não sindicalizados, se aprovada em assembleia. Foi assegurado o direito de oposição --ou seja, o desconto pode ser recusado.
Segundo advogados, professores e juristas ouvidos pela Folha, para evitar insegurança jurídica, o STF precisa modular a decisão. Faltam regras sobre valor, prazo e forma de se opor, além de haver risco de responsabilização do empregador.
Caso as dúvidas não sejam sanadas, demandas em série chegarão à Justiça do Trabalho. Serão ações civis públicas do MPT (Ministério Público do Trabalho) contra cláusulas exorbitantes e reclamações trabalhistas.
"Vamos ter chuva de ações. Vamos ter o pau quebrando para todo o lado", diz Rogério Neiva, juiz do trabalho e ex-juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST (Tribunal Superior do Trabalho), órgão responsável por negociações coletivas. "Se o Supremo tivesse fechado o pacote [modulação], estaria resolvido."
Procurado, o STF não comentou. A corte afirmou apenas que o tema poderá ser tratado em recurso. O prazo dos chamados embargos de declaração é de 60 dias após a publicação da decisão.
Enquanto isso, as polêmicas se espalham. Sindicatos já recorrem a práticas condenadas até por centrais sindicais, que têm orientado as entidades filiadas sobre como proceder.
Como mostrou a Folha, em Sorocaba (SP), convenção coletiva do sindicato de agentes autônomos traz a cobrança de 12% de contribuição assistencial ou uma taxa de R$ 150 para quem se opuser.
Agora, sindicatos de domésticas da Grande São Paulo, Jundiaí e Sorocaba querem o pagamento desde 2018. Segundo empregadores, a exigência, por email e informes nos sites, começou dois dias depois da decisão do Supremo.
"O sindicato adverte os empregadores para que imediatamente passem a efetuar os descontos", diz parte da mensagem. Há ameaça de "cobrança judicial".
Um empregador doméstico de Jundiaí, que não quis ser identificado, recebeu o email da cobrança. Ele diz ter um empregado que atua como caseiro e tem feito oposição ao pagamento da taxa.
O empregador afirma que não considera a atitude correta e ressalva que não é contra a atividade sindical, desde que ela seja exercida em parceria.
O sindicato de Jundiaí abrange 27 cidades. A convenção coletiva, de janeiro deste ano, determina contribuição assistencial de 2%, descontada a cada três meses. O direito de se opor à taxa pode ser exercido a qualquer momento.
Já no Sindoméstica-SP, sindicato da Grande São Paulo que engloba 25 municípios, a convenção coletiva definiu contribuição assistencial de 2%, com desconto nos salários em quatro parcelas mensais.
O direito de oposição foi de dez dias contados a partir da assinatura da convenção, o que ocorreu no início do ano. Agora, as negociações para quitação estão abertas até o final de setembro.
Nathalie Rosário de Alcides, advogada responsável pelo departamento jurídico do Sindoméstica, afirma que o entendimento da entidade é o de que deve ser cobrada a contribuição assistencial retroativa dos últimos cinco anos após a decisão do Supremo.
"Uma vez constitucional, o sindicato entende que ela sempre foi válida e, portanto, obrigatória", diz ela. Para Alcides, a responsabilidade pelo desconto é do empregador, que não o teria feito na época.
O argumento da advogada, no entanto, suscita controvérsia. Na ação em que liberou a cobrança da contribuição assistencial, o STF primeiramente havia proibido, no mérito, a taxa e, só mais tarde, deu uma guinada, em embargos.
"Não pode [cobrar retroativamente] porque havia tema de repercussão geral do próprio STF dizendo que não podia. Então, se o próprio STF dizia que não podia, como é que vou cobrar retroativamente?", diz o ministro Alexandre Agra Belmonte, do TST.
Segundo ele, para quem o novo posicionamento do Supremo é "corretíssimo", a decisão poderá passar por modulação, embora, nesse caso, ela já possa ser considerada "intuitiva": "Pode cobrar, sim, dali para frente".
Já Pedro Aires, advogado do Bastos-Tigre, diz que falta base legal. "A contribuição assistencial serve para o custeio de negociações coletivas, logo, se já foram feitas antes da decisão do STF, não faz sentido a cobrança retroativa", afirma.
Há quem discorde, porém. "É o famoso caso dos embargos que merecerão outros embargos", diz Ricardo Calcini, professor do Insper e sócio do Calcini Advogados.
"Quando o Supremo não modula, ele formalmente autoriza que tudo que há cinco anos não existia passe a existir. Faltou modulação", afirma Calcini. "Dá um cheque em branco ao sindicato."
Para ele, a decisão do STF ainda impõe o que chama de "filiação forçada" por ferir o princípio da livre associação. "Quando o Supremo obriga todo mundo a pagar, desconsidera, na minha opinião, porque isso está lá na Constituição, que a pessoa tem a liberdade de se filiar ou não."
Em relação aos pontos pendentes de modulação, os especialistas elencam a fixação de um limite de valor, para que não ocorram cobranças abusivas, determinação de como será o direito de oposição e qual o quórum da assembleia que definirá o percentual de cobrança da contribuição assistencial.
"Será que seria justo, por exemplo, 2% dos dirigentes sindicais fazerem uma assembleia, 3% dos trabalhadores comparecerem, e aí os 3% que compareceram decidirem pelos outros 97% que tem de ter desconto da contribuição para todo mundo?", questiona o advogado trabalhista José Eduardo Pastore, do Pastore Advogados. Por outro lado, todos são beneficiados pela negociação coletiva.
Para evitar questionamentos, Neiva, que foi do TST, lembra de um acordo da Vale com um sindicato de ferroviários, de 2018. Na ocasião, após a reforma trabalhista, a Vice-Presidência da corte mediou regras para cobrança da taxa.
"No acordo da Vice-Presidência, tinha o [valor de] meio salário-dia, tinha a forma de oposição, o prazo de oposição, e a salvaguarda patronal, que era a responsabilidade do sindicato em uma eventual condenação do empregador", diz Neiva.
Líderes das centrais sindicais condenam eventuais abusos.
"Isso não é orientação de nenhuma central", diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, sobre percentuais abusivos em convenções coletivas e cobranças retroativas, que lembra que a entidade repudia o imposto sindical, extinto na reforma trabalhista de 2017, equivalente a um dia de trabalho.
"Se sobreviveu até agora sem, para que cobrar? Para que comprar uma briga? Nós temos de pensar para frente", afirma.
As centrais iniciaram campanha para orientar sindicatos e trabalhadores.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) está distribuindo um vídeo nas redes sociais intitulado "Imposto sindical nunca mais", na tentativa de esclarecer a diferença entre imposto e contribuição. "Falar de imposto é mentira", diz o vídeo.
A Força realizou um fórum sobre comunicação com dirigentes para tratar de como o sindicalismo pode conscientizar trabalhadores sobre seus direitos e a necessidade de ser representado por um sindicato.
Com o fim do imposto sindical, o dinheiro nos cofres das entidades minguou. O montante chegava a R$ 3 bilhões por ano e caiu mais de 90%.
Para Antonio Carlos Frugis, sócio do Soto Frugis Advogados, a decisão do STF indica a ideia de substituir o imposto pela contribuição assistencial. "O que aparenta é que a decisão veio para dar um jeitinho para se financiar os sindicatos", diz.
MINISTÉRIO PÚBLICO ABRE INQUÉRITO PARA INVESTIGAR SINDICATO
O MPT (Ministério Público do Trabalho) abriu um inquérito civil para investigar o Seaac, sindicato que representa o setor de agentes autônomos de Sorocaba (SP), com base em denúncias de que houve dificuldade no direito de oposição dos trabalhadores.
"O sindicato passará a ser oficialmente investigado pelo MPT", diz nota do órgão.
Segundo a promotoria, foi dado prazo para que a entidade apresente seus argumentos e, caso se negue a se adequar à legislação, poderá ser alvo de ação civil pública.
"O inquérito do MPT tem como objetivo garantir esse direito à coletividade de trabalhadores", afirma o órgão.
O sindicato de Sorocaba afirma que tem TAC (termo de ajustamento de conduta) assinado com o MPT desde 2022 no qual foi fixado prazo de até dez dias para oposição à contribuição assistencial e, mesmo assim, optou por dar prazo maior aos trabalhadores neste ano.
A entidade cobra 12% de contribuição, a ser paga em quatro parcelas. A quem se opuser é imposta taxa de R$ 150.
"As reclamações dos trabalhadores são, em verdade, por desconhecerem o trabalho do sindicato e acreditarem que as normas coletivas e seus benefícios de aumento salarial, vale-refeição entre outros são concessões por mera liberalidade de seus empregadores", afirma a entidade, em nota.
O sindicato enviou à reportagem nota da federação dos agentes autônomos dizendo que a contribuição de 1% ao mês não fere o princípio da razoabilidade, "uma vez que estamos falando em convenção coletiva na qual se obteve aumento real".
FALTA DE MODULAÇÃO PODE LEVAR A ENXURRADA DE PROCESSOS NA JUSTIÇA TRABALHISTA
Sindicatos x empresas: em caso de não recolhimento da cobrança assistencial pelas empresas, entidades representantes dos trabalhadores poderão ir à Justiça cobrar do empregador o pagamento da taxa, como ameaçam os sindicatos de domésticas
MPT x sindicatos: o MPT (Ministério Público do Trabalho), em caso de recebimento de denúncia de supostos abusos, poderá apresentar ações civis públicas para questionar cláusulas de acordos ou convenções coletivas; no caso do sindicato dos agentes autônomos de Sorocaba (SP), o órgão já abriu um inquérito para apurar eventuais práticas abusivas
Reclamações trabalhistas: em ações em que pedem direitos supostamente violados pelos empregadores, trabalhadores que se sentirem lesados com o pagamento da contribuição assistencial, considerado de alguma forma irregular, poderão pedir o ressarcimento do empregador
Empresas x sindicatos: em casos de trabalhadores que cobrarem as empresas, os empregadores poderão, por exemplo, se se sentirem lesados, pedir o ressarcimento de uma cobrança considerada irregular do sindicato beneficiado pelo desconto feito na folha