Ex-Miss Cuiabá e influenciadora digital, Nicole Guedes foi contratada recentemente e não precisa bater ponto para comprovar frequência
Por Larissa Rodrigues
Por duas vezes, o Metrópoles flagrou o carro oficial do senador Irajá Abreu (PSD-TO) buscando uma mulher em uma academia de luxo no Lago Sul, em Brasília. Nas duas ocasiões, o parlamentar não quis comentar o fato nem revelar quem seria a moça que ganhava a carona irregular. Agora, a reportagem descobriu que a pessoa que vai à ginástica com o veículo do Senado é a namorada do vice-líder do PSD na Casa. Modelo e digital influencer, Nicole Guedes também é comissionada no Congresso Nacional. No entanto, ninguém a conhece no gabinete onde ela supostamente trabalha.
Segundo a comunicação do Senado, Nicole Guedes Viegas é lotada no gabinete do senador Sérgio Petecão (AC) do PSD, mesmo partido de Irajá Abreu. Porém, por duas vezes o Metrópoles ligou no local à procura da comissionada e as secretárias que atenderam as ligações disseram não haver ninguém com esse nome trabalhando por lá. Contratada no dia 11 de abril de 2018, a modelo ocupa o cargo em comissão de auxiliar parlamentar. “A remuneração bruta é correspondente a R$ 5.735,93 e a servidora tem dispensa de ponto desde a sua nomeação’, afirmou a Casa.
Assim, sem precisar registrar presença no trabalho – apesar de ter de cumprir uma carga horária diária de 8 horas – Nicole Guedes tem acompanhado o senador nas viagens que ele faz pelo Brasil e pelo exterior. Os passeios ocorrem durante os dias que a modelo deveria estar no Senado. Quando foi contratada, por exemplo, ela estava no Catar com o namorado, visto que Irajá Abreu participava da Assembleia da União Interparlamentar no país. De lá, o casal aproveitou para conhecer as Ilhas Maldivas e a França. A modelo registrou tudo em suas redes sociais, inclusive a data da volta: 19 de abril, oito dias depois de já estar recebendo salário do Senado.
Nas redes sociais, a digital influencer, que tem quase 65 mil seguidores, afirma também ser estudante de Nutrição, além de postar fotos malhando todas as manhãs. Em julho, Nicole também fez uma viagem para Campos do Jordão, durante dias de semana, quando deveria estar trabalhando.
Nos últimos sete dias, Nicole Guedes esteve mais uma vez fora de Brasília. A modelo foi para Nova York acompanhar Irajá Abreu em uma agenda oficial. O parlamentar viajou aos Estados Unidos para participar de um fórum nas Nações Unidas (ONU). Para isso, o senador ganhou R$ 8.028,80 em diárias pagas pelo Senado. A Casa não pagou a viagem de Nicole. A modelo registrou a visita à ONU ao lado do namorado (foto em destaque) e os demais locais que conheceu.
A reportagem tentou contato com a a digital influencer para ouvir o seu lado da história via e-mail, Facebook e Instagram e não obteve resposta. Além disso, o Metrópoles questionou o senador Irajá Abreu sobre a nomeação da namorada em um gabinete de correligionário e as viagens realizadas pelos dois. No entanto, o parlamentar preferiu o silêncio e não respondeu às perguntas.
Petecão, do gabinete onde Nicole é lotada, confirmou que a modelo trabalha lá, mas não quis comentar as viagens da funcionária durante dias de serviço. O parlamentar também não explicou se a contratação da modelo foi um pedido do senador Irajá, muito menos o porquê de ninguém da sua equipe a conhecer. A assessoria de imprensa de Sérgio Petecão mandou apenas uma nota oficial:
“A servidora Nicole Guedes Vegas é lotada no gabinete do senador, na função de auxiliar parlamentar pleno, com vínculo comissionado, admitida em 2019. Ela faz parte da equipe que acompanha as iniciativas legislativas do parlamentar, bem como faz o atendimento à (sic) entidades e interessados em proposituras e acompanha projetos de interesse do estado do Acre em ministérios e autarquias, como a liberação de recursos orçamentários provenientes de emendas parlamentares e de bancada, andamento de obras, projetos e repasses realizados pelo Governo Federal para o estado. A carga horária da servidora é de 8 horas, com despensa (sic) de ponto eletrônico, uma vez que boa parte do trabalho é realizado externamente”, diz o comunicado.
Carreira artística
Em 2014, Nicole Viegas foi eleita Miss Cuiabá e, de lá para cá, vem investindo na carreira artística. No Instagram, afirma fazer parte do quadro de modelos de uma das maiores agências de moda do país. Também participou de um clipe do cantor sertanejo Luan Santana. O Metrópoles questionou a influenciadora digital sobre qual seria sua qualificação para atuar como auxiliar parlamentar, mas também não obteve respostas.
Entenda
No último dia 11 de julho, o carro oficial do Senado que fica à disposição do senador Irajá Abreu foi flagrado esperando Nicole Guedes terminar sua série de exercícios em uma academia de luxo. Durante cerca de duas horas, o veículo ficou estacionado no local, com o ar-condicionado ligado e o motorista dentro. Essa não é a primeira vez este ano que o carro do senador – que está em seu primeiro mandato – foi usado para esse fim. Em março, o Metrópoles também mostrou que o veículo havia ido até a academia buscar uma mulher após aulas de ginástica.
Os carros pretos que circulam pela capital federal ostentando placas oficiais são garantidos por um contrato milionário firmado em 21 de julho de 2017 com a empresa Quality Frotas, sediada na Zona Industrial do Guará, região administrativa do Distrito Federal. Com vigência de dois anos e meio, o aluguel de até 85 veículos vai custar, no total, R$ 8,6 milhões aos cofres públicos.
Enquanto isso, um projeto de lei que restringe o uso de carros oficiais aguarda, desde março, para ser votado no plenário do Senado. Se aprovado, o PL proibirá que parlamentares, magistrados federais, membros do Ministério Público Federal, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Advocacia Geral da União e da Defensoria Pública da União usem esses veículos. Os automóveis seriam cedidos apenas à Presidência e Vice-Presidência da República e presidentes dos demais poderes.
O uso dos veículos oficiais é regido pela Lei nº 1.081, de 13 de abril de 1950. No artigo 4º, ela determina que é “rigorosamente proibido” que o carro seja usado pelo “chefe de serviço, ou servidor, cuja funções sejam meramente burocráticas e que não exijam transporte rápido”, “no transporte de família do servidor do Estado, ou pessoa estranha ao serviço público” ou “em passeio, excursão ou trabalho estranho ao serviço público”.
O Regulamento Administrativo do Senado também proíbe o uso do veículo fora do horário de trabalho do parlamentar e por outra pessoa que não seja o político eleito. Os carros devem ser recolhidos aos fins de semana e feriados, como também quando o parlamentar não estiver trabalhando, a não ser que haja uma autorização da Primeira-Secretaria da Casa.
Em Washington, percepção é de que, após encontro com enviados de Joe Biden, em que Jair Bolsonaro disse ter havido fraude em eleições americanas, imagem de presidente brasileiro sofreu abalo significativo como possível interlocutor.
Por Mariana Sanches - Da BBC News Brasil em Washington
Quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, e o Assessor Especial do presidente americano Joe Biden, Juan González, entraram no gabinete de Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, no último dia 5, não esperavam uma conversa de melhores amigos. Mas o que encontraram foi descrito à BBC News Brasil como "nonsense" e "tenso" por oficiais americanos.
Do encontro sobraram não só uma foto de um aperto de mão de Sullivan, de máscara, e Bolsonaro, sem máscara e oficialmente não vacinado, mas também uma preocupação dos americanos com a saúde da democracia brasileira, diante das alegações sem provas do presidente brasileiro de fraude eleitoral nas urnas eletrônicas.
Originalmente, a agenda dos enviados de Biden ao Brasil não teria a democracia brasileira como destaque principal.
A pauta deles incluía oferecer ao país o status de parceiro global da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), condição que dará acesso ao Brasil à compra de equipamentos de guerra de última linha, além de sessões de treinamento militares com os americanos em bases nos EUA.
Por outro lado, a missão americana pretendia pressionar o Brasil a estabelecer — e cumprir — metas de redução de desmatamento ambiciosas e dissuadir o Brasil de usar equipamentos da gigante chinesa de telecomunicações Huawei em sua rede 5G — um dos argumentos dos americanos foi, inclusive, o de que a empresa poderia não entregar os materiais contratados pelo governo Bolsonaro por crise de matérias-primas.
A conversa, no entanto, saiu do script normal com insinuações de Bolsonaro de que o pleito americano de 2020 havia sido roubado — o que faria de Joe Biden um presidente ilegítimo.
A administração Biden sempre esteve ciente de que Bolsonaro defendia publicamente as falsas alegações de Trump sobre as eleições. O republicano fazia múltiplas acusações ao sistema eleitoral dos EUA, questionando tanto aos votos de papel quanto àqueles depositados em urna eletrônica, mesmo antes do dia da votação. Bolsonaro foi o último líder do G-20 a reconhecer a vitória de Biden.
O que os americanos não esperavam é que Bolsonaro dissesse tais coisas diante de Sullivan e Gonzalez, ambos altos representantes do governo a serviços dos democratas há anos.
Segundo autoridades com conhecimento dos fatos, ambos ouviram o suficiente para deixar o encontro preocupados com a democracia no Brasil. Sullivan foi às redes sociais enunciar que a "gestão Biden defende um hemisfério seguro e democrático".
Já Juan Gonzalez fez uma coletiva de imprensa sobre a viagem para Brasil e Argentina na qual falou, na maior parte do tempo, da democracia brasileira. "Fomos muito diretos em expressar nossa confiança na capacidade de as instituições brasileiras conduzirem uma eleição livre e limpa e enfatizamos a importância de não ser minada a confiança no processo de eleições, especialmente porque não há indício de fraude nas eleições passadas", disse Gonzalez, sobre o teor da conversa com Bolsonaro.
A Cartilha Trump
Dentro do governo americano, tanto no Executivo quanto no Congresso, tem ganhado força a percepção de que Bolsonaro segue estritamente a cartilha que Trump adotou ao tentar se perpetuar no poder: denunciar fraudes sem prova, antes mesmo do pleito ocorrer, e criar descrença em parte do eleitorado sobre o processo eleitoral, a ponto de levar a cenas como a invasão do Capitólio por apoiadores, em 6 de janeiro.
A diplomacia de Biden não deixou de notar, por exemplo, o interesse do ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, nas eleições de 2022, no Brasil.
O próprio Gonzalez foi explícito sobre o assunto. "Fomos sinceros sobre nossa posição, especialmente em vista dos paralelos em relação à tentativa de invalidar as eleições antes do tempo, algo que, é óbvio, tem um paralelo com o que aconteceu nos Estados Unidos."
Em Washington, a percepção é de que a imagem de Bolsonaro sofreu um abalo significativo como um possível interlocutor após a visita.
"Acho que o governo Biden, especialmente depois dessa reunião em Brasília, vê Bolsonaro como uma figura errática, ou pelo menos como alguém que age de uma forma muito excêntrica e difícil de prever. Ele diz coisas que parecem ir contra seu próprio interesse nacional. Por que ele iria querer brigar com o novo governo dos EUA dizendo que a eleição (americana) foi fraudada? Dá pra entender o porquê Trump faz isso, já que ele quer disputar a presidência de novo e fazer disso um tema, mas para um líder estrangeiro dizer esse tipo de coisa é, no mínimo, estranho", afirma Melvyn Levitsky, ex-secretário executivo do Departamento de Estado e embaixador no Brasil entre 1994-1998.
Militares longe do golpe
Levitsky, que hoje é professor de políticas internacionais da Universidade de Michigan, afirma que nessa situação, os americanos vão jogar (quase) parados, sem qualquer ação que possa soar como interferência nas eleições brasileiras.
E isso também porque a diplomacia americana não vê como provável a possibilidade de que as Forças Armadas embarquem em uma eventual aventura golpista de Bolsonaro. Reservadamente, autoridades dos EUA citaram as ações recentes do ex-comandante do Exército, o general Edson Pujol, e de seu atual líder, o general Paulo Sérgio de Oliveira, como sinais de anteparos ao presidente no uso político das forças armadas. Em discurso no dia do soldado, Oliveira afirmou que o Exército quer ser respeitado "nacional e internacionalmente" e tem "compromisso com os valores mais nobres da Pátria e com a sociedade brasileira em seus anseios de tranquilidade, estabilidade e desenvolvimento".
"Eu conhecia muito bem os militares brasileiros. E embora faça algum tempo que não fale com eles, meu senso é de que os militares estavam muito subordinados ao governo civil e eu não acho que isso mudou. Não acho que os militares queiram entrar de vez na política. Seria devastador para eles fazer isso. E se isso acontecesse, seria devastador para as relações entre Brasil e Estados Unidos também", afirma Levitsky.
É essa percepção que explica, em parte, porque os americanos não viram problemas em oferecer ao Brasil uma posição como parceiro global na Otan que fortalece diretamente o Exército brasileiro. Se avaliasse haver tendência golpista nas forças, esse não teria sido um caminho para Biden, asseguram os diplomatas. Além disso, nem todos os parceiros globais da Otan são países de democracia perfeita — a Turquia, por exemplo, é tido como um deles.
Por fim, para os militares brasileiros a possibilidade de acessar contratos de vendas de armamento de ponta e participar em treinamentos com os americanos é algo de que eles provavelmente não estariam dispostos a abrir mão em troca da tentativa de um golpe ao lado de Bolsonaro. É o que argumenta Ryan Berg, cientista-político especialista em regimes autoritários na América Latina do Centro de Estratégias e Estudos Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).
"A visão do governo dos EUA é que, embora os movimentos de Bolsonaro sejam muito preocupantes, com desfile de tanques pelas ruas de Brasília e atos para desacreditar as eleições, ainda assim o Congresso rejeitou o voto impresso e isso, para o governo dos Estados Unidos, indica que as instituições do Brasil são mais fortes do que algumas pessoas gostam de dizer. O governo dos EUA tem muita confiança que os militares brasileiros não ficariam do lado do Bolsonaro se ele tentasse cometer algum tipo de autogolpe, como vimos com Trump, na invasão do Capitólio em 6 de janeiro", afirma Ryan Berg.
É consenso entre diplomatas e especialistas internacionais americanos que os EUA não podem e nem querem virar as costas para o Brasil. Primeiro porque o país, com suas florestas tropicais, é visto como chave para avançar no combate ao aquecimento global, pauta prioritária do governo Biden.
Segundo, porque a China tenta ganhar espaço na América Latina a passos largos, e os americanos não estão dispostos a ceder, ao principal rival, espaço de influência na segunda maior democracia do continente — ainda mais com a disputa do 5G a pleno vapor.
E terceiro, porque, em que pesem as ações de Bolsonaro sobre a democracia brasileira ou sobre o meio ambiente, seu governo promoveu um alinhamento ideológico com os Estados Unidos no continente, adotando tom duro contra Venezuela e Cuba, algo bastante valorizado no Departamento de Estado.
No entanto, dada a percepção de que "Bolsonaro não é um líder plenamente confiável", como afirma Levitsky, os próximos movimentos na relação dependerão de seu governo. E a diplomacia americana diz que não vai se furtar da possibilidade de se engajar com outros atores políticos, em diferentes níveis de poder e sem a intermediação do Executivo federal, para fazer avançar sua agenda.
Foi exatamente o que fez, há um mês, o Enviado Climático de Biden, John Kerry. Diante de promessas não cumpridas e do mal-estar que representava a presença do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que os americanos veem como envolvido em um possível esquema de tráfico ilegal de madeira amazônica para os EUA, Kerry driblou Brasília e se reuniu por uma hora e meia com os governadores do Fórum de Governadores, que inclui quase todos os Estados.
Na semana seguinte, Jake Sullivan não esteve apenas no Palácio do Planalto, mas fez também uma reunião com governadores do Consórcio da Amazônia Legal.
"Há uma percepção dos EUA de que o governo federal infelizmente não vai avançar muito na questão do desmatamento. Então falar com os governadores não chega a ser uma exclusão do governo federal, mas uma forma de jogar nas duas vias", afirmou à BBC News Brasil o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), que esteve no encontro com Kerry.
Depois de três meses sem encontros com a equipe de Kerry, na última semana, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e representantes do Itamaraty retomaram conversas com os americanos. Isso acontece a menos de três meses da Conferência do Clima, em Glasgow, na Escócia, encarada pelos americanos como a última grande oportunidade para que o governo Bolsonaro mostre algum avanço na agenda ambiental.
Consultado pela BBC News Brasil, o Departamento de Estado afirmou, por meio de um porta-voz, que "esperamos ver progressos adicionais à medida que o Brasil avança para combater o desmatamento ilegal e reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, em linha com os compromissos assumidos pelo presidente Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima realizada em abril".
O Itamaraty defende que as metas de redução de desmatamento (que deve ser zerado até 2030) e de emissões (zero até 2050) são as mais ambiciosas entre os países em desenvolvimento. Reservadamente, no entanto, diplomatas envolvidos nas negociações com os americanos reconhecem "dificuldades internas do governo" para entregar reduções expressivas no desmatamento ainda em 2021. Dados do INPE mostram que o acumulado de desmatamento entre janeiro e julho deste ano é o maior desde 2016.
Para o embaixador Levitsky, até a eleição do próximo ano, EUA e Brasil devem levar uma relação "em banho-maria". De um lado, os americanos não demonstram grandes expectativas de novos compromissos de Bolsonaro, a quem veem majoritariamente voltado à agenda eleitoral doméstica.
Por outro, preferem ver quem assumirá o país pelos quatro anos seguintes para tentar implementar qualquer ação fora das relações rotineiras. E já avisaram a Bolsonaro que reconhecerão como presidente quem quer que a Justiça Eleitoral aponte como vencedor do pleito em outubro de 2022.
A quem interessar possa
Por Rafaela Felicciano
O presidente Jair Bolsonaro detesta ler, gosta mais de figurinhas como já disse, mas alguém deve ler os jornais por ele, atento aos fatos mais importantes que possam despertar seu interesse.
Sendo assim, ele tomou conhecimento, quando nada por alto, do artigo publicado, ontem, na Folha de S. Paulo e assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.
O título do artigo diz tudo: “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível”. Seu autor é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Lewandowski lembra que na Roma antiga, para segurança do governo, existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão.
Mas em 49 a.C., à frente das legiões que comandava, o general romano Júlio César atravessou o rio pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”. Empalmou depois o poder político.
Em seguida, instaurou uma ditadura. Mas ao cabo de cinco anos foi assassinado “a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo, Marco Júnio Bruto”.
Segundo o ministro, o episódio revela “que distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força”.
A Constituição de 1988 estabeleceu que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
Por sua parte, o projeto de lei há pouco aprovado pelo Congresso, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal.
É criminosa a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Golpe de Estado para depor governo eleito é crime.
Ambos os ilícitos, como observa Lewandowski em seu artigo, “são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência”. E ele vai adiante:
“Cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da [Constituição], para a ‘defesa da lei e da ordem’, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes”.
Entendeu o recado, Bolsonaro? Ou prefere que o ministro desenhe?
Acre, Pará e Tocantins foram os únicos estados brasileiros nos quais não houve piora da pobreza entre novembro de 2019 e janeiro de 2021. É o que mostra estudo feito pelo economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), Daniel Duque.
Luciana Cavalcante - Colaboração para o UOL, em Belém
A pesquisa concluiu que, em 24 dos 26 estados e o Distrito Federal, houve aumento da população pobre em relação ao total. Os dados refletem as consequências da pandemia de coronavírus na economia.
Rio de Janeiro, Distrito Federal e Roraima foram os estados onde houve maior expansão da pobreza. No Rio de Janeiro, o incremento foi de 6,9 pontos percentuais, passando de 16,9% em 2019 para 23,8% em 2021, chegando a quase um quinto da população. O Rio de Janeiro foi o segundo estado com a maior alta na concentração da população mais pobre; em primeiro lugar está o Distrito Federal, no qual a população pobre foi de 12,9% para 20,8% no período.
Em São Paulo, a população pobre chegou a 19,7%, alta de 5,9 pontos percentuais em relação a 13,8% no final de 2019.
A pesquisa considerou índices de pobreza do Banco Mundial, cuja renda per capita é de até R$ 400 ao mês. Para a condição de pobreza extrema, a pesquisa tem como referência a renda per capita de R$ 160 por mês.
No Nordeste, o Piauí teve a maior alta (5,3 pontos): de 41,1%, para 46,4%.
No norte, estão os únicos três estados que não tiveram piora: Acre, Pará e Tocantins, respectivamente com 46,4%, 45,9% e 35,7% de sua população em situação de pobreza.
O Amapá é o Estado com a maior concentração de população pobre: 55,9% (eram 51,4% na medição anterior).
Para chegar a essas conclusões, o pesquisador combinou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad contínua), do primeiro trimestre de 2019 com a Pnad-Covid, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os levantamentos trazem informações sobre a renda da população entre janeiro de 2019 e novembro de 2020. "A partir daí fiz uma projeção até janeiro de 2021", afirmou o pesquisador.
Extrema pobreza subiu em 18 estados
O economista também analisou o crescimento da extrema pobreza no país. Das 27 capitais, 18 estão nessa situação. Segundo o estudo, todas as capitais apresentaram crescimento tanto da pobreza, como da sua situação extrema. Mas ele destaca Roraima com uma situação peculiar, por causa da migração de venezuelanos.
"Pela crise migratória, com uma grande entrada da população venezuelana, sem perspectiva, sem possibilidade de se inserir no mercado de trabalho. Por isso houve um aumento muito grande da extrema pobreza nesse estado." Foi o Estado com a maior alta na população em extrema pobreza, de 11,2% a 19,9%, alta de 8,7 pontos.
Principais causas da piora da pobreza
Para Daniel Duque, essa alta pode ser explicada principalmente pelas consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus, como a inflação e o desemprego.
"Os principais fatores são a grande perda de vagas, devido à pandemia. E não apenas isso, pois houve uma perda de rendimento real de diversos trabalhadores que mantiveram seus empregos. Isso é devido a uma alta inflacionária no último período, que está se acelerando agora ao longo de 2021", declara.
Ele destaca a distribuição menor do auxílio emergencial, o que deixou parte da população sem opção de renda. No caso de Rio de Janeiro e São Paulo, a atividade econômica ficou prejudicada com as medidas de isolamento social.
"Nos dois estados, mas principalmente no RJ, há grande participação de serviços e não há tanta população em programas sociais, como Bolsa Família."
O mesmo acontece com o Nordeste, que, apesar de ter maior participação nos programas sociais, sofreu com a perda de empregos desde o início da pandemia.
"O problema principal do Nordeste é que é uma região de muita informalidade, de de muitos serviços tradicionais que precisam de aglomeração, de movimento de pessoas. Essa característica econômica, de empregos que não podem ser feitos por home office, acabou tendo um impacto muito negativo sobre a renda do trabalho.".
Ma
Por Eduardo Katah e Pedro Venceslau
O senador Tasso Jereissati (CE) admitiu em entrevista ao Estadão que pode formar uma frente com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e com o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio para enfrentar o governador de São Paulo, João Doria, nas prévias presidenciais do PSDB marcadas para 21 de novembro. Expresidente do partido, Tasso reconheceu que o paulista é o favorito na disputa interna.
De volta ao Senado de forma presencial, o tucano, que já tomou as duas doses da vacina contra a covid, também avaliou o cenário econômico como "péssimo sob todos os aspectos" e disse que a elite financeira e empresarial do País "demorou muito" para reagir ao presidente Jair Bolsonaro. "Estamos vivendo a tempestade mais que perfeita. É lastimável, mas tudo isso poderia ter sido evitado", declarou.
João Doria disse no programa Roda Viva que o sr. havia desistido das prévias do PSDB. Depois disso, Eduardo Leite afirmou que o sr. e ele estarão juntos na eleição interna. O sr. fechou uma aliança com Leite?
Soube com um certo espanto e, em um primeiro momento, sem acreditar que o governador Doria afirmou que eu tinha desistido. Fiquei realmente surpreso. Nunca disse isso para ninguém ou conversei com o próprio Doria. Tenho uma afinidade muito grande com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e com o Arthur Virgílio, do Amazonas. Estamos fazendo um esforço muito grande para termos uma candidatura só nas prévias que possa competir com o Doria. Evidentemente que Doria, como governador de São Paulo, onde o partido é maior, leva vantagem. Ele polariza dentro do partido. Para haver uma competição justa no PSDB, fazer alianças é importante. A probabilidade de uma aliança com Eduardo Leite e Arthur é grande. Estamos avaliando qual será a melhor alternativa, sem nenhum tipo de projeto pessoal, qual dessas candidaturas pode agregar mais os outros partidos de centro.
Então no ato da inscrição das prévias é provável que seja apresentado apenas um nome?
É possível.
O sr. não está viajando e fazendo uma campanha ostensiva nas prévias. Sua candidatura é para valer ou está marcando posição?
Minha posição ajuda a fazer esse trabalho de agregar. Meu nome está colocado de uma maneira descontraída, sem que isso seja um projeto pessoal.
Por que o sr. decidiu encontrar o ex-presidente Lula?
Porque todos os homens de bom senso deste país que entendem um pouco de história sabem que o ódio e o radicalismo não levam a coisa alguma. Se não tivermos a capacidade de dialogar com todas as correntes de pensamento, da esquerda à direita, da região Sul ao Norte, vamos ficar parados vendo essa decadência. O diálogo é fundamental. Não é a primeira vez que encontro com o Lula. Dialogar não significa ser cooptado ou cooptar. Somos muito diferentes em relação ao PT, mas queremos ter as portas abertas para dialogar.
A ideia é abrir diálogo com o PT para o partido estar junto com o PSDB na eventualidade de um segundo turno contra o presidente Jair Bolsonaro?
Não necessariamente para o segundo turno, mas para governar. Se nós ganharmos as eleições, vamos precisar ter um diálogo com o PT. Não é bom para o Brasil viver em um clima de confronto. Pelo que conversamos, o presidente Lula está consciente disso.
A terceira via tenta consolidar um nome. Ela está disputando uma vaga no segundo turno contra Bolsonaro ou Lula?
Se você me fizesse essa pergunta há quatro ou cinco meses, eu diria que nós iríamos disputar com um dos dois. Mas, pelo cenário de hoje, estaremos disputando o segundo lugar com Bolsonaro. Mas tem muita água para rolar. O Lula está muito preservado. Todos os canhões estão virados para o Bolsonaro. Na campanha os canhões vão se voltar para o favorito. As coisas mudam. Nosso objetivo é fragmentar o menos possível a candidatura de centro.
Na votação na Câmara sobre o voto impresso, 14 deputados do PSDB apoiaram a proposta, o que contrariou a orientação da Executiva do partido. O que isso significa?
Lamento muito. Não é a cara do PSDB, que nasceu com uma inspiração democrática e social. Critico de forma veemente o voto impresso e o fundão eleitoral.
Que leitura o sr. faz desse recente confronto entre o governador João Doria e o deputado Aécio Neves?
Lamento. Já fiz essa autocrítica quando fui presidente interino do PSDB. Está na hora de sairmos desse mundo de xingamentos e ofensas. O momento é de baixar a bola e reconciliação. Chega de ódio.
Qual é o significado da adesão do deputado Rodrigo Maia ao projeto do Doria para 2022?
Respeito muito o Rodrigo Maia, mas não vejo nenhuma sinalização política relevante.
Como é a sua relação com Ciro Gomes? Se ele estiver mais bem posicionado em 2022, pode ser o nome do centro?
A minha relação com ele é a melhor possível. Não é de hoje que admiro Ciro. Ele se distanciou um pouco dos potenciais aliados. Ciro é um homem de centro, não de esquerda.
Como essa crise institucional afeta a economia do País?
Infelizmente, estamos enfrentando de uma maneira desnecessária um cenário péssimo sob todos os aspectos. Temos a inflação subindo e começando a sair do controle, 14 milhões de desempregados, uma crise fiscal, a pandemia ainda em evolução e uma crise institucional inédita desde a redemocratização. O presidente da República está alienado dos problemas. Entrou em atrito com o Supremo, que é uma instituição vigorosa, e agora com o Senado. Essa crise institucional que vem da Presidência da República é a gota d'água que está causando um pessimismo gigantesco na economia. E ainda o próprio ministro da Economia dando declarações desastrosas. Estamos vivendo a tempestade mais que perfeita. É lastimável, mas tudo isso poderia ter sido evitado.
Como o sr. avalia as manifestações do 7 de Setembro?
Vou tentar ser otimista. Criou-se uma expectativa enorme ao redor destas manifestações do dia 7 de setembro, mas as declarações do cantor Sergio Reis, que alarmaram o País e foram rejeitadas pela sociedade de uma maneira veemente, podem ter furado um balão que estava crescendo. Aquilo que o cantor falou não era uma bravata, mas a rejeição da sociedade pode ter furado o balão. Tenho a esperança de que pode ser muito menor do que o presidente alardeia.
Como está o debate no Senado em torno da indicação do André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal?
Se o presidente da República mandou a indicação do nome dele para o Senado, tem que votar. Simplesmente ficar segurando não é a melhor conduta. Se (o Senado) não gosta e não quer, então vota e rejeita.
Esse cenário político conturbado pode ter reflexo na votação para a aprovação dele?
Claro que pode. Sem dúvida nenhuma. Apesar de ele ter algumas simpatias, à medida que o presidente exacerba suas posições, isso pode prejudicá-lo.
Essa exacerbação do presidente é reflexo do enfraquecimento do capital eleitoral ou só a falta de rumo do governo?
Essa tática de confronto vem desde o início do governo. O primeiro confronto que ele abriu foi com a classe política. Isso gerou uma incompatibilidade com o Parlamento que paralisou o governo. Ele foi de confronto em confronto. Vira uma coisa meio paranoica.
A sociedade reagiu com um manifesto amplo e contundente que reuniu intelectuais, banqueiros, políticos e economistas contra as ameaças de Bolsonaro às eleições. A elite empresarial e financeira do Brasil demorou a se posicionar contra o governo?
Muito. Desde as eleições, essa chamada elite, com honrosas exceções, dentro de um clima anti-Lula, fez qualquer coisa que fosse contra o PT. E essa qualquer coisa foi sem nenhum tipo de qualificação ou mérito. Quem tinha um pouco de noção previu que isso ia acontecer. Até hoje há movimentos que, em nome do antipetismo, levam o País ao caos em um terreno de ameaça às eleições.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.